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Tecnologia

O Primeiro Apagão do Ano É Culpa do Ar-Condicionado

O aparelho refrescante é testa de ferro de problemas hídricos e estruturais que resultaram naquele que talvez não seja o único apagão de 2015.
​E se Itaipu parar, olê olê olááá... ​Crédito: IHA/Flickr

​Embora corra à boca pequena que o ar-condicionado é pivô de todas as tretas em escritórios do mundo, a culpa certa dele vem do primeiro apagão de 2015. E justiça seja feita: o uso de aparelhos de refrigeração foi mais estopim que causa de uma crise que se estende da falta de chuvas a problemas na rede elétrica no país, segundo a explicação de Edmilson Moutinho dos Santos, professor do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE). "Se eu tiver de encontrar um vilão, é o ar-condicionado", afirmou ele.

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Temperaturas veraneias assolavam o país na ​segunda-feira mais triste do ano quando — como desgraça pouca é bobagem — mais de dez estados, além do DF, tiveram ocorrências de falta de energia elétrica durante a tarde. O Operador Nacional do Sistema (ONS), órgão que controla a rede de indústrias energéticas do país, ordenou o desligamento e emitiu uma justificativa. Das linhas oficialescas da nota pode-se entender que, apesar da alegada folga na geração, uma redução na frequência energética somada a um pico de consumo causaram o apagão.

Segundo o professor Edmilson, a diferença de um hertz na repetição das ondas elétricas ocasiona um atraso na transmissão da rede, o que levaria a seu desligamento desordenado. O bicho pegou mesmo, contudo, com a alta demanda por energia elétrica. Segundo o ONS, o sudeste atingiu o índice de 51.596 megawatts, enquanto o nordeste chegou à marca de 12.166 megawatts – ambos recordes para as duas regiões. "Quando tem muita demanda a rede não é suficiente", me disse ele.

Oras, se o apagão foi durante a tarde calorenta, a culpa é de quem? "Entrou a carga nova que ninguém tinha previsto: essa difusão muito grande de ar-condicionado", explicou Edmilson. Ele está certo. Projeções da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (ABRAVA) dão que a venda de aparelhos de ar-condicionado aumentariam em 12% esse ano, seguindo os 17% do ano passado. O total aumenta com advento de modelos split e portáteis, além dos climatizadores, quem dispensam aquela zona de quebrar paredes.

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Não bastasse o calorão, as altas temperaturas também contribuem para a baixa nos reservatórios – um temor quase naturalizado no estado de São Paulo. "Estamos numa situação gravíssima porque a chuva deveria estar repondo o nível dos reservatórios e não está", me disse o professor Edmilson, alertando sobre os problemas hídricos e estruturais que colocam o ar-condicionado como bode expiatório da treta. "Estamos em situação muito análoga a 2001, quando tivemos aqueles apagões."

MOTHERBOARD: O que aconteceu ontem?

Edmilson Moutinho dos Santos: Muito calor, então tem muito ar-condicionado ligado. Muita potência demandada ao mesmo tempo. O ONS também declarou que havia perdido uma rede importante e pra evitar um desligamento caótico do sistema foi pedido que as companhias fizessem um desarmamento organizado. Eles chamam isso de corte seletivo. É o seguinte: na sala de operações dessas companhias existem telões com pontos da rede onde a coisa pode estar crítica; o operador seleciona os pontos que precisam sair fora para que não caia tudo. A essência é essa.

É como o disjuntor que a gente tem em casa?

Sim, mas em escala nacional. O disjuntor é um limitador de potência. Depende de cada país, aqui a instalação elétrica da casa já vem com a potência máxima. Quando você ultrapassa essa potência, o disjuntor desliga. Esse jeito é organizado. A casa tem os ramais e quando dá sobrecarga em algum canal, como a cozinha com muito equipamento ligado, e não dá conta. Aí desliga o disjuntor daquele ramal. Se não desligar ali, desliga lá no poste. E isso desliga todas as casas. Seria uma maneira desorganizada. Quando ele acontece por conta própria, você perde o controle. Não se sabe qual rede vai cair. Pode cair uma rede inteira de Itaipu, coisas maiores, e isso fica complicado.

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Estamos em situação muito análoga a 2001, quando tivemos aqueles apagões

Isso acontece porque a demanda é maior que a oferta de consumo?

