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Como uma mulher cavou a casa de um serial killer e mudou o rumo das investigações sobre o Monstro da Alba

Por causa de Luana, que estava em busca de respostas sobre o paradeiro de sua namorada desaparecida, mais corpos foram encontrados na casa do assassino em série da zona sul.

Quando o relógio marcou duas da tarde no dia 11 de janeiro, Luana* começou a se movimentar para encontrar sua namorada, a carioca Silvia*, de 33 anos. Usuária de drogas, Silvia saiu em direção à Favela Alba, zona sul de São Paulo, para comprar entorpecentes na biqueira próxima de casa. Luana foi contra a sua saída, mas sabia que, quando Silvia queria comprar cocaína, ninguém conseguia impedir. Era dia 10 de janeiro, a última vez em que a geneticista de 33 anos viu a namorada viva.

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Silvia não era de desaparecer por tanto tempo, especialmente em São Paulo, onde não tinha tantos amigos quanto no Rio de Janeiro. Preocupada, Luana checou o aplicativo que mostrava a localização do iPhone da Silvia para ver se estava tudo bem. O local marcado era o mesmo de sempre, a biqueira na Favela Alba.

Juntas desde 2012, Luana e Silvia nutriam um relacionamento de confiança e amor. Embora a última apresentasse altos e baixos por causa do vício em cocaína, Luana sempre deu apoio à namorada para ela conseguir se livrar dessa. As duas estavam morando em São Paulo por causa de uma proposta de emprego em um laboratório oferecida à Luana. Silvia já estava também na etapa final do curso de Gestão de Qualidade.

Embora em suas saídas fosse bastante comum Silvia virar a noite, nunca tinha acontecido algo assim. Luana, então, entrou em contato com os pais da companheira. A mãe de Silvia, Joana*, pegou um avião do Rio até São Paulo para tentar encontrar a filha.

Um B.O. online foi feito pelas duas e transferido para a DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa) a fim de apurar o desaparecimento. Não houve muita ajuda por parte da delegacia, que afirmou à Luana que Silvia estava usando crack e, por conta do vício, abandonara a família. Segundo a geneticista, a pasta dedicada ao desaparecimento da namorada tinha apenas quatro páginas.

"Na Alba, a gente ficou mais concentrado no primeiro mês, e isso foi enfraquecendo à medida que foram surgindo as possibilidades do crack. Então, fomos pra Cracolândia, Diadema, reviramos tudo em busca dela. Lembro[-me] de uma escrivã no DHPP que falou que ela tinha me abandonado e eu tinha de virar a página."

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Além da polícia, a família da estudante contratou também um detetive particular para descobrir seu paradeiro. Nada. Na Alba, ninguém dizia também ter visto Silvia no dia do desaparecimento. "É muito difícil extrair informação na favela", conta Luana.

Nove meses depois, a mãe de Silvia recebeu a dica de um informante que frequentava a favela: havia sido encontrado o corpo de um rapaz homossexual na casa de um pintor de paredes que vivia bem próximo ao bar que Silvia costumava frequentar. Nesse momento, lembrando a última localização do iPhone da desaparecida, as duas sentiram que ela poderia também estar por lá.

Em uma das excursões pela Alba, a mãe de Silvia chegou a conversar com o pintor. Mostrou uma foto da filha perguntando sobre seu paradeiro. Ele disse não a conhecer e nem a ter visto na região.

O Monstro da Alba, como foi apelidado pela mídia, enterrou o corpo de Carlos Neto de Matos Junior em uma cova rasa enrolado em uma fita plástica. Segundo ele, o crime foi motivado por uma briga entre Carlos e o seu namorado. A perícia, quando foi recolher o corpo da vítima, encontrou uma ossada e um crânio na casa do pintor. Nada do corpo de Silvia.

Acusado de ter matado Silvia e mais cinco pessoas, o dono dessa casa é Jorge Luiz Morais de Oliveira, de 41 anos. Ele morava com a família em uma vila na Alba. A moradia era dividida em três partes, e o Jorge morava na última, isolado. Até agora, tudo indica que são seis vítimas catalogadas em nome dele. Cinco delas eram mulheres, cujos corpos estavam enterrados no chão de sua casa. Além disso, o pintor já cumpriu pena de 17 anos por conta de dois homicídios cometidos nos anos 1990.

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A primeira visita da perícia se encerrou por aí. No entanto, Luana e Joana voltaram logo em seguida à casa do pintor em busca de respostas. O local do crime não estava isolado: ainda havia roupas ensanguentadas espalhadas pela casa, além de objetos, lixo e um fogão sujo de sangue coagulado.

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Antes da segunda visita da perícia na casa de Jorge, roupas ensanguentadas e o fogão com sangue coagulado ainda estavam na casa. Fotos enviadas por moradores da região que não quiseram ser identificados.

"Quando entrei na casa, no dia 28 de setembro, não sei te explicar: me deu uma vontade muito grande de cavar. E, sem saber, eu estava pisando em cima dela", relembra Luana, que foi rapidamente até uma loja de construção perto do local. Voltou com pá, enxada, luvas e sacos de entulho. Em seguida, chamou dois moradores para ajudar.

"A mãe dela não podia cavar, mas começou a quebrar as paredes e eu comecei a quebrar o chão. A gente só parou quando chamaram a polícia." A geneticista conta que escolheu um local, do lado de uma parede sobressaltada com um sol preto desenhado, para cavar. "Percebi que era ali que acharia alguma coisa", destaca Luana.

