Relatos de medo e perseguição vividos pelos secundaristas no último ato em SP
Foto: Jardiel Carvalho/ R.U.A Foto Coletivo

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Relatos de medo e perseguição vividos pelos secundaristas no último ato em SP

Quem protestou contra o projeto de lei Escola sem Partido sofreu repressão policial. Com quem protestou a favor no mesmo dia, nada aconteceu.

Na última quinta (11), em pleno dia dos estudantes, os secundaristas da cidade de São Paulo foram às ruas para protestar contra o Escola Sem Partido, o tal projeto de lei que alega visar exterminar a "doutrinação política e ideológica" nas escolas. O que começou pacificamente na Praça Roosevelt, região central da cidade, terminou em caos. Sem explicações, jovens foram arrastados pela Polícia Militar, detidos (ao menos 11) e alvejados com tiros de bala de borracha e bombas de gás lacrimogêneo. No mesmo dia, entretanto, integrantes do grupo Juntos Pelo Brasil, que apoiam o muito criticado Escola sem Partido, realizaram um protesto em frente ao colégio Bandeirantes, na Vila Mariana, e não sofreram nenhuma repressão policial – mesmo atrapalhando as aulas.

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Na véspera de completar 16 anos, A.C., estudante da Escola Estadual Fernão Dias Paes, localizada no bairro de Pinheiros, voltou pra casa com um ferimento na coxa. "Olhei pro lado e vi um PM com uma arma de bala de borracha. E ele estava olhando pra mim", relembra depois de ter percebido que havia sido atingida. "Quando levei o tiro, vi que não devia mais ficar ali."

Foto: Jardiel Carvalho/ R.U.A Foto Coletivo

Já Lucy, 18, da Escola Estadual Professor Andronico de Mello, no Jardim Colombo, zona sul, foi detida por sete horas. "O delegado enrolou a gente o máximo possível. Fomos liberados sem justificativa. Não conseguiram nos incriminar", detalha. A jovem reitera uma informação de que duas estudantes menores de idade que estavam sem documentos foram encaminhadas para a Fundação Casa. A VICE entrou em contato com a assessoria de imprensa do centro socioeducativo, mas não obteve respostas até a publicação desta reportagem. O mesmo aconteceu com a PM, que foi questionada sobre os motivos que a levou a reprimir os estudantes e até então não se pronunciou.

Sem as justificativas dos órgãos oficiais, muitas perguntas pairam no ar. Abaixo, você lê os relatos que os estudantes deram à VICE.

Lucy, 18, estudante da Escola Estadual Professor Andronico de Mello, localizada no Jardim Colombo, zona sul de São Paulo

"Depois que rolou a repressão na Rua da Consolação, o ato foi pra Avenida Paulista. Tentei fugir da polícia andando entre os carros. Perto do metrô Brigadeiro, vários PMs desceram de uma viatura e vieram correndo pra cima da gente. Onze secundaristas foram detidos e levados pro 4º DP. Inclusive eu. Lá, ficamos esperando. Das 18h até umas 20h, nada aconteceu. Até que chegou um informe de que a delegacia só funcionava até as 22h e precisaríamos ir pra outra delegacia. Entramos no micro ônibus da polícia e fomos levados para o 78º DP. Ficamos das 22h até as 3h da manhã sem resposta. O delegado enrolou a gente o máximo possível. Fomos liberados sem justificativa. Não conseguiram nos incriminar. Os policiais estavam sem identificação e não deram nenhuma palavra sobre o que estava acontecendo.

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Duas meninas que eram menores de idade e estavam sem documentos foram levadas pra Fundação Casa. Depois que houve a identificação, parece que uma delas tentou fugir, mas não conseguiu."

Estudantes sendo detidos. Foto: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo

G.A., 14, estudante da Escola Estadual Amélia Kerr Nogueira, localizada no bairro Chácara Azul, em Itapecerica da Serra

"Cheguei antes da primeira repressão, quando três pessoas foram detidas. Vi que a polícia agiu com truculência. Fui pra a delegacia pra ver quem estava detido. No Cemitério da Consolação, a PM fechou a gente. A Tropa de Choque saiu de uma rua ao lado do cemitério. Fomos pro outro lado. Fizemos uma fila indiana durante a primeira bomba e tentamos sair pelo cordão policial. Mas um PM apontou a arma de bala de borracha pra gente e disse: "Se passar, eu vou atirar". Nisso, todo mundo se muquiou um em cima do outro encostado na parede do cemitério. Eles estavam jogando bombas lá. Quando conseguimos correr, uma amiga que estava grávida disse que não conseguia seguir em frente. Por causa das bombas de gás lacrimogêneo, eu não conseguia ver nada. A minha sorte é que um menino estava com soro fisiológico e jogou na minha cara. Peguei a menina e consegui ajuda-la. Fomos para uma rua paralela e pegamos cápsulas de gás lacrimogêneo no chão pra servir como prova. Pelo que sei, quatro pessoas levaram tiros de borracha na perna."

Foto: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo

A. C., 16, estudante da Escola Estadual Fernão Dias Paes, do bairro de Pinheiros, zona oeste de São Paulo

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"Eu estava na manifestação com um amigo meu. Fomos pegar água num bar. Quando voltamos, vi um tumulto. Acho que tinha uns quatro PMs no centro da Praça Roosevelt pegando alguém – depois vi que era um cara. Começaram a arrastá-lo, pegando-o pela perna e pelo braço. Fiquei olhando de longe e a galera começou a ficar assustada. Do nada, eles soltaram alguma coisa que acho que era uma bomba. Não tenho certeza. Começou a sair uma fumaça. Levei o maior susto e fiquei com medo. Todo mundo pensou em ir embora. Depois, vi os PMs arrastando mais dois secundaristas. Eles estavam muito agressivos, muito truculentos. Percebi que a galera ficou bem apreensiva. O ato estava pacífico, não tinha ninguém afrontando os policiais. Do nada, todo mundo começou a ficar muito nervoso. Não lembro de muita coisa por causa do nervosismo. Começou a repressão e o pessoal começou a correr. A polícia jogou bombas, muitas bombas. Eu fiquei parada, analisando a situação, decidindo pra onde eu ia. Nisso, levei um tiro de bala de borracha na perna. Foi muito rápido. Pegou na minha coxa. Foi certeiro. Ardeu muito. Olhei pro lado e vi um PM com uma arma de bala de borracha e ele estava olhando pra mim. Corri pruma rua e vi que tinha um calombo na minha perna. Abaixei as calças e um socorrista fez um curativo. Ainda não falei pra minha mãe, mas pretendo. Ela não gosta da PM. Tenho medo dela fazer algo contra isso. Quando levei o tiro, vi que não devia mais ficar ali.

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Sei que estudantes ficaram detidos e só saíram hoje de madrugada. A maioria era secundarista e menor de idade."

Estudante detido dentro de viatura da PM. Foto: Jardiel Carvalho/R.U.A Foto Coletivo

N.P., 17, estudante da Escola Estadual Amador e Catharina Saporito Augusto, do bairro do Campo Limpo, zona sul de São Paulo

"Na parte da manhã, eu e meus amigos participamos de outra manifestação dos estudantes. Quando chegamos no ato da Roosevelt, ficamos um pouco afastados. O clima estava tenso por causa dos policiais, mas estava tudo normal. Até que eles vieram pra cima da gente de forma bem violenta e detiveram uns três secundaristas. Teve bastante bala de borracha e muita gente se machucou, mas não vimos exatamente o que aconteceu."

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