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​Relembrando a Magia de Terry Pratchett

O tempo vai continuar avaliando seus méritos literários; então, só nos resta escolher alguns dos momentos mais interessantes, incomuns e divertidos de sua vida.

Quando foi nomeado cavaleiro por sua contribuição à literatura, Terry Pratchett disse suspeitar que sua contribuição era "se abster de escrever" mais livros. Ele estava sendo jocoso, claro, mas seu comentário não poderia estar mais longe da verdade; em seus assuntos, os livros de Pratchett sempre pareceram preocupações marginais, mas seu sucesso enorme o colocou no centro do gosto público.

Nunca houve um filme de Hollywood sobre nenhuma de suas histórias; e, mesmo lançando dois livros por ano, não produziu um best-seller totêmico no qual pudessem pendurar sua reputação. Então, de um jeito engraçado, só quando sua morte foi anunciada ontem ficou evidente a cratera que ele deixou na vida de seus leitores.

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O tempo vai continuar avaliando seus méritos literários; então, só nos resta escolher alguns dos momentos mais interessantes, incomuns e divertidos de sua vida.

SUA MÃE PAGAVA PARA ELE LER

Um centavo por página. Quando era criança, ele não dava a mínima para livros, preferindo espaços abertos e mexer em máquinas. Até que, um dia, ele leu O Vento nos Salgueiros, e o livro cravou os dentes nos lugares certos. Ele repassou a biblioteca de Beaconsfield até descobrir uma livraria pornográfica, que também vendia uma pequena quantidade de ficção científica hardcore. E, então, ele veio a se tornar um dos mais amados autores britânicos de todos os tempos, sugerindo que ele acabou gostando dessa coisa de literatura.

PRATCHETT FOI ROWLING ANTES DE ROWLING

No seu ponto mais alto, Pratchett vendia 3 milhões de livros por ano. Antes de J.K. Rowling, ele estava a caminho de se tornar o autor britânico mais vendido dos anos 90. Ele escrevia dois livros por ano. Escreveu mais de 40 livros Discworld. Teve mais de 80 milhões de cópias vendidas no total. Em 1997, as livrarias inglesas estimavam que 6,5% de seus negócios eram vendas de romances de Terry Pratchett. Mesmo quem nunca leu um livro dele, conhece o nome.

NINGUÉM TEM NADA DE RUIM A DIZER SOBRE ELE

Honestamente, a gente diria se soubesse de alguma coisa, mas só podemos concluir que o velho mago sorridente era um cara legal pacas. Logo no começo, ele fez seu nome dando discursos simpáticos para fãs em conferências e parecia realmente gostar de encontrá-los. Suas sessões de autógrafos eram lendárias. Ontem, no Twitter, um fã lembrou de vê-lo autografando cada um dos 40 volumes da "coleção completa" de Discworld de outro leitor. Alguns brincam que um livro não assinado de Pratchett vale mais que um autografado.

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SEU PRIMEIRO LIVRO COMEÇOU COMO UMA COLUNA INFANTIL DE JORNAL

O primeiro trabalho propriamente dito de Pratchett foi como jornalista no Bucks Free Press, em High Wycombe. Foi lá que ele pegou o trabalho mais baixo do escalão: compilar a seção infantil, que incluía uma lista de aniversário de crianças e uma coluna de conto. Pratchett escrevia os contos: transformou a coluna numa série, e essa série num livro; depois, vendeu o livro como The Carpet People. Um pouco como Os Pequeninos, The Carpet People mostra pessoas pequeninas que moram no chão de uma casa. Depois que seu vilarejo é destruído, elas precisam cruzar o mundo do tapete em busca de um novo lar.

ELE NÃO LARGOU SEU TRABALHO NORMAL ATÉ O QUARTO LIVRO

"Jornalismo local é jornalismo", ele afirmou ao Guardian. "Se você fizer algo errado, eles sabem onde você mora. Você vê e faz mais coisas do que veria ou faria num jornal mainstream. Vi meu primeiro cadáver no meu primeiro dia de trabalho."

Depois do Bucks Free Press, ele foi para o Western Daily Mail. E, em 1973, ele pularia a cerca para ser um homem das Relações Públicas para uma indústria de energia nuclear – um teste pesado para seus poderes criativos. Só quando ele comprou uma casa para a mãe, ela finalmente parou de infernizá-lo para continuar no emprego e "ter onde cair morto".

ELE LEU QUASE TODA CÓPIA DE PUNCH QUE EXISTIU

Apesar de a revista ter fechado em 1992, ainda são 150 anos de publicações. "Eu não via apenas o humor e os cartuns. Eu lia as outras coisas, o que me ajudava a pegar muito do vocabulário vitoriano, o que se tornou útil", ele explicou uma vez, creditando a revista por moldar sua visão satírica particularmente excêntrica do mundo.

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Quando garoto, a Revista Mad e a Private Eye tiveram uma influência maior. E ele também era fã da 1066 and All That, de W. C. Sellar e das histórias deliberadamente leves da Inglaterra de R. J. Yeatman.

