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A Cidade no Fundo do Poço: no Peru, Buraco Gigante Está Engolindo Cerro de Pasco

A catástrofe ambiental e urbana que é a cidade mineradora de Cerro de Pasco.

Visão panorâmica do poço no meio de Cerro de Pasco, Peru. Todas as fotos por Arthur Holland Michel. 

Quando chegamos a Cerro de Pasco, uma cidade de tamanho médio no alto da serra peruana, já era noite. Avançamos através de multidão, virando numa rua depois de uma estátua de Daniel Carrión, um lendário estudante de medicina, que fica ali com uma seringa na mão, se injetando com a doença que seria batizada com seu nome. No quarteirão colonial, topamos abruptamente com um muro, onde pichações e as palavras “propriedade privada” dividem espaço. Eu pude sentir um grande vazio do outro lado, como quando você está perto do mar mas não pode vê-lo.

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Subi numa pedra e espiei do outro lado. À distância, a cidade brilhava. Mergulhando à minha frente, um vácuo de luz com alguns pontos brilhantes, os faróis dos caminhões se arrastando pelas estradas nas laterais. Isso é El Tajo: o poço.

Na cosmologia andina, Pachamama é a Mãe Terra, e essa enorme mina de vários metais é o local de uma penetração literal. O buraco tem quase dois quilômetros de largura e a profundidade de um Empire State Building. Dia e noite, as máquinas de moer pedra produzem um zumbido mecânico baixo, que é amplificado tremendamente pelo formato de alto-falante do poço. É o som de uma cidade sendo comida viva.

Foto do autor.

Cerro de Pasco é uma catástrofe ambiental e urbana. Aberto em 1956, o poço fica bem no meio da cidade. Enquanto ele cresce, milhares de famílias têm que se mudar para bairros não planejados, a maioria sem saneamento básico. Agora, a cidade está ficando sem espaço. Em 2008, o Peru aprovou a lei nº. 29293, ordenando o reassentamento da população de 67 mil pessoas. Mas a lei passou em branco.

“Imagino que, em países desenvolvidos, esse tipo de coisa não existe”, disse Jhames Romero, um mecânico que cuida das máquinas da mina.

O poço não cresce há dois anos, mas nos últimos tempos a Volcan, a companhia atualmente no comando, voltou a comprar casas em torno dele e começou a pintá-las de verde fluorescente. Enquanto mais e mais da cidade – incluindo o que restou do quarteirão colonial – muda de cor, todo mundo se pergunta o que vai acontecer agora, e ninguém com quem falei pareceu muito otimista.

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Cerro de Pasco sempre foi uma cidade mineradora. Os espanhóis acharam prata aqui em 1630; nos séculos 17, 18 e 19, a localidade se tornou uma importante fonte de receita colonial. Em 1902, a US Cerro de Pasco Corporation comprou as várias minas menores com dinheiro da J.P. Morgan, Henry Clay Frick, Hearsts e Vanderbilts – entre outros barões da Era Dourada –, consolidando a maior parte da atividade mineira sob uma única empresa. Quando a companhia abriu o poço, ela optou por não mover a população, que vivia diretamente sobre as minas e tinha crescido significantemente durante a primeira metade do século 20.

O subúrbio de Carhuamaca (com parquinho, escola fundamental e tudo mais) fica no sopé de uma montanha de resíduos tóxicos. 

Cerro de Pasco sempre foi um lugar infeliz para se chamar de lar. Em 1831, um visitante chamado Alexander Cruckshanks escreveu que a cidade parecia “como se alguém tivesse passado uma tinta neutra por cima da paisagem”. Ele acrescentou: “As casas são pequenas e escuras, e as pessoas são esquálidas e miseráveis”.

Moradores orgulhosos insistem que o lugar é uma terra de fortes, não de muitos. O lugar é frio. A 4.200 metros do nível do mar, essa é uma das cidades mais altas do mundo (a água em Cerro ferve a 85º Celsius). Os efeitos físicos da altitude são similares aos de uma ressaca forte. Por causa da mina, esse é um dos lugares menos saudáveis para se viver no mundo inteiro.

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“A poluição em Cerro de Pasco é absoluta”, explicou Zenón Aira Díaz, 70 anos, morador de longa data de Cerro de Pasco e historiador. Um estudo de 2007 sobre controle e prevenção de doenças relatou que mais de 60% das amostras de solo das casas em Cerro e nas cidades ao redor têm mais de 1.200 partes por milhão de chumbo – três vezes mais do que a Agência de Proteção Ambiental dos EUA considera seguro para crianças. Uma amostra de solo de uma trilha muito usada bateu 20 mil partes por milhões.

