O DJ Pierre, do Phuture, Fala Sobre Racismo e Chicago

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Música

O DJ Pierre, do Phuture, Fala Sobre Racismo e Chicago

Com sete anos ele já tinha tido lições práticas sobre a segregação racial

Olá,

Meu nome é DJ Pierre. Trinta anos atrás, comecei a fazer música com o PHUTURE, ao lado do DJ Spank Spank e do Herb Jackson, até finalmente seguir carreira solo como DJ Pierre. As pessoas nos conhecem como os criadores de um gênero musical chamado acid house, e embora o Spanky tenha saído em turnê como Phuture 303, o grupo original já havia se dissolvido após a minha saída. No ano passado, Spanky e eu nos reunimos para reviver o PHUTURE ao vivo.

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Historicamente, Chicago foi (e ainda é) uma das cidades mais racialmente segregadas dos Estados Unidos. Levantes raciais moldaram a superfície e o clima da cidade como a conhecemos agora. Éramos uma grande cidade industrial cercada pela gritante mentalidade de discriminação que você teria visto no sul do país quando a segregação era legal. Diferentemente de outras cidades, como Nova York, onde essa mentalidade era velada e contestada, Chicago a esfregava na sua cara. "Essa é a área negra e essa é a área branca".

A cidade de Cicero era um exemplo perfeito. Há apenas algumas décadas, se você fosse negro, não poderia ir até lá. Também havia diversas áreas para as quais não poderia se mudar. Alguns subúrbios do sul da cidade "se abriram" para a presença de negros (é o único jeito que posso dizer isso), e a minha família eventualmente se mudou de Markham, um subúrbio negro bem na saída da cidade, para o University Park, um subúrbio predominantemente branco, quando eu tinha 12 anos. (A família do Spanky se mudou para o subúrbio quando ele já era um pouco mais velho, no ensino médio.)

Minha primeira experiência com o racismo foi quando eu tinha sete anos. Naquela época, mesmo as crianças mais novas caminhavam até a escola sozinhas. Eu ainda morava em Markham, e as crianças negras daquela vizinhança tinham que passar por uma escola católica de brancos para chegar até a sua escola. As crianças brancas esperavam as crianças negras passarem e nos chamavam de "crioulos", ameaçavam nos bater e fazer outras coisas que nem vou falar. Lembro de sentir a adrenalina e de me preparar para o pior - ou eu teria que brigar com algum moleque branco fortão, ou teria que correr. Lembro de estar preparado para qualquer coisa aos sete anos, e isso moldou a minha opinião na infância sobre a sociedade branca. Tive que repensar essa opinião quando fiquei mais velho e comecei a viajar pelo mundo.

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Quando me mudei para o University Park, antes um subúrbio branco, éramos os primeiros negros na área. Na escola era só meia dúzia de negros, talvez uns outros dez. Aquilo era estranho para mim, porque os professores tinham dificuldade em se ajustar à nossa presença. Um professor me disse para ficar encostado numa parede e não fazer nada enquanto esta outra criança, que era branca, me batia e ameaçava.

Essas situações eram as mais descaradas, mas também éramos expostos a outras mais sutis. Na escola, eu me destacava em matemática e ciências, mas era encorajado (e instruído) a trabalhar como carpinteiro ou mecânico de automóveis em vez de me tornar cientista ou trabalhar com eletrônica como gostaria. Meu pai, um fuzileiro naval, teve que ir muitas vezes à escola.

A música que começou tudo. "Acid Tracks", do PHUTURE, levou à criação do acid house.

Spank e eu também participamos de um levante racial no ensino médio, quando frequentávamos o Crete Monee. Os negros de Chicago eram muito engajados porque crescemos vendo os Panteras Negras e ouvindo James Brown, então não cruzávamos os braços e permitíamos que o racismo descarado ficasse impune. "Sou negro e tenho orgulho disso". Mesmo no ensino médio, você via um monte de garotos negros enfrentando um monte de garotos brancos. Meio a meio. Fomos parte disso.

