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reportagem

Festa, tristeza, choro e missa: os bastidores da rendição de Lula

"Parece que estamos aqui velando um morto”, disse uma apoiadora.

A militância correu para o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC ao saber que o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva estava por lá e que tinha poucas horas para aproveitar a liberdade. O clima era de derrota. Simpática ao ex-presidente, a professora de inglês Ana Aparecida, 34, comparou a situação com a morte do próprio pai. “Parece que estamos aqui velando um morto”, disse na madrugada de sexta-feira (6) ao lado de amigos.

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Os discursos tinham tom de consternação. Durante o dia, a deputada federal Luiza Erundina (PSol) afirmou que "Lula é perseguido por ser nordestino".

Foto: Tuane Fernandes/Farpa Fotocoletivo/VICE

A vigília que virou festa

A não ida de Lula às autoridades policiais dentro do prazo estipulado resultou em uma grande comemoração dentro e nas imediações do Sindicato na madrugada de sábado (7). Som alto e muita gente perambulando pela entidade ajudaram a dar um tom alegre para a situação. “Um homem herói como Lula ser preso é horrível para história do Brasil. Vim aqui com a esperança de que tudo vai dar certo”, falou a ajudante-geral desempregada Adilsa Silva, 55. Dentro, a esquerda festiva tocava violão e bebia cerveja.

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A inesperada missa-show-comício

O líder petista não se entregou e anunciou um ato religioso em homenagem a sua esposa falecida, Marisa Letícia, na manhã do dia seguinte. A ex-primeira dama completaria 68 anos na data e recebeu homenagem de lideranças políticas, com destaque para a ex-presidente Dilma Rousseff, durante celebração comandada por Dom Angélico Sândalo Bernardino. Entre uma mensagem bíblica, artistas cantaram músicas escolhidas por Lula, como "Asa Branca", de Luiz Gonzaga, e "Deixa a Vida Me Levar", de Zeca Pagodinho.

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Apesar da mensagem do Bispo a respeito de justiça e paz, muitos jornalistas foram agredidos ou ameaçados durante a “ocupação” da associação. A Abraji contabilizou sete casos.

O último pronunciamento antes da prisão

O aguardado discurso do ex-presidente foi após a missa e parecido com os que ele sempre faz: falou sobre o orgulho de ter feito universidades federais, prometeu uma regulação da mídia e reclamou do sistema judiciário.

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Apesar dos gritos de “não se entrega!” vindo dos manifestantes, o petista afirmou que iria “atender o mandado deles” e dispensou a modéstia. "Não sou mais ser humano, agora sou uma ideia", afirmou, antes de pedir para que cada uma das pessoas alinhadas as suas ideias que virem um outro… Lula. “Não adianta acabar com minhas ideias, elas já estão pairando no ar e não há como prendê-las. Não adianta parar os meus sonhos porque quando eu parar de sonhar, eu sonharei pela cabeça de vocês”.

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O petista resumiu a condenação por ter recebido um imóvel como forma de propina como mentira e perseguição da elite. O crime que Lula declarou-se culpado foi o de “envolver milhões de pessoas pobres na economia” e “incluir pobre nas universidades”.

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A narrativa, aliás, é amplamente defendida pela esquerda. Recém-lançado pela Boitempo, o livro A verdade vencerá - O povo sabe por que me condenam reúne análises e entrevistas com o petista. "Um componente central na estratégia de desmoralização do ex-presidente é associá-lo a bens e propriedades que são corriqueiros para a classe média, mas não poderiam ter sido obtidos legitimamente por um 'trabalhador braçal'", escreveu o cientista político Luis Felipe Miguel. A Lula é também atribuído um sítio de Atibaia que teria sido dado como propina pela Odebrecht em troca de benesses no governo federal.

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O clima de comoção

Um chororô generalizado foi registrado no fim da celebração. Homens, mulheres, jovens e velhos estavam com os olhos marejados com o iminente encarceramento do político. "Hoje é um dos dias mais triste do Brasil. Não estou chorando por causa de Lula, mas com o fim de tudo que ele representa: o sonho de igualdade e justiça social", afirmou Rosana Alves, 38, professora.

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"Não estou chorando por causa de Lula, mas com o fim de tudo que ele representa: o sonho de igualdade e justiça social" – Rosana Alves, 38, professora

A crítica que se faz à esquerda a respeito do lulismo é que toda autonomia dos movimentos sociais foi cooptada. O grupo estudantil Território Livre, por exemplo, criticou a comoção em torno da execução de pena exigida por Moro. “Ao contrário do que dizem os petistas, a prisão, bem como todo o processo que levou até ela, não foi um ‘atentado à democracia’, mas justamente um respiro dela, obedecendo todos os trâmites legais: Lula teve direito de defesa muito maior, inclusive, do que toda a imensa massa de miseráveis encarcerada cujo número cresceu sem igual durante os governos do PT”.

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A tumultuada rendição

Por volta das 16h40 do sábado, Lula tentou deixar o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Manifestantes, no entanto, formaram um cordão humano em frente ao portão do estacionamento e impediram a ida. A enrolação demorou pouco mais de uma hora, com direito a gente do MTST cantando canções.

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A presidente do PT Gleisi Hoffmman anunciou que a Polícia Federal dera meia hora para Lula se entregar. Ex-ministro do Trabalho e ex-prefeito de São Bernardo do Campo, Luiz Marinho tentou conformar os presentes pedindo que “comitês em defesa a democracia” fossem montados ao redor do Brasil. Homens exaltados o chamaram de pelego e o carro com o ex-presidente partiu rumo ao prédio da Polícia Federal na Lapa, em São Paulo. De lá, foi de helicóptero para o aeroporto de Congonhas para voar até Curitiba.

A expectativa, segundo contou o advogado de defesa Cristiano Zanin Martins, é que Lula seja liberado “num futuro próximo” da prisão. Até lá, o PT pede que as pessoas enviem cartinhas ao ex-presidente.

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