Sexo, vício e solidão pelas lentes de Joshua Lutz
Esquerda: Bleeding Thumb. Direita: House Arrest. © Joshua Lutz.

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Sexo, vício e solidão pelas lentes de Joshua Lutz

“Boa parte da primeira metade da minha vida foi movida por temores de que me tornaria esquizofrênico. Ainda tenho essa sensação.”

Desde a infância, Joshua Lutz já lidava com a dura realidade da doença mental. Aos cinco anos de idade ele percebeu que algo não estava certo ao ver sua mãe sofrendo com a esquizofrenia. O temor de que ele herdaria a doença ou a passaria para seus filhos tornou-se uma constante em sua vida.

Lutz voltou-se para a fotografia de forma a explorar o impacto da doença mental em sua mãe, família e sua noção de si mesmo. Em 2012 Lutz lançou um livro sobre sua relação com a própria mãe intitulado Hesitating Beauty (Schilt), um apanhado mordaz da mulher que lhe deu a vida. Para criá-lo, Lutz pisou em uma espécie de submundo, onde a realidade é vista por meio de lentes irracionais, em que momentos de lucidez são como a luz dos sol passando entre as nuvens.

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O livro permitiu que Lutz explorasse ao mesmo tempo em que se afastasse da sombra que a esquizofrenia lançou sobre sua vida. A capacidade de atuar como insider e ao mesmo estar à margem daquilo lhe permitiu ir mais fundo nos cantos mais obscuros da alma. Neste mês, Lutz lançou outro livro que lida com temas semelhantes, intitulado Mind the Gap (Schilt), uma busca pungente pela verdade que explora os espaços entre coerência e confusão existentes na vida daqueles que vivem com doenças mentais.

Lutz conversou conosco sobre sua jornada pessoal e como é mergulhar nas realidades confusas e obscuras de quem sofre com doenças mentais.

Esq.: Bonjour. Dir.: GBFD, Levy. © Joshua Lutz

VICE: Quando você tomou conhecimento de doenças mentais pela primeira vez e como isso afetou sua noção de si?
Joshua Lutz: Minha mãe adoeceu bastante quando tinha 18 ou 19 anos e casou bem cedo. Eu nasci uns poucos anos depois e logo na infância tive contato com a doença. Boa parte da primeira metade da minha vida estava cheia de pensamentos e movida por temores de que eu ficaria esquizofrênico. Ainda tenho essa sensação.

Depois que meus pais se divorciaram, meu pai casou novamente e tentou me dar algum tipo de estrutura. A ironia disso tudo é que ele escondia o fato de que era bipolar e alcoólatra de nós. Agora a demência começou a bater forte e o foco voltou-se pra ele mais uma vez. Hoje percebo que naqueles tempos ele sofria, mas não tinha como deixar eu e meu irmão saber daquilo até estarmos bem mais velhos.

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Esq.: House of Cards. Dir.: Paukers. © Joshua Lutz

Quando você começou a usar a arte como veículo para lidar com questões de saúde mental?
Começei a revelar fotos na câmara escura como forma de escapar do mundo. No ensino médio, minha escola deixava que os alunos usassem a câmera no intervalo do almoço, quando todos os sistemas sociais do refeitório estavam engatando suas marchas. Comecei a tirar fotos só pra ter algo pra revelar, eu nem mesmo gostava de tirar fotos; só queria estar ali naquele cômodo ouvindo música, junto do pessoal que também achava que o mundo lá fora era uma merda também [risos].

Fotografia foi a maneira que encontrei para lidar com estes problemas, mas ela também me impediu de viver certas coisas. Eu podia me esconder atrás da prática e não me envolver por completo com nada. Não acho que seja incomum para fotógrafos usarem suas câmeras como maneira de se distanciar do mundo.

Qual a inspiração por trás de Mind the Gap?
Eu queria descobrir o que a fotografia poderia fazer. Estou tão enfiado nesse papo saúde mental que decidi deixar de lado a ideia de usar a câmera só apontando e mostrando algo, então comecei a buscar outras formas de expressar doenças mentais. Não havia nenhum modelo que pudesse me basear lançado no mercado.

Quando lancei meu primeiro livro, Meadowlands (powerHouse, 2008), eu podia seguir os passos de gente como Joel Sternfeld e Stephen Shore para criar retratos em grande formato de lugares e pessoas. Mas em termos de criar uma abordagem visual para lidar com o tema da saúde mental, não tinha nada na fotografia que poderia usar para me basear.

