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Coisas que me tiram do sério e que me lixam o sistema #1

Aos vinte e seis anos, poucas vão ser as coisas para as quais vais ter paciência: falta de cultura é uma delas.

Aos 26 anos, poucas vão ser as coisas para as quais vais ter paciência. Especialmente, naqueles dias do mês. Especialmente, quando estás em pleno Verão, mas a merda do tempo inglês assinala temperaturas capazes de te fazer repensar o uso de peles de animais. Especialmente, se fores uma gaja culta, inteligente, que se fartou de estudar e de trabalhar gratuitamente para agora andar às apalpadelas à procura de emprego em terras de sua majestade.

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Enfim, mas isso é assunto que dava para outra coisa que me tira do sério e que me lixa o sistema. A economia e o estado do mundo também, mas para isso já não há mesmo pachorra. (Ei, não é que seja insensível, só que o capitalismo consumiu a minha vontade de fazer revoluções.) Saber as horas do chá já é qualquer coisinha
Ora bem, o que me anda a tirar do sério ultimamente é o pessoal burro. Pessoas que abrem a boca e só dizem coisas que fariam o Carmo e a Trindade vir abaixo e que fazem a minha irmã de 14 anos achar-se o Einstein da cultura geral. E estou eu em Londres, berço de alguns dos maiores movimentos culturais do nosso e outros tempos. Eu sei, eu sei… gente ignorante existe em todo o lado, nem todos sabemos tudo sobre tudo, blá, blá, blá, mas algumas das coisas que tenho ouvido por aqui, especialmente no que diz respeito a questões de música, deixam-me a considerar que os pais destas alminhas ignorantes nunca pensaram bem no significado de educação cultural para a vida, aquela que ensina o bê-á-bá depois da geometria e da importância dos Corgis da rainha e do chá das cinco para o país. A verdade é que, com algum esforço, até os podemos desculpar. Quando um dos programas mais famosos de culto inglês (vá-se lá saber porquê…) é o The Only Way is Essex, está tudo explicado — uma das personagens diz que o único livro que leu na vida foi o Fifty Shades of Grey e a amiga, prestes a casar, não sabia que o matrimónio pela igreja católica exigia aos nubentes o baptismo prévio (a sério?! E eu a pensar que me podia casar numa mesquita sem ser muçulmana… bolas!). Aparentemente, Essex é o jardim do Éden das barbies e dos kens falsos e deus resolveu, numa única cidade, juntar todas as pessoas ignorantes à face da terra, género arca de Noé dos animais burros. Mas vá, os nossos tempos compensaram-nos com um reality show, no qual podem dizer todas as bacoradas que ninguém leva a mal: afinal são todos lerdos e ainda fazem rir metade do país. Ok, afinal existe perdão divino!

Tenho uns phones mega-fixes, mas não sei bem para que servem
O meu problema mais recente com coisas que me tiram do sério prende-se com cultura musical e com as seguintes tiradas de génio (em ordem crescente de ignorância): 1 - “A Shania Twain ainda é viva?” — tudo bem, metade da geração da minha irmã não se vai lembrar de hits lamechas como “You’re Still The One” ou de hinos feministas como “Man! I Feel Like a Woman” e, sinceramente, nem eu me recordo da última vez que ouvi falar da senhora, mas quando esta pergunta é proferida com total sinceridade e espanto por uma rapariga de 23 anos, a mim só me dá arrepios na espinha. 2 - “Não curto os Beatles, as canções deles soam-me tudo ao mesmo e eles são um bocado seca, não são?” — os meus pais sempre me ensinaram que gostos não se discutem e que todos temos direito a uma opinião (o que nem sempre é verdade!), mas dizer isto sobre uma das grandes bandas musicais de sempre, influência-mor em todos os campos: da música, aos movimentos sociais, passando pela moda, é sacrilégio ao mais alto nível.
Especialmente, quando tudo o que se conhece é o “Strawberry Fields Forever” e o “Hey Jude”. Depois dos arrepios e da vontade de regurgitar, surge um formigueiro no braço e uma vontade de cerrar o punho na cara da dita pessoa (a mesma do ponto 1), que rapidamente me esforço por controlar, ingerindo uma boa dose de vinho para esquecer as amarguras que o meu coração começa a sentir. 3 - “Os Doors… hmm, nunca ouvir falar” — pronto, aqui estava o caldo entornado! E, infelizmente, foi uma pessoa diferente! Recapitulando: não saber quem está vivo ou morto… perdoável. Não gostar dos Beatles… sem comentários. Agora, não saber quem são os Doors?! Foda-se! Onde é que estas criaturas teriam as cabeças enquanto cresceram? Estariam enterradas, como as das avestruzes? Tentativa de explicação 1: “A banda do Jim Morrison?” — sem resultados;
Tentativa de explicação 2: trautear a “Riders on the Storm” — ainda não se fez luz;
Tentativa de explicação 3 (seguida de uma apoplexia nervosa): “Os tipos que cantam 'C’mon baby, light my fire, try to set the night oooon fiiireee…'" — resposta, “ah, conheço a canção, mas pensava que era do Tom Jones!” Agora sejamos justos, eu até compreendo pessoas sem cultura, que não tiveram acesso à escola, que não puderam ir para a universidade, etc. Mas, esta pessoa tem quase 30 anos e está a estudar comunicação! O meu coraçãozinho quase que não ia aguentando esta comparação entre a bomba sexual menos sexy do planeta e o rei lagarto. Acredito, seriamente, que Morison deu voltas na tumba depois de tamanha barbaridade. 4 - Tarde de sol em pleno Parque de St. James. Discussão: músicas e bandas favoritas.

Erro número um: falar dos Beatles a uma pessoa que os acha uma seca;
Erro número dois: mencionar os Rolling Stones;
Erro número três: terem a audácia de perguntar “Quem são os Rolling Stones?” Ok, surge o momento. Respira fundo… um, dois, três: a banda do Mick Jagger?; a família Jagger?; quase todos famosos?; não?! Segundo gesto de piedade: trautear uma letra mainstream, que seja fácil de reconhecer. "Angie"? Não. “You can’t always get what you want…”? Também não. “Sympathy for the Devil”? Nem pensar. “… I can’t get no satisfaction, I can’t get no satisfaction…”? Resposta: “AHHH! Eu conheço a canção! Isso é deles? Fixe, mas eu não curto muito." Depois desta, confesso que desisti de injectar qualquer miligrama de cultura na cabeça das pessoas e perdi um pouco a fé na humanidade. Bem sei que nem todos temos a hipótese de gramar com as mesmas cenas e, só por isso, dou o desconto. Ainda assim, há coisas que se aguentam, mas isto…deixa-me mesmo fodida! Seja em Londres, em Lisboa, ou em Erbil.