Drogas

A dramática história de como Denver descriminalizou os cogumelos psicodélicos

Com votos dos jovens, o quase inimaginável aconteceu – e abre caminho para reforma em todo os EUA.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
Denver just decriminalized magic mushrooms.
Imagem por Lia Kantrowitz.

Quando começou a apuração das eleições locais em Denver na terça-feira passada, parecia que mais pessoas compareceram para votar pela descriminalização da psilocibina, o ingrediente psicoativo dos cogumelos, do que para prefeito. O podcaster, comediante e comentarista de UFC Joe Rogan tinha lançado um plug de última hora no Twitter e Instagram. Lance Cayko, diretor de comunicações do Partido Libertário do Colorado, há tempos declarava seu apoio. Às 19h do horário local, Kevin Matthews, gerente da campanha conhecida formalmente como Denver Psilocybin Initiative, estava numa festa apuração com quase 200 pessoas. Mas as coisas não pareciam promissoras naquele momento. Durante todo o dia, a imprensa nacional dizia que as pesquisas de boca de urna mostravam a medida não sendo aprovada por uma pequena margem.

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Mesmo assim, votos de “sim” continuavam se acumulando. À 1 da manhã, Matthews lembra, a iniciativa estava ganhando por mais de dois pontos percentuais. Aí ele decidiu dar a noite por encerrada e voltar pra casa, alimentando uma pequena esperança: 40 mil votos ainda precisavam ser contados.

“Temos esperança”, Matthews disse a VICE na madrugada de quarta-feira. “Continuamos acreditando no 'sim'.”

E ele tinha razão. Na noite de quarta-feira, a apuração de roer as unhas chegou a uma conclusão. E foi boa. A Iniciativa 301, que buscava descriminalizar posse e uso de cogumelos para maiores de 21 anos, tornando isso a menor prioridade para as autoridades e bloqueando penalidades, foi aprovada por pouco. Segundo o site da prefeitura, foram 50,6% dos votos, com 89.320 votos a favor e 87.341 contra.

Agora, segundo Matthews, ele precisa ligar para os dois candidatos a prefeito, que vão para o segundo turno. Ele quer avisar que está ansioso para levar o movimento a diante. A primeira tarefa: montar um painel de avaliação “para abordar e reportar sobre os efeitos da decisão”.

A prefeitura tem até dezembro de 2019 para resolver a questão com ele. Ele está se preparando para trabalhar com o Departamento de Justiça – cogumelos psicodélicos ainda são muito ilegais sob a lei estadual e federal – além de oficiais da cidade, a polícia e o departamento de xerife para fornecer a eles qualquer fonte necessária.

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“Farei lobby na cidade de Denver e no condado”, ele disse na noite de quarta. “Provavelmente começando amanhã.”

Um ex-cadete de West Point que foi dispensado com honras, Matthews lida com depressão, especialmente depois que viu a trajetória de sua vida mudar quando o exército não era mais uma opção viável. Depois de uma experiência particularmente benéfica com cogumelos, ele começou uma campanha de base para descriminalizar a psilocibina em Denver.

A medida dele, segundo o Denver Post, “provavelmente venceu” no final “com jovens eleitores que tendem a procurar as urnas o mais perto ou no dia final da eleição, mesmo que todos os eleitores registrados tenham recebido suas cédulas pelo correio três semanas atrás”.

A psilocibina está começando a se infiltrar na consciência do público como uma substância séria. Outubro passado, o FDA concedeu à terapia com psilocibina o status “terapia revolucionária”, depois que instituições acadêmicas tiveram resultados promissores com tratamento psicológico para condições variando de depressão a transtorno de estresse pós-traumático, o maior corpo de pesquisa sendo apoiado por líderes empresariais com credibilidade no mainstream. O sucesso em Denver pode ter sido um teste, um triunfo que quase tropeçou na linha de chegada no último segundo, mas uma vitória é uma vitória: Matthews conseguiu o que ninguém na história fez antes, abriu um precedente de descriminalização para o resto dos EUA.

