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Vice Blog

Como Era Ser Gay na Romênia Comunista

Durante o regime de Ceaușescu, a lei nacional perseguiu casais do mesmo sexo, sentenciando-os a anos de vida dura na prisão.
Ioana Moldoveanu
Bucharest, RO

De acordo com um relatório de 2010 publicado pela agência antidiscriminação do governo da Romênia, 84% dos romenos se recusariam a beber do mesmo copo que uma pessoa gay. Mas o país nem sempre foi "tão" gay-friendly; em 1968, após o ditador Nicolae Ceaușescu finalmente reconhecer que a homossexualidade existia, sua medida imediata foi a de proibi-lo. Durante o regime de Ceaușescu, a lei nacional perseguiu casais do mesmo sexo, sentenciando-os a anos de vida dura na prisão.

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O aborto se tornou ilegal por volta dessa mesma época, dando ao regime a desculpa de que ele precisava para invadir a privacidade das pessoas. Segundo um relatório conduzido pela Human Rights Watch e pela IGLHRC, em colaboração com a ONG Accept, desde 1970 os comunistas usaram ativamente a lei contra os gays para se livrar de qualquer um que fosse considerado rebelde, voando abaixo do radar das organizações de direitos humanos.

Claro, isso forçou os homossexuais ao submundo, o que dificultava ainda mais a documentação das violações de direitos humanos. Hoje em dia, é difícil encontrar pessoas que passaram por essa época e estejam dispostas a falar. Então, quando a ONG LGBT Accept organizou uma reunião sobre a história gay da Romênia, não pude perder.

Foi lá que conheci Daniel Iorga, um dos fundadores da Accept. Ele é o homem que, em 1990, foi a primeira pessoa no país a pedir a dissolução do Artigo 200, a seção do código penal romeno que criminalizava relações entre pessoas do mesmo sexo. Ele me contou tudo sobre como era ser gay nos anos 80. Também conheci um jornalista que passou pela mesma experiência, mas que preferiu ficar no anonimato.

VICE: Como vocês descobriram que eram gays se ninguém sabia o que era isso?
Daniel Iorga: As pessoas não iam saber nada sobre isso mesmo se você perguntasse. Descobri que isso estava acontecendo comigo aos 14 anos, quando descobri O Livro dos Recém-Casados na minha casa, um guia que falava sobre nascimento, relações sexuais e DSTs. A última página era sobre perversões sexuais; entre elas, a homossexualidade. A frase que ficou na minha cabeça foi: "Isso é punido com um a cinco anos de prisão".

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Anônimo: Ouvi falar sobre a prisão aos 17 anos. Fui ao cinema sem saber que o lugar era um ponto de encontro para transas casuais. Um cara perguntou se eu queria ir a um hotel, onde ele queria fazer sexo. Não "cooperei" com ele, mas fui idiota o suficiente para perguntar para a mulher da recepção quem era aquele cara (a recepcionista me contou que ele tinha saído recentemente da cadeia); então, entrei na conversa dele para poder delatá-lo. Eu era membro da Organização Jovem do Partido Comunista, então, achava que estava fazendo algo bom, um ato para limpar a sociedade. A sorte foi que o policial que devia cuidar do caso estava muito ocupado; então, eventualmente desisti, o que me salvou de um ato que eu me arrependeria para o resto da vida.

E vocês tinham alguém com quem pudessem conversar sobre seus sentimentos?
Anônimo: Só outros "como nós". Se seus amigos ou sua família descobrissem, era um desastre. Para eles, isso era algo abominável. A primeira cura que eles iam prescrever era um casamento rápido, pensando que ter filhos resolveria tudo. Tenho amigos que passaram por isso e levavam uma vida dupla infernal. Outra solução era te expulsar de casa. O que ainda acontece hoje em dia. Ou eles simplesmente te diziam que você "precisava procurar um psiquiatra".

Daniel: Fui ver um psiquiatra por conta própria. Não havia psicólogos ou conselheiros na época; as escolas dessas profissões tinham sido fechadas. Não havia ninguém para falar sobre isso. Como você poderia contar para os seus pais? O que eles sabiam? Então, entrei em depressão.

