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Entretenimento

O artista Sosek criou uma série de pinturas retratando moradores de rua na madrugada de São Paulo

Mais do que um experimento criativo, obras fazem parte de uma luta antiga do esteta com os seus próprios demônios internos. Expo estreia sábado (7) na galeria Pico, no bairro do Glicério.

Imagens: divulgação

O artista Carlos Eduardo Doy, aka Sosek, abre neste sábado (7) a exposição individual Interno, na galeria de arte urbana e contemporânea Pico, no Glicério, em São Paulo. São cerca de 25 obras em que ele retrata, por meio de pinturas, a realidade dos moradores de rua na madrugada paulistana. Os trabalhos exibem as principais referências do estilo do Sosek, que condensa graffiti, pixo e sumi-ê. Esta última, uma técnica japonesa que mistura desenho e caligrafia, herdada da família paterna. A maioria dos retratos que serviram de base para as composições foram tirados na região central, mas o Mouco Fya, camarada do Sosek no rolê do graffiti, também já tinha várias fotos que acabaram sendo usadas. Todas as pinturas partiram da observação do real, porém os desenhos foram acrescidos dos traços e movimentos que o artista traz das grafias do pixo e das tags.

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A proposta tomou forma quando o Sosek voltou para São Paulo, em 2014, depois de passar um tempo fora. Morando com amigos no bairro do Glicério, ele se pegou num bloqueio criativo: não conseguia pintar dentro do estúdio, travava. "Foi justamente quando me mudei para lá que comecei esses retratos", conta, "mas acho que esse interesse começou bem antes e ficou no inconsciente. Sempre convivi diretamente com eles [os moradores de rua] por estar sempre pintando pelo Centro, mas depois do aprofundamento nos desenhos minha relação e meu olhar mudaram bastante. Alguns questionamentos retornaram (permaneceram) em minha mente e passei a me enxergar nessas pessoas da rua. Não com empatia ou comoção pela situação, mas como um espelho interno mesmo."

A maioria das pinturas são identificadas como "Autorretrato" porque, no decorrer da produção, o criador acabou percebendo que estava retratando uma metáfora de sua própria "miséria interior", para usar um termo dele. A coisa vai até além, já que ele passou a encarar o processo todo como um ato de psicomagia, um rito que o ajudaria a se livrar das sombras da consciência. Certa noite Sosek foi acompanhar o Mouco Fya na produção de uma matéria para um canal de tevê on-line, sobre moradores de rua, e eles acabaram entrevistando uma dezena de gente pelo bairro mesmo. Estabelecido o contato mais próximo, aos poucos a parada foi ganhando força. Daí que a madrugada acabou servindo de inspiração contra o bloqueio criativo de um jeito especial, revela o artista: "As madrugadas me trazem para o momento presente, me trazem tranquilidade e calma".

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Algumas das pinturas da mostra ficam expostas em molduras feitas pelo próprio Sosek em parceria com o pai dele. Para tanto, os dois usaram materiais descartados, encontrados pela cidade. Na primeira individual do Sosek, em 2013, ele saía à noite para garimpar madeiras e o pai é quem construía os painéis, compostos por vários tipos de madeira, e que serviram de suporte para a pintura de todas as peças. Para ele, esse esforço conjunto "traz uma energia muito forte". E detalha: "Dessa vez, construímos todas as molduras também com madeiras descartadas, porém maciças". Segundo o Sosek, seu pai, Kazuo Doy, foi a primeira pessoa que ele viu desenhar, e o considera um mestre por conta de sua grande habilidade com trabalhos manuais, embora seja formado em construção civil, e não em artes plásticas. "Eu não tive uma influência direta de minha herança familiar", pondera. "As influências eram coisas do cotidiano mesmo, sentava para olhar livros de figuras com meu avô, desenhava com meu pai…"

Para conceber as pinturas, Sosek lançou mão de um squeezer, ferramenta que o pessoal usa para riscar muros. Também chamado de mop, é parecido com um Nugget, aquela caneta de engraxar sapatos. Na década de 1990, os gringos adaptaram tal artefato para escrever nas paredes. "Em Nova York, tive a oportunidade de estar com um dos precursores no uso do squeezer, o artista Craig Costello, aka KR. A questão é que, além da estética, essa ferramenta me proporcionou um tipo de liberdade, de errar e não me apegar, transcender o erro. É muito diferente de quando eu encarava um pincel, pois sou muito detalhista", comenta ele sobre a escolha.