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“Estamos estudando a psilocibina por suas aplicações terapêuticas em potencial, que parecem consideráveis, se utilizada sabiamente e com cuidado”, disse Charles Grob, professor de psiquiatria e ciências biocomportamentais da UCLA, que pesquisa psilocibina para pacientes terminais com câncer. “O que há de tão interessante no modelo de tratamento com psilocibina é que a população de pacientes que pode responder melhor à substância é aquela que não responde bem a tratamentos convencionais”, ele acrescentou, esclarecendo que estava se referindo a problemas de abuso de substâncias e transtorno obsessivo-compulsivo.

Levar essa escolha para as urnas, então, foi apenas o primeiro passo – aprovar a descriminalização foi o segundo. Matthews, de sua parte, já estava feliz em apenas criar esse tipo de diálogo. Ele abriu caminho para iniciativas de referendo similares em 2020, como em Oregon, onde a secretaria estadual aprovou a linguagem para uma iniciativa de referendo em dezembro passado, e na Califórnia, onde ativistas ainda estão no processo de aperfeiçoar essa mesma linguagem legal.

“Para todos os propósitos, foram quatro meses que resultaram numa divisão de aproximadamente 50/50 numa questão que nunca tinha sido votada antes”, disse Noah Potter, advogado de Nova York e especialista em reforma de drogas, que fundou e comanda o blog New Amsterdam Psychedelic Law, é o gerente-geral da Marcha da Cannabis de Nova York, e atua como presidente do Comitê de Drogas e Lei da Ordem dos Advogados de Nova York. Matthews abordou Potter para ajudá-lo a aperfeiçoar a linguagem da iniciativa, depois que inicialmente não conseguiu a aprovação do Conselho Eleitoral de Denver.

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“[Tudo isso] vai encorajar organizadores, e ajudá-los a recrutar pessoas e levantar dinheiro”, Potter disse mais tarde. “A reforma psicodélica agora é legítima e crível. E vai moldar o fundo para toda a cobertura da mídia para essas iniciativas. E pode criar a oportunidade de se envolver em cobertura mais profunda e abrangente de todas as questões relacionadas a drogas, já que essa ação eleitoral veio do nada, e estava fora das redes.”

Esse foi o principal argumento enfatizado por Matthews e Potter: o impulso que a causa foi ganhando. Eles também tinham esperança porque não havia oposição particularmente aberta ou organizada para a campanha – fora o prefeito atual, Michael Hannock, e Beth McCann, promotora de Denver, cujo um porta-voz disse por e-mail que enquanto ela não apoiou a campanha, porque a cidade atualmente “está nos primeiros estágios da legalização da maconha, e porque isso poderia tornar Denver um ímã para aqueles que querem usar psilocibina”, ela apoiava “a iniciativa de formar um comitê para estudar os efeitos”.

“Acho que não houve muito oposição porque a psilocibina não tem um grande papel no sistema de justiça criminal”, disse Jag Davies, diretor de comunicação da organização pró-reforma Drug Policy Alliance. (Segundo o Washington Post: “A polícia de Denver prendeu 50 pessoas nos últimos três anos por venda ou posse de cogumelos, e a promotoria só processou 11 dos casos”.)

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Independente disso, Matthews estabeleceu um caminho para o futuro – e o resto do país estará observando ele, sua cidade e os membros da Denver Psilocybin Initiative enquanto eles implementam parâmetros e informam o público dos benefícios e melhores procedimentos. Mais importante ainda, vamos observá-los para entender como energizar um grupo de pessoas ao redor de uma ideia que era estigmatizada há décadas. Pequisas sobre a iniciativa do Oregon mostraram resultados promissores em janeiro, com 47% dos eleitores dizendo que votariam “sim” ou que “tendiam para o sim” e 46% dizendo “não” ou “tendendo para o não” – o resultado em Denver pode muito bem impulsionar esses resultados.

“O que conquistamos aqui em Denver representa um sinal claro para o resto do país: os americanos estão prontos para uma conversa mais ampla sobre psilocibina”, disse Matthews. “E ninguém merece ser criminalizado por posse ou uso. Agora temos a oportunidade de continuar esse diálogo e educar as pessoas. Só estamos começando.”

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Matéria originalmente publicada na VICE EUA.

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