Teve bombinha, linguiça, caipirinha, telão, selfie, som alto, Neymar, fumaça, novinha, gol, uísque, energético, ostentação, arrocha, criança, funk. É muito Brasil pra pouca Copa.
Quando você fala pra alguém que vai colar no bairro do Glicério, no centro da cidade de São Paulo, as reações são sempre distintas. Alguns falam "nem a polícia cola no Glicério", "cuidado", "você conhece alguém dali?". A região é conhecida por abrigar cortiços e estrangeiros. Inclusive, estivemos lá há cerca de um mês para conhecer os haitianos recém-chegados na cidade. E ontem, em vez de colar no FIFA Fan Fest ou em alguma balada de coxinha rico, resolvemos assistir o Brasil jogar contra Camarões na Praça Ministro Costa Manso e encher a cara com a galera.
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E a festa tava bonita.
A primeira coisa que fiz foi tentar descobrir quem tinha financiado essa bela ideia que só veio acrescentar à sociedade e unir os seres humanos ainda mais: o telão. A FIFA não foi. Pensei que fosse algum dono de bar da região. Nada. Foram dois caras que moram nos prédios da praça mesmo. O Francisco (de camisa do Curintia na foto acima) conta que ele e seu sócio colaram na Santa Ifigênia e investiram R$ 1.600 no projetor e R$ 1.800 na caixa de som. Embaixo do telão, eles improvisam um bar que vende caipirinhas com vodca por R$ 10 e caipirinha com uísque (!) por R$ 15. Pergunto se a Prefeitura chegou a reclamar da confraternização armada ali e ele responde "Ainda não. É festa, né". Tá tendo muita Copa, graças a Deus.
Existem duas coisas que unem as pessoas: bebida e futebol. Quando o Neymar meteu um gol, eu estava há cinco minutos conversando com um mano do Congo – misturando português, francês e inglês. E mesmo sem nos conhecermos direito, nossa reação foi absolutamente instintiva e brasileira: um grande e caloroso abraço comemorativo. Além de samba e caipirinha, aqui tem contato corporal e calor humano, sim, gringos.
Quando conheci os haitianos, saquei que eles são fanáticos pelo futebol brasileiro e pela seleção. O amor é tanto que homens e mulheres literalmente vestem a camisa, celebram gol e piram. Muito.
Não é manifestação, não tem black bloc nem Tropa de Choque, mas tem esses moleques daora e inconsequentes aí soltando bombinha. Porque a vida é curta. Haja bombinha. E Copa.
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Foto: Felipe Larozza/ VICE
A noite foi caindo, o Brasil foi colocando Camarões na panela e conhecemos o Yan (de camiseta preta) e seus amigos. Aí foi o começo de uma longa e duradoura amizade ostentação.
Eles compraram sinalizadores, Red Label e energético. Muito de tudo. E nós ficamos lá, bebendo, curtindo e vendo a fumaça colorir o céu do Glicério.
Tá pouco de criança e adulto inconsequente, parça? Tá não.
De repente, avistamos uma galera fazendo um churras no meio da praça. O Brasil, amigos, é um país maravilhoso.
Aí eu conheci o Emmy (à esquerda, de chapéu), um cara que tem duas lojas na 25 de março, o paraíso comercial da pechincha em São Paulo, e teve a seguinte ideia: passou no açougue e comprou R$ 126 de carne (sim, ele me deu a nota fiscal). Depois, comprou várias (eu disse várias) garrafas de Red Label, garrafas de energético e caixinhas de água de coco (devidamente congeladas). Então, ele pegou a churrasqueira emprestada dum mano, levou todos os seus funcionários para a praça e pronto, tava armada a festa da firma.
Quando vejo a boquinha da garrafa, num aguento e vou ralar. Quando vejo linguiça é a mesma coisa. Preciso fazer algo a respeito. E fiz. Na real, odeio comer carne, mas como. E eu não podia fazer uma desfeita com meus novos melhores amigos, que me encheram de uísque até sabe-se lá que horas. Eu gostaria de lembrar. Não é o caso.Tenho uma teoria de vida: se não lembro, não fiz – mesmo que existam fotos ou gifs para provar o acontecido. Vai que era minha sósia. Acontece, caralho. Fala pra eles, Conti.
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Por um minuto achei que deveria compartilhar a foto do banheiro feminino do boteco com vocês, mas acho que agora já estou meio arrependida. Espero que meu editor resgate a fé que eu ainda tenho na humanidade e barre essa loucura. P.S.: não dá pra ver, mas o nível dessa água podre aí era aventureiro.
De repente, eu nem sabia mais o que tava fazendo ali e virei uma dessas pessoas insuportáveis que colam em shows e passam o tempo todo conversando, cagando pra banda e atrapalhando quem quer curtir a música. Nem lembrava mais do futebas, estava entregue às bebidas. Sei que o jogo acabou, o Brasil ganhou, Copa, Neymar, nada acontece, feijoada, e cada canto da praça ecoava um som. Ainda bem que do meu lado era arrocha.Uma mina corajosa quis me ensinar a sarrar. Sarrei.
O Felipe Larozza, fotógrafo, também entrou na onda, mas depois