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Como o psiquiatra te tratou?
Daniel: Ele era um médico simpático e bem idoso. Eu disse para ele que estava frustrado, que queria ser diferente. Ele me deu uma tonelada de antidepressivos, pílulas para dormir e me manteve no hospital por quase um ano e meio. Ele sugeriu que eu nunca pensasse em ser "diferente" de novo, que eu lesse alguns livros, que eu estudasse e que eu me divertisse com os meus amigos – mas não explicou o que estava acontecendo comigo, porque era proibido falar sobre isso. Ele não podia me dizer nem que isso era bom ou ruim. Um ano depois, repetimos esse processo quando fiquei deprimido de novo.

Ser internado ajudou?
Daniel: Só no sentido de que me ajudou a superar. Contei para os meus pais, e minha mãe chorou por semanas por causa do drama pelo qual o filho dela estava passando. Meu pai queria me levar a um prostíbulo, mas recusei. Só superei a depressão quando comecei a ter relacionamentos. Foi aí que realmente entendi o que estava acontecendo comigo.

Como vocês encontravam parceiros sexuais?
Daniel: Havia um banheiro público na praça central da cidade de Brasov que era um ponto de encontros. Estações de trem e parques também eram bons lugares para arranjar alguém. Mas a maioria das pessoas se recusava a dar o nome verdadeiro, porque era muito arriscado.

Anônimo: Em Bucareste, nós tínhamos o Triângulo das Bermudas, formado por três banheiros públicos no meio da cidade. Quem queria arranjar uma transa ia até esse triângulo certas horas do dia. As pessoas também se encontravam nas estações de trem, na Ópera e ao redor do Parque Cișmigiu. Na Ópera, nos teatros e nas exposições, você encontrava gente mais "classe alta" – os que não frequentavam os parques e os banheiros. Também havia círculos de intelectuais, artistas e escritores gays, que saíam entre eles num círculo mais íntimo, no qual você só entrava se alguém te indicasse depois de ganhar a confiança deles. Havia festas… noites de canastra, geralmente seguidas por "jogos" na cama.

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Ouvi dizer que as pessoas se encontravam na praia também.
Era o paraíso. Na cidade litorânea de Mamaia, perto de um hotel chamado Dorna, havia um salão de bronzeamento onde todo mundo virava nudista. Gays de todo o país iam até lá, além de turistas de outros países socialistas – na maioria, alemães, húngaros e checos. Você se sentia mais seguro sabendo que o outro cara não era da mesma cidade ou país que você.

As pessoas saíam do armário nessa época?
Mița Baston, um médico especializado em cirurgia retal, tinha as costas quentes. O pai dele era um dos médicos do Comitê Central do Partido Comunista. A mãe dele o tinha deixado usar vestido no colégio e na faculdade. No hospital em que ele trabalhava, todo mundo sabia que ele era queer. Ele era efeminado, brilhante, colorido e era um prazer falar com ele em particular, mas não era bom ser visto andando com ele na rua.

Como vocês conseguiram ficar fora do caminho da polícia militar?
Daniel: Eu tinha prova do hospital de que procurei ajuda. E mais: você não era punido por ser gay, mas por ter relações sexuais com uma pessoa do mesmo sexo. E ninguém poderia dar meu nome para a polícia, porque eu só tinha casos em outras cidades.

Anônimo: Fui chamado na delegacia uma vez. Um estudante tinha sido denunciado; quando a polícia revistou a casa dele, eles acharam um caderno com os nomes de todos os caras com quem ele tinha transado, junto com os telefones. E ele tinha até organizado a lista por status social: estudantes, oficiais, professores, etc. Neguei que tivesse transado com ele e disse que o conhecia do trabalho. Mas, na época, pensei em suicídio, porque, se eles tinham descoberto, logo todo mundo estaria sabendo. Eu seria demitido, expulso do partido e provavelmente de casa também.

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Como foi o interrogatório?
Anônimo: Eram duas entrevistas: uma com o policial "bom" e uma com um policial "mau", mas eu tive sorte e passei só pelo primeiro. Aquele oficial também era psicólogo e me disse que queria informações sobre "o fenômeno" – que ele estava fazendo um relatório sobre como as pessoas gays não prejudicavam o Estado, sobre como elas existiam em todas as camadas da sociedade e que algumas delas eram cidadãos de valor.