Se você quer volume de água, você fala em litros. Se quiser água por tempo, você fala litros por segundo. Se seu cano não permite essa vazão, ele estoura. Agora imagine isso com um fio elétrico. É mais complicado, mas a rede, o fio tem de permitir que muitos elétrons passem ao mesmo tempo. Quando tem muita demanda a rede não é suficiente. E ela começa a se desligar para proteção, para que ela não desligue sozinha. Acontece uma intervenção antes.

Houve uma diferença de um hertz, segundo o relatório do ONS, na transmissão de energia elétrica. Como isso foi resultar no apagão?

Antes de desligar o disjuntor, no nosso exemplo, a onda elétrica começa a ser atrasada. Esses atrasos de fase podem desligar a rede, os equipamentos de proteção. Isso interessa ao especialista, mas para as pessoas interessa que a rede não está dando conta.

Já que essa questão da frequência não é tão levantada, quais as causas da diferença entre demanda e oferta, então?

A alta demanda significa necessidade de muita energia ao mesmo tempo. Quer dizer muita gente ligando o ar-condicionado ao mesmo tempo. E isso é um problema de rede, mas no nosso caso agrega-se o fato dos reservatórios. Estamos sem rede e sem água. Estamos sem nada! A rede pode ser nova, mas ela não está preparada para esse volume de ar-condicionado. Falta capacidade. E essa capacidade foi planejada para atender todos os chuveiros elétricos ao mesmo tempo. Agora o ar-condicionado está sendo ligado mais cedo também, superando os chuveiros elétricos. Muito calor, muito ar-condicionado. Esse é o primeiro lado da questão: entrou a carga nova que ninguém tinha previsto, essa difusão muito grande de ar-condicionado. Do ano passado pra cá, eu acredito, surgiu um equipamento portátil. Não precisa quebrar parede com ele. As pessoas estão comprando esses aparelhos e a rede não tem capacidade. Agora, isso não tem nada a ver com o problema dos reservatórios. Pode ser que tenhamos rede, mas se não tiver água, não tem energia.

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Qual a previsão que você faz a curto e longo prazo?

A coisa é mais crítica do que se imaginava. O sistema não está com capacidade para atender essa carga nova de ar-condicionado, mas as cargas velhas da indústria estão muito baixas porque o país está em recessão. O gargalo é muito maior do que a gente esperava porque se a indústria está em recessão e o sistema não deu conta de uma carga nova, no ano que em, quando a gente começar a sair da recessão, a eletricidade será uma barreira. Ela não vai dar conta nem da indústria nem dessa nova carga.

A energia vai passar a ser um limitante do crescimento.

Sim. Isso é muito grave. A energia não pode ser limitante.

O que poderia ser feito para sanar esse problema?

Não há soluções milagrosas para nenhum dos problemas. No caso da potência gerada é torcer para que o verão esteja chegando ao final para abaixar essa demanda nova. Não dá para convencer as pessoas a desligarem o ar-condicionado. Vai continuar esse joguinho de esconder o problema com frases bonitas, isso é política. E no outro lado estamos numa situação gravíssima porque a chuva deveria estar repondo o nível dos reservatórios e não está. Vamos sair do verão com esses níveis baixos e depois teremos mais oito meses para enfrentar períodos com baixo índice de chuvas. Eu diria que, se bobear, a gente não escapa de um racionamento parecido com o de 2001, mas o pessoal ainda tem coragem de falar essas coisas.

O sistema não está com capacidade para atender essa carga nova de ar-condicionado

Podemos ver mais apagões?

Depende do clima. Se continuar assim, o ONS continuará a fazer isso e é bom que o faça porque um desarme do sistema elétrico é um caos total, perde-se o controle. Mais grave que isso seria um apagão de energia. Chegar em março e descobrir que não tem energia para os próximos oito meses. E isso não seria questão de rede. Vão faltar elétrons pra por nas redes. Estamos em situação muito análoga a 2001 quando tivemos aqueles apagões. É verdade que tem mais hidrelétricas por aí, mais opções, mas elas estão operando no talo. Elas não estão dando conta de operar com seus reservatórios. O governo terá de adotar uma política de redução de consumo. Talvez o que amenize isso é a desgraça do fato de o país estar em recessão. Isso vai continuar alguns meses, é inevitável. É um efeito colateral. O único positivo.