ELE SE PREOCUPAVA UM POUCO EM SER "O CARA DO DIREITO DE MORRER"

Recentemente, ele vinha fazendo campanha pela conscientização sobre morte assistida, mas o pensamento de que isso pudesse ofuscar seus livros na mente do público o perturbava. Ao mesmo tempo, ele era fortemente comprometido em mudar a lei. Ele chegou a ter a foto de um colega ativista, o falecido Tony Nicklinson, em sua mesa. "Coloquei a foto dele ali, porque não quero que esse cara seja esquecido", ele frisou. "Ele foi muito claro sobre o que queria, e vocês não podem me dizer que dois médicos o ajudando a dormir constitui assassinato."

Ele também fez um programa de TV em que um homem se matava na associação Dignitas, diante das câmeras da BBC, um dos momentos mais impressionantes da televisão na década passada.

ELE QUERIA FAZER LIVROS FALADOS

Em 2010, Pratchett já não conseguia digitar com eficiência; então, instalou seis telas em seu escritório e usava o Dragon Dictate para continuar através de um software de reconhecimento de voz, além de ter um assistente humano que o ajudava com a revisão. Seu editor reconheceu que isso tinha mudado seu estilo de escrita, principalmente por causa da dificuldade com a revisão. Em vez de recuar, Pratchett achou que o novo jeito era mais natural. "Se tudo isso voltar, provavelmente vou ficar com a fala", ele disse. "Porque somos macacos. Nós tagarelamos. É fácil de fazer. É mutável."

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ELE ERA O EXATO OPOSTO DE DOUGLAS ADAMS

Mesmo que Adams operasse num universo satírico paralelo similar, o autor do Guia do Mochileiro das Galáxias era o pior para escrever. Às vezes, os editores tinham de trancá-lo num quarto de hotel quando o prazo começava a apertar, o único jeito de fazê-lo parar de procrastinar.

Pratchett, por outro lado, não conseguia parar as palavras. Depois que largou seu trabalho em período integral, ele costumava ficar entediado, porque tinha feito todo o trabalho no período da manhã e ainda tinha o dia inteiro pela frente. Mais tarde, ele começou a trabalhar às 10h e a tirar algumas horas de folga no meio da tarde para, depois, retornar ao trabalho até quase meia-noite. O ritmo de sua escrita diminuiu um pouco no começo dos anos 2000, quando seus romances se tornaram mais ponderados e menos guiados pelo humor. Quando tirava suas férias anuais na Austrália, ele se gabava de escrever ainda mais, levantando com o sol e digitando milhares de palavras antes do café da manhã.

ELE ESCREVIA SEM NENHUM PLANO

Ele comparava escrever a entalhar madeira: "Você começa cortando a fôrma que quer. Mas descobre, se faz isso do jeito certo, que a madeira tem um grão em si. Se você é sensível, você trabalha com o grão; se cruza com um furo, você incorpora isso ao design."

SUA FILHA ESCREVE HISTÓRIAS PARA VIDEOGAMES

Rhianna Pratchett escreveu roteiros para o reboot de Tomb Raider e Overlord. Ela também foi corroteirista de The Watch, série Discworld para a BBC. Ainda não se sabe se ela vai ficar com o papel de diretora criativa da série Discworld.

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ELE RECUSOU MAIS DINHEIRO QUE O PIB DE BURUNDI

Ele fez 15 peças, nove adaptações para rádio e sete programas de TV de seus livros. Mas, por mais que Hollywood implorasse – e, por uma propriedade que só fica atrás de Rowling, com certeza eles imploraram MUITO –, o escritor nunca deu bola. Ele exigia controle criativo total sobre tudo que tivesse sua marca, e, por isso, os homens do dinheiro de LA nunca conseguiram fechar negócio com ele.

ELE EXPERIMENTOU TRATAMENTOS ALTERNATIVOS PARA SEU ALZHEIMER

Incluindo um capacete que mandava raios de luz numa certa frequência para seu crânio. Mas ele era um tanto cético quanto aos seus poderes. "Mas isso se tornou uma espécie de totem – um ato de fé de que a doença pode ser controlada; se não por isso, então por algum outro desenvolvimento", ele destacou.

ELE TEVE MUITO TEMPO PARA PLANEJAR SEU FIM, O QUE DEU PARA PERCEBER

Sua morte foi anunciada no Twitter com três mensagens. "FINALMENTE, SIR TERRY, DEVEMOS CAMINHAR JUNTOS." / "Terry tomou o braço da Morte e irá seguir através das portas até o deserto negro sob a noite infinita." / "Fim."

ELE ACREDITAVA QUE A MORTE NÃO É 100% O FIM

Humanista de carteirinha, Pratchett era contra a ideia de qualquer pós-vida, embora ele tenha encantado uma entrevistadora do Telegraph cantando um dos hinos mais sombrios de seu hinário: "Over the world there are small brown babies / Fathers and mothers and babies dear / They do not know the love of Jesus / No one to tell them that he is near…" ("No mundo existem pequenos bebês marrons / Pais e mães e bebês, querida / Eles não conhecem o amor de Jesus / Não há ninguém para contar-lhes que ele está perto…".)

Seu ponto de vista sobre o que acontecia depois era simples: "Ninguém está realmente morto até que as ondas que causou no mundo morram também", ele escreveu em O Senhor da Foice, de 1991. E é seguro apostar que ele vai continuar ondulando por muito tempo ainda.

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Tradução: Marina Schnoor