Ele tentou me convencer de que estava trabalhando pelos direitos dos gays. Ele me mostrou fotos; algumas eram de documentos, outras de tocaias, para que eu identificasse outros gays, gente que eles pudessem abordar nos banheiros públicos de Bucareste com policiais disfarçados. Neguei conhecer aquelas pessoas.

Negar tudo funcionava?
Não. Eles só precisavam de duas denúncias para te prender. Quando eles queriam te chantagear por não cooperar ou se queriam acabar com a sua carreira, te prejudicar, eles convenciam dois gays a dizer que tinham transado com você, mesmo se não fosse verdade. Aqueles que denunciavam não iam presos. No final do interrogatório, o policial mau apareceu e disse: "Certo; se ele não cooperar, dou um jeito nele". E eu sabia o que ia acontecer. O estudante que me denunciou foi trazido para me confrontar – pude ver que ele tinha sido torturado.

Eles te bateram?
Não, mas me chamaram na delegacia durante um ano, de mês em mês. O interesse deles acabou em algum momento, não sei por quê. As investigações podiam acabar, porque levavam a alguém do alto escalão, algum líder do partido ou filho de alguém. Mas o estudante que me denunciou foi preso.

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O que acontecia com aqueles que iam presos?
Eles ficavam nas mesmas celas que os prisioneiros comuns. O carcereiro deixava claro pelo que eles tinham sido condenados… eles viravam um para-raios para os outros presos. Basicamente, você estava morto se descobrissem que você era gay. Tive amigos que passaram por isso e ficaram traumatizados; eles deixaram o país e nunca mais voltaram.

Daniel: Com esse método, a polícia estava tentando juntar informantes. "Quer que isso acabe? Então, você tem de trabalhar para nós". Era um método ideal de chantagem, ninguém ia escolher ir para a cadeia em vez de ser informante.

O que acontecia com essas pessoas depois que elas eram libertadas?
Anônimo: Elas tinham que começar do nada. As famílias não queriam ter nada a ver com elas. E uma ficha na polícia significava que você nunca poderia ter uma carreira.

Daniel: Um amigo meu, professor de matemática, cumpriu dois anos e meio e, quando saiu, teve de trabalhar como porteiro de um hospital. Ele era formado em economia. Depois, ele vendeu sua casa, mudou para outra cidade e conseguiu um emprego como economista. Era um emprego OK, mas ele tinha de trabalhar muito.

No resto da Europa, orientação sexual não era punida com prisão. Por que Ceaușescu pegava tão pesado com isso?
Anônimo: Depois da Revolução, as pessoas começaram a dizer que a homofobia dele era para esconder as aventuras homossexuais que ele teve na juventude quando era apenas um jovem aprendiz recrutado pelos comunistas. Alguns falam de um relacionamento com um dos fundadores do Partido Comunista, outros dizem que, quando foi preso em Doftana, ele teve um relacionamento com outro ditador comunista, Dej. Mas nada disso foi provado. Com todos os sonhos dele de um novo homem, a homossexualidade não tinha espaço em seu esquema social.

Elena Ceaușescu, a esposa dele, adorava histórias sobre a cena homossexual, não?
Daniel: Histórias sobre sexo em geral. O ex-general Pacepa escreveu em suas memórias que ela colocava microfones nas casas de todos os membros do Comitê Central do Partido para saber as proezas sexuais deles. Também há uma história sobre o filho mais velho dela, Valentin: ele tinha uma amizade suspeita com um ator gay chamado Doru Popescu, que, depois, foi forçado a sair do país. A amizade deles era conhecida da imprensa e da cena de artes. Elena descobriu tudo e, para proteger o filho, fez um passaporte para o ator, o mandou à França e o proibiu de voltar.

Mas isso também era uma influência dos russos sobre Ceaușescu.
Daniel: Sim. Eles também prendem gays. Os poloneses, checos, húngaros e búlgaros também pertenceram aos russos, mas todos eliminaram o artigo que criminalizava relações entre o mesmo sexo em 1968. Até Boris Yeltsin removeu o artigo russo sobre isso em 1992. A Romênia, por outro lado, aumentou a pena para algo entre dois e sete anos em 1997 e criminalizou a "propaganda" gay. O Conselho Europeu forçou o governo a eliminar a sentença, mas o outro artigo só foi removido em 2001 – e apenas para que pudéssemos entrar na União Europeia e na OTAN.

Tradução: Marina Schnoor