A maior parte dos conselhos que meus pais me davam tinha a ver com se destacar neste mundo, independentemente do racismo que enfrentássemos. Nossos pais sabiam o que nos aguardava porque assistiram aos últimos dias de segregação brutal. Nos disseram para nos manter focados, ser duas vezes melhores e trabalhar duas vezes mais para poder alcançar o nível de sucesso reservado para a América branca. Meu pai era fuzileiro naval, então ele tinha que enfrentar o racismo nesse âmbito. Meu tio Nat era músico e viajava ao redor do mundo, tocando com Duke Ellington, então pude ver possibilidades além daquelas que as minhas experiências me mostravam na época. Sabia que essa história tinha um outro lado. Eles me encorajaram a fazer atividades criativas, como a música. Toquei em uma orquestra sinfônica e me saí muito bem. Eles me encorajaram a lutar e a me impor também. Era uma perspectiva equilibrada e muito necessária, na época, porque me ajudou a ser confiante e autoconsciente em meio a tudo que estava acontecendo.

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As mensagens presentes em nossas músicas vieram do ponto de vista militante que conhecemos enquanto crescíamos. Queríamos levar consciência às pessoas. Crescer em Chicago moldou o PHUTURE e o tom da nossa música. "Your Only Friend (Cocaine Track)" falava sobre as mortes que testemunhamos em nossa comunidade por causa das drogas. "Rise From Your Grave" diz exatamente isso. Ela diz sim, as oportunidades que os brancos têm são negadas à América negra e às minorias; eles estão morrendo por causa disso. Mas temos a opção de nos erguer, estudar e ser tão bons quanto pudermos para termos a oportunidade de usar os dons que recebemos de Deus - e somos abençoados com muitos - então, ergam-se.

Definitivamente estávamos conscientes do fato de que o nosso sucesso com o PHUTURE inspirava um grupo inteiro de artistas a fazer música de um jeito diferente. Tenho certeza de que a molecada estava receptiva às mensagens que passávamos. Sentíamos a energia. Mas ouvir isso diretamente do nosso público negro, o impacto que tivemos, isso ainda não experimentamos. Seria incrível saber que aqueles que enfrentaram as mesmas dificuldades que nós entenderam a mensagem e se ergueram.

DJ DJ Pierre mixando com fones de ouvido quebrados.

O nosso conselho para aqueles que ainda enfrentam o racismo é nunca deixar que ele te impeça de alcançar o que você quer ou convencê-lo de que você não pode fazer o que quer. Você pode ter que trabalhar um pouco mais duro, mas tudo bem. Você vai se tornar mais resistente e ser forte o suficiente para se manter de pé. Também é importante lembrar que há um vasto mundo fora dos Estados Unidos. Quando você viajar e tiver uma experiência diferente, vai descobrir que as percepções são diferentes em outros países, então nunca aceite o que o seu ambiente atual está te dizendo porque essa simplesmente não é a história toda. Nem é a verdade. Sempre acredite em si mesmo, custe o que custar, e continue no seu caminho até chegar ao topo. No final, precisamos manter uma atitude positiva o tempo todo, e perceber que nem todos os brancos são "racistas". Muitos deles marcharam, lutaram e também morreram para que pudéssemos ter direitos iguais. Tive que encarar isso quando fui exposto a um mundo maior, para além da minha experiência em Chicago.

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O racismo nunca irá desaparecer. É assim que o mundo funciona. As pessoas, na nossa geração, perderam um certo grau de humanidade e amor ao próximo. Na comunidade negra, especificamente, perdemos a autoestima e a identidade. Não sabemos muito sobre a nossa história e sobre aqueles que lutaram por nós, para que caras como eu e o Spank pudessem se mudar para um subúrbio branco.

Sempre existiram preconceitos em todas as sociedades, mas nunca houve um nível de racismo e preconceito direcionado a uma só raça, em quase todos os cantos do mundo, por um período tão prolongado de tempo. Por causa da escravidão, perdemos nossa herança, nossa cultura e nossa língua. De fato, somos a única raça a ter assimilado totalmente uma outra cultura. Com essa falta de história e um pouco mais de frieza no mundo, não podemos ter uma discussão racial apropriada. Você não pode falar de forma razoável ou com precisão sobre o assunto se desconhece a sua história, e não pode aceitar as reivindicações de um povo se é muito egocêntrico, frio e alienado daquela existência para escutar. Então como podemos ter essa discussão? Erradicar o racismo e o ódio é possível, mas será necessária uma revolução espiritual, com a ajuda de um poder superior.

DJ Pierre é membro do PHUTURE, grupo fundador do acid house, ao lado do DJ Spank Spank e do Herb J.

O PHUTURE está em turnê agora, e poderá ser visto no Bloc Festival, no Bangface e no Glastonbury Festival este ano. Você pode acompanhá-los no Facebook e no Twitter.

Tradução: Fernanda Botta