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Esq.: Michael Joseph Blassie. Dir.: Nicholas. © Joshua Lutz

Como você começou a bolar os conceitos das fotos do livro?
O projeto começou com textos tais como “Murder of the Watcher” [Assassinato do Observador] e “Voluntary Admission” [Internação Voluntária] em que buscava transmitir como eu me sentia e pensava sobre determinados temas, que acabei extrapolando então para fotos. Retrato coisas com as quais estou lidando e busco diferentes maneiras de representá-las: me coloco em situações que gostaria de explorar, viajando para locais onde ocorreu violência ou poderia ocorrer, como a boate Pulse após o atentado ou a Convenção Nacional Republicana em Cleveland.

Muitas vezes penso que estas experiências serão radicalmente diferentes do que acabam sendo. Na CNR eu esperava que rolasse algum confronto e o que acabei encontrando foi um equilíbrio profundamente coreografado entre sistemas, orquestrado para criar uma mistura perfeita de autoridade e confusão. Mal posso acreditar que a convenção ocorreu sem nenhum grande problema.

Neste livro, eu alterno entre ficção e não-ficção, tentando unir as duas. Me sentia bastante incerto em relação a como tudo funcionaria. Esta obra não trata de meu lugar no mundo das artes; eu deixei isso para lá de forma a focar em ter uma prática artística sustentável. Quero que as pessoas vejam-o, leiam-o, segurem-o, sintam-o, questionem-o e se emputeçam com ele – que sintam o que for quando se depararem com o livro.

Esq.: Pray for Orlando. Dir.: RNC. © Joshua Lutz

Como você lida com os temas sexo e vício presentes no livro?
Sexo e vício são válvulas de escape, mas também a confusão que vivemos ao fugir do problema em questão. Queria encontrar uma forma diferente de falar sobre estas coisas sem apelar para clichês ou deixar tudo explícito.

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Lembro de uma palestra que dei em que alguém me perguntou sobre a foto da jovem que está com uma tornozeleira eletrônica levantando a blusa. O cara queria saber quem era e não gostou nada do fato de que eu fui bastante claro ao dizer que tal informação não importava. Não estou tentando ser vago nem nada do tipo, mas não acredito que saber especificidades como essa realmente valham algo; o livro se baseia na vida real. Me abri em relação a algumas coisas e outras não, e no caso das negativas, é muito importante ter este espaço.

Esq.: New Orleans VA. Dir.: Thomas L Neilan & Sons. © Joshua Lutz

Você poderia nos explicar o título?
Ao passo em que vamos envelhecendo, vemos as coisas de forma diferente da de antes. Este trabalho é uma tentativa de passar por isso tudo, com base na noção de que todos estamos profundamente confusos, correndo pra cima e pra baixo, muitas vezes espalhando essa confusão. Optei por observar meu papel nisso tudo e o uso das palavras “Mind the Gap” como uma maneira de falar deste espaço.

Comecei a pensar no espaço entre pensamentos. Me interessei pelo que acontece na mente nestes segundos. Às vezes algo nos dá um breve vislumbrar da real natureza deste mundo – mas quando você para pra prestar atenção, tudo se esvai. “Mind the Gap” é um aviso e também uma diretiva.

Esq.: Conscious Found. Dir.: Bedford Police. © Joshua Lutz

Como você usa a fotografia para mudar a forma como vemos e pensamos em saúde mental?
Não sou especialista em saúde mental sob perspectiva alguma, mas acaba que tenho bastante experiência com o tema. Encaro como um espectro e todos caímos em diferentes pontos dele.

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Nos agarramos a uma mentira com muito mais rapidez do que a uma incerteza – e quando falo de nós, estou falando de mim mesmo. Eu caio na armadilha de saber que estou me sabotando e para compensar por isso, me esforço o máximo que posso. Todos gostamos de pensar que temos um porto seguro, mas esta é só mais uma historinha que contamos a nós mesmos – e tentamos fazer com que elas funcionem de alguma forma.

O jeito mais fácil é seguir aquilo que a sociedade diz que precisamos para sermos felizes: um iPhone novo, internet mais rápida e uns tênis novos legais. Creio que todos possamos concordar que não existe isso, mas indo um pouco além, o complicado mesmo é a crença no “eu” e tentar deixar isso para lá, falhando seguidamente.

Minhas fotos tentam alcançar esta coisa que sei está ali, por mais que eu saiba que não tem como. Acredito que há outra forma de viver neste mundo e que as pessoas incorporam isso em suas vidas cotidianas. Eu não cheguei lá e estou lutando para isso; é disso que esse livro trata. Não tem nada a ver com um caminho para a iluminação, eu só tento passar por toda imundície e confusão que me impede de chegar nesse ponto.

Matéria originalmente publicada na VICE US.

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