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Uma das primeiras escavações da perícia onde foram encontradas as primeiras ossadas das vítimas. Fotos enviadas por moradores da região que não quiseram ser identificados.

"Quando comecei a cavar, achei tíbia, coluna, costela – comecei a ver tudo." No momento em que Luana cavava em busca de Silvia, uma equipe de reportagem da Band acompanhou a cena. Foi assim que as investigações do Monstro da Alba se intensificaram.

Luana não achou o corpo de Silvia em sua perícia amadora, porém a exposição midiática foi o bastante para a perícia voltar e ter de recomeçar o trabalho. Desta vez, ela recolheu todos os objetos que poderiam ser catalogados como prova, derrubou muros e escavou toda a casa do pintor. "Na manhã do dia 29 de setembro, eles acharam o corpo da Silvia. Ela foi o último corpo encontrado, os outros eram fragmentos." Segundo Luana, o esqueleto estava intacto, com uma corda no pescoço e as mãos amarradas para trás. "Acredito que ela morreu na madrugada do dia 11 de janeiro", conta.

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Silvia lutava muito bem caratê e, de acordo com Luana, tinha um senso muito apurado de sobrevivência. "Na troca de faixa dela, lembro que ela bateu em uns oito caras", conta.

Luana especula que Jorge se aproveitou de um momento de vulnerabilidade da companheira e a atacou por trás. "Ela tinha técnica e ele, nenhuma. Ela não entraria na casa dele pra usar droga. O cara está falando pra diminuir a credibilidade das vítimas", reclama.

A identificação de Silvia foi possível porque foram entregues ao IML radiografias para ajudar no reconhecimento da vítima. Uma placa de titânio estava no corpo da estudante devido a um acidente cinco anos antes.

"É uma sensação de alívio e tristeza que eu já vinha sofrendo. É um alivio, porque sei que agora ela vai descansar. A Silvia não é um espírito aquietado e não iria descansar ficando no lugar [em] que ela foi assassinada, rodeada de demônios e [d]as outras pessoas mortas."

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Um dos locais da casa do pintor cheio de sangue.

Agora, a luta é para conseguir liberar o corpo de Silvia para finalmente conseguir cremá-la e lhe dar um velório digno. Embora se mostre revoltada com a DHPP e a perícia, Luana diz que não tem intenção de levar o caso à justiça. "Na verdade, o erro é da perícia. Os peritos que trabalharam no caso pareciam que estavam morrendo. Você falava com eles, e era uma puta procrastinação. Se eles pudessem, eles nem estariam lá trabalhando."

Além disso, ela frisa que grande parte do descaso inicial das autoridades parte do fato de os crimes terem acontecido numa região pobre. A escavação de Silvia rendeu uma grande repercussão ao caso, fazendo o próprio Alexandre de Moraes, secretário de segurança pública, ter de prestar declarações. "Eles não esperavam uma repercussão tão grande da mídia. Agora, pegaram tudo na casa – até a lâmpada."

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Jorge confessou ter assassinado Silvia; a vendedora de livros Natasha dos Santos; Andréia Gonçalves Leão, conhecida como "Baianinha"; e Paloma Aparecida dos Santos, que foi identificada por causa do celular encontrado na casa do pintor.

Interrogado pela polícia, Jorge culpou o tráfico. Segundo ele, as vítimas foram estranguladas porque ele fazia "oposição à facção que está nos presídios e temia que as vítimas revelassem isso na região". O promotor do caso não descarta a possibilidade de os crimes terem sidos motivados por homofobia, já que os próprios vizinhos comentaram que o mesmo fazia comentários de ódio sobre gays e drogados.

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Roupas ensanguentadas achadas no local. Fotos enviadas por moradores da região que não quiseram ser identificados.

"Pra mim, tudo ali era suvenir. O cara não ia ter o trabalho de enterrar uma porra de calça jeans ensanguentada. Ele gostava de ter essas lembranças perto dele. Especialmente as mulheres que ele matou. É um monstro."

O pintor está preso. Agora, as investigações continuam para identificar as ossadas encontradas em sua casa. A confissão, segundo o assassino, foi feita a pedido de sua mãe.

Cansada, Luana se diz mais tranquila após conseguir finalmente descobrir o que aconteceu com a sua companheira. O amor, segundo ela, foi o que fez ela e a mãe de Silvia vasculhar a casa de Jorge em busca de respostas. "Sem sombra de dúvidas que a ligação que tenho com ela é muito forte, senão a gente nunca iria a encontrar. A polícia ia encontrar o Carlos, mais dois corpos, e ela ia ficar lá enterrada para sempre", afirma.

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Além de sua vida, Luana deixou de lado sua startup, que estava começando a tomar forma, e seu emprego logo após o desaparecimento da companheira. Após conceder uma entrevista para o Fantástico, ela revela ter sido reconhecida algumas vezes em alguns locais. "Não quero ser lembrada só por essa coisa horrível", desabafa.

Quase terminando a entrevista à VICE, Luana conta que a filha de Silvia, de oito anos, que morava junto com as duas, falou que os nove meses de incertezas sobre o paradeiro da mãe a ajudaram a se preparar para notícias mais horríveis.

"Muita gente tem me falado que faria o que eu fiz pelo namorado ou namorada", comenta Luana. "É uma prova de amor mesmo."

* Os nomes foram ocultados à pedido da entrevistada.

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