Muito da poluição vem dos resíduos (produzidos por esse tipo de mineração, são uma mistura de metais pesados feita de pedras e terra) que formam enormes (e coloridas) colinas artificiais em torno da cidade. Quando deixados a céu aberto, eles vazam poluidores como cádmio, mercúrio e arsênico. Uma pilha de resíduos fica bem ao lado do hospital, e outra cerca todo o subúrbio de Carhuamaca, se erguendo por cima das casas, da escola infantil e de um parquinho dilapidado. Quando um carro ou rebanho passa e levanta poeira, você consegue sentir o gosto do metal. Nos anos 20, a empresa de mineração começou a lançar os resíduos nos lagos próximos, que continuam sem tratamento até hoje, vazando poluentes no céu acima e no aquífero abaixo.

O hospital de Cerro de Pasco fica em frente a um monte de resíduos tóxicos. Foto por Maxim Holland. 

Em maio de 2012, o governo peruano declarou a área ao redor dos lagos de resíduos em estado de emergência ambiental e destinou US$ 20 milhões em programas de saúde para reduzir o envenenamento por chumbo, que é comum aqui, principalmente entre crianças. Até hoje, esse dinheiro ainda não foi gasto com saúde.

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“É como dizer para alguém 'Você tem tuberculose' e mandar a pessoa embora”, afirmou Denis Cristóbal, obstetra de 29 anos e prefeita da cidade próxima ao Quiulacocha, um dos lagos envenenados. Enquanto o filho dormia em seu colo, ela me contou que as crianças da região apresentam altas taxas de cirrose e atrasos no desenvolvimento. Estávamos a cinco minutos de caminhada do lago, que ela chama de “ex-lago Quiulacocha”.

Passando pela água, vi que ela era roxa. Parei o carro para ter certeza de que não estava alucinando. “É isso que chamamos de progresso”, lamentou minha colega de viagem Elizabeth Lino, escritora, artista, ativista e autoproclamada Última Rainha de Cerro de Pasco, onde ela nasceu. A campanha irônica dela para declarar o poço um patrimônio cultural ganhou admiração e notoriedade no Peru.

“A situação em Cerro de Pasco não me deixa triste. Isso me deixa revoltada”, me disse Lino, enquanto compartilhávamos um frasco de pisco no caminho para Lima. “Não há solução. O buraco não vai voltar a ser um pedaço de terra, e esse lago de resíduos não vai voltar a ser um lago natural.”

Uma parte densamente povoada da cidade cerca um lago contaminado pelos resíduos de mineração. 

Na entrada da enorme base da Volcan, um outdoor gigante dizia: “Segurança não é negociável. Nem a sua vida”. Mas em comunidades pequenas como Quiulacocha, a empresa negocia a locação de terrenos com coletivos de proprietários rurais, ignorando oficiais eleitos como Cristóbal. “Não somos respeitados nos processos participativos”, ela explicou. (A companhia se recusou a falar comigo, assim como os mineiros, que andam mal-humorados pelas ruas em seus uniformes laranjas. Quando visitamos o acampamento da mina, fomos seguidos por uma caminhonete prata sem identificação.)

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Enquanto isso, o Estado e os governos nacionais vêm fracassando na regulamentação da extração de recursos. “As companhias mineradoras e o governo são amantes”, frisou Calmex Ramos, engenheiro ambiental e ativista. As municipalidades constroem estádios luxuosos e propõem coisas como “um monumento ao pisco sour”. (Lino chama isso de malversiones, que significa “maus investimentos”.) Mas falham projetos como o reassentamento ou o ambicioso porém mal gerenciado sistema de tratamento de água de US$ 45 milhões. A corrupção continua sendo um problema sério. Em maio, o governador de Pasco foi preso depois que seus assessores foram gravados recebendo uma propina de US$ 100 mil por um contrato de serviço público.

Então a mina não para. Depois de 400 anos, seria difícil imaginar a vida sem o poço. Romero, o mecânico, frisou que fica chocado com a degradação ambiental, mas que ele e seus vizinhos ganham US$ 500 por mês trabalhando na mina, muito mais do que receberiam numa fazenda de gado. Há monumentos a mineiros por toda parte, e, na loja de lembrancinhas da cidade, tudo de uma forma ou de outra é relacionado à mina (exceto talvez uma formação rochosa próxima que parece uma lhama).

Mas esse orgulho é tingido de desgraça. “O que espero para o futuro? Absolutamente nada”, me disse Pablo Melgarejo, um professor universitário que conheci num festival num dos estádios municipais. Perguntei o que ele sentia quando via o poço. “É como um desastre. Eu penso: 'Caramba, onde vamos parar? Isso está nos devorando, onde vamos acabar?'”

Na manhã em que fomos embora, o poço estava coberto por uma grossa nuvem cinza. Na estrada para fora da cidade, alguém tinha pichado em grandes letras pretas, em espanhol: “Vida longa à merda de Cerro de Pasco”.

Tradução: Marina Schnoor