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O pixo, o graffiti e o sumi-iê têm em comum o princípio da escrita, daí a conexão que o Sosek encontrou para somar todas essas escolas à sua arte. "Eu trago elementos da caligrafia de rua para os meus desenhos", aprofunda-se, "é assim que eles se formam, vou desenhando como se estivesse escrevendo. Ainda estou bem longe de me desapegar da representação da imagem, na verdade nem sei se um dia vou atingir o nível de simplicidade dos artistas do sumi-ê. Nem penso nisso, na verdade. Sei que não tenho disciplina para me dedicar".

Depois dessa individual, que fica em cartaz até o dia 4 de junho, ele ainda pretende continuar explorando a temática, com chances de estender a abordagem toda para a performance. Panoramicamente, transformações podem ser percebidas na evolução das pinturas. À medida em que avançam no tempo, passam a se focar cada vez menos na expressão facial dos personagens. A tela como suporte também foi transcendida: algumas peças já se fazem ver no conjunto. Fora isso, existe a ideia de levar a exposição para outros países. Mas Sosek não planeja que este projeto seja permanente. "Afinal, quero resolver logo essas questões miseráveis dentro de mim", desabafa. "Eu gostaria de poder me aprofundar, mas já me conheço um pouco, em breve as questões emergirão de forma diferente."

Jornada espiritual
Sosek vem de uma família em que o pai trabalhava e a mãe cuidava da casa. Seus avós paternos, japoneses, moravam com eles. Estudou em escola estadual e cresceu num bairro de periferia, onde passava o tempo livre brincando na rua, empinando pipa, jogando futebol, andando de rolimã. Na adolescência, foi atraído pelos movimentos de contracultura, e acabou interessado na grafia do pixo. "Tive uma influência muito grande dos pixadores do meu bairro, ficava empolgado quando via o nome deles em outros bairros ou no Centro de São Paulo", relembra. Logo, Sosek começou a espalhar sua assinatura pela cidade também. "PIFO", com letras pintadas em duas cores, seguindo o estilo dos norte-americanos, é como ficara conhecido na cena do graffiti de São Paulo, em 1998.

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As primeiras artes que o deixaram impressionado foram de nomes como Os Gêmeos, Vida Insana, Crew e Vitché. O graffiti fez com que ele expandisse os horizontes, passando a enxergar a cidade e suas possibilidades para lá da periferia. Começou a pesquisar outras coisas além de tipografia quando abraçou o design gráfico, em 2003. Nessa época, ele deixou a rua um pouco de lado e virou assistente de arte numa revista. "Trabalhei com caras que abriram meu olhar para novas possibilidades e comecei a estudar os assuntos que me interessavam por conta própria", pontua Sosek.

Em 2005, ele foi passar uma temporada no Japão e sentiu um puta choque cultural, mas pôde se reconectar com a sua ancestralidade. Em 2012 vieram os primeiros conflitos existenciais, que acabaram ocasionando a mudança de pseudônimo: "Tive uma sequência de experiências psicodélicas e transcendentais em que morri e renasci algumas vezes. Foram muitos sinais, daí criei um novo pseudônimo, como uma simbologia de transição em minha vida. O novo nome foi Tetsuo Soseki, e passei a assinar Sosek, que vem do Soseki e define incômodo, em japonês. Lembro que estava assistindo muito os desenhos do Hayao Miyazaki, lendo sobre xamanismo, taoismo, mergulhando ainda mais para dentro com o auxílio de enteógenos. Foram influências muito importantes para a série de pinturas da minha primeira exposição individual, em 2013."

Na série à qual ele se refere foram criados personagens que, segundo afirma, o auxiliaram nas questões intrínsecas da vida cotidiana. "Tentei encontrar a harmonia entre a forma e a mensagem por meio dos símbolos", discorre. "A criação daquelas imagens nasceu como reflexo das minhas buscas espirituais, e acho que isso ainda não mudou."

Interno, de Sosek, @ Pico Abertura: 7 de maio, sábado, das 15h às 22h
Período expositivo: 7 de maio a 4 de junho
Endereço: Rua do Glicério, 721, São Paulo
Funcionamento: de quarta a domingo, das 15h às 20h
Entrada livre e gratuita
+ info: www.facebook.com/picoglicerio

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