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Música

Cuidado com a Cuca que o fado te pega

Cuca Roseta, a fadista que nunca se imaginou fadista.

Nunca se imaginou fadista, mas, e desculpem lá o cliché, o fado escolheu-a, estava no seu destino — palavra essa que descreve tão bem o percurso da Cuca Roseta: uma voz que me encanta, que me emociona e que me inspira. Nada faria adivinhar que Maria Isabel Rebelo Couto da Cruz Roseta, o nome civil — ou os seis nomes civis — da menina que cresceu em São João do Estoril, seguiria a auto-estrada do fado, mas algo mais forte puxou-a para cantar a “conversa do sentimento”, como a própria define o que faz. Tinha 18 anos quando foi, pela primeira vez, a uma casa de fados e, se até então o fado não a seduzia, apaixonou-se completamente. “Estava sempre a escrever sobre a vida, sobre o comportamento humano e ali encontrei um refúgio, lugar de inspiração.”

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Estudou Direito, Psicologia e Marketing. Cantava, mas não achava que poderia seguir uma carreira — na altura era

back vocal

dos Toranja (aqueles tipos que se fartaram de vender discos há dez anos), mas isso não a preenchia e ficava sempre um vazio. Começou a frequentar as casas de fado muito pelo seu lado emocional e um dia resolveu ir a um concurso de fados no Porto. “Aprendi um fado de propósito porque nunca tinha começado a cantar fado e, quando cantei, lembro-me de estar com o Tiago Bettencourt, que era o meu melhor amigo, e de lhe dizer: ‘Esta música é diferente de tudo porque o fado não é uma música para mostrar a voz, mas para contar uma história’”, disse. “E foi mesmo amor à primeira vista.”

A partir daí, saiu dos Toranja e dedicou-se inteiramente ao fado, a desbravar o seu universo, a aprender tudo o que fosse possível. “O fado é totalmente espiritual e nasci num sítio em que pude desenvolver muito esse meu lado. Costumo dizer que o fado escolheu-me, porque não era de um bairro típico e acabei por apaixonar-me por este género. Hoje sinto que nasci para ser fadista.” A cantora sofreu (e ainda sofre) alguns preconceitos e estigmas no meio fadista, mas pelos vistos o país recebeu a sua música de braços abertos. “Costumo dizer que visto a camisola pelo fado, visto a camisola por Alfama. Já lá trabalho há oito anos. O Clube de Fado foi a minha faculdade do fado, onde descobri que este era o meu caminho, algo de que me demorei a aperceber. Hoje em dia, tenho a certeza absoluta, porque toda a minha personalidade é óbvia de mais para uma fadista, sou fatalista, sou patriota, dou muito espaço aos sentimentos, às emoções, vivo muito intensamente. No fado, mal a pessoa começa a cantar já está num momento íntimo e é por isso que se diz que o fado precisa de silêncio para chamar as pessoas a esta conversa de sentimento que nunca é um momento superficial.”

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O encontro com Gustavo Santaolalla (músico, produtor e vencedor de dois Óscares) marcou a vida da fadista e culminou no seu álbum de estreia homónimo, em 2011,

Cuca Roseta

. “Ouviu-me a cantar no Clube de Fado e chegou ao pé de mim com lágrimas nos olhos. Eu nem sabia quem ele era, agarrou-me nas mãos e disse-me: ‘Tu és uma estrela mundial.’ Fiquei surpreendida e mais tarde é que vim a saber quem ele era. Disse-me que queria trabalhar comigo, os dias foram passando, já tinha recebido outras propostas, mas a dele era irrecusável, não só por ele ser quem era, mas porque foi o primeiro que senti que estava apaixonado pela minha música e que não me via só como um produto. Quando comecei a trabalhar com ele, percebi que tinha espaço para fazer do fado a minha vida e comecei a ser quem era.”

A Cuca considera-se uma sortuda por se ter estreado pelas mãos de um gajo como o Santaolalla. “Tive uma sorte incrível, normalmente os artistas gravam com um produtor destes quando já têm uma carreira sólida. Ele disse-me: ‘Preciso de lançar a tua voz ao mundo, de dar o teu coração às pessoas.’ Mas sinto que ainda preciso de crescer, evoluir, aprender, trabalhar muito e manter sempre a humildade. Tenho a responsabilidade de levar Portugal pelo mundo e com as minhas músicas criar momentos felizes.”

No primeiro álbum, a cantora assina três letras e numa delas é também autora da música (“Nos Teus Braços”). “É interpretada de diferentes formas. A música fala de duas almas gémeas, é como se uma fosse a continuação da outra, como se fossem feitos um para o outro — na altura, foi inspirada numa pessoa. As próprias músicas vão sofrendo mutações, é muito interessante como a poesia vai evoluindo dentro de nós, dentro da nossa história e dentro da nossa alma.” O segundo disco,

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Raiz

, foi lançado no passado mês de Maio no claustro do Museu dos Jerónimos, tem 14 temas quase todos escritos e compostos por ela.

“Foi algo inesperado, na altura em que comecei a trabalhar neste disco, pensei que iria tentar fazer duas ou três músicas novas. Mas comecei a ter uma explosão de inspiração para escrever e para compor. Foi mesmo um momento de euforia, à medida que iam surgindo as letras e os fados. Não parava de ter ideias e quando dei por mim, tinha 40 músicas. Dessas escolhi 14 e foram as que eu e as pessoas mais gostaram. A maioria era da minha autoria, à excepção de duas, uma com letra de Florbela Espanca e outra com letra do José Avillez e música do Tozé Brito. O José era meu amigo de juventude — na altura ele escrevia muito bem poesia e sabia que eu cantava, pedi-lhe uma letra e guardei-a, fiz o meu curso e nunca mais nos vimos. Um dia reencontrei-o no seu restaurante, Cantinho do Avillez, e lembrou-se dessa letra, cheguei a casa e fui procurá-la — era ideal para ser o tema de fecho do meu álbum. É sobre a morte de Cristo e acho-a fenomenal. O Tozé musicou-a e funcionou na perfeição. Neste trabalho, comecei a ter vontade de contar a história da minha vida, então comecei a buscar todas as histórias e todos os sentimentos de que queria falar, por isso fui dando títulos aos fados de sentimentos e de emoções que queria transmitir, enquanto Cuca Roseta, ao fado. Dei o nome

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Raiz

, porque fui à minha raiz e nela descobri que era também a raiz do fado. O facto de todas as músicas chamarem-se fado foi propositado, como uma homenagem ao fado tradicional.” Recentemente, cantou com Julio Iglesias e “essa experiência foi um momento alto e único”.

“Saudades do Brasil em Portugal”, da autoria de Vinicius de Moraes e um dos temas interpretados por Cuca no seu primeiro disco, retrata bem o seu sentimento pelo chamado país irmão. “O Brasil, para mim, é realmente especial, sempre foi. Adoro a música brasileira desde a bossa-nova até ao samba. O encontro com Vanessa da Mata na Venezuela foi como um encontro entre Brasil e Portugal, entre a guitarra do fado e a viola dela — foi arrepiante. Então com o Djavan não tenho palavras, cantei com ele a “Meu Bem-querer”, que é uma música muito especial na minha vida, eu estava a cantar e só percebi que estava a cantar com ele quando ele entrou.”

A carreira de Cuca, apesar de curta, é rica e diversificada, tendo até gravado na Holanda um dueto com Lange Frans onde mistura rap com fado, participou num dos temas do novo álbum de Karl Jenkins,

Adiemus Colores

, e no filme

Fados

(2007) de Carlos Saura. “Foram experiências incríveis, acho que o fado e o rap, apesar de terem formas muito diferentes, têm muito em comum, falamos de uma forma crua sobre os sentimentos, existe uma atitude e um sentimento de luta que ambos os estilos musicais têm. No disco de Karl Jenkins cantei uma música dele em fado, ele escreveu uma letra para mim com uma linguagem própria criada por ele e o que fica é o sentimento.”

Além do fado, que está sempre omnipresente, a fadista tem várias artes que fazem parte da sua vida. “Uma é o taekwondo, sou cinturão negro e pratico há sete anos, é uma arte marcial que tem o seu lado de defesa e de ataque, mas toda uma filosofia e valores com os quais me identifico. Depois, a pintura é um momento em que a minha mente descansa. Em casa, ponho música e fico a pintar, a assimilar as experiências que vivi. Também gosto muito de tocar piano, sou capaz de tocar durante horas e a meditação que pratico sempre na praia quer seja Verão quer seja Inverno. Sou uma pessoa muito sensível e se não tenho esses momentos de paragem fica tudo muito confuso, são essenciais para que seja uma pessoa equilibrada e para que possa fazer o meu trabalho bem feito."

O destino, que faz parte do fado e, sem sombra de dúvidas, da vida da Cuca é algo em que acredita porque “nós viemos à Terra com um dom, são-nos dadas oportunidades que não escolhemos, nós não escolhemos os nossos pais, os nossos irmãos há muita coisa que não escolhemos” e cabe a cada pessoa “estar ciente do seu dom, não se deixar distrair para não perder as oportunidades que o destino lhe dá”, mas as pessoas “fazem escolhas que são certas e outras que são erradas e assim mudam a direcção, basta perder uma oportunidade para jamais chegarmos onde queríamos chegar, por isso é preciso estar atento e perceber o que se está aqui a fazer, por onde vamos caminhar e onde esse caminho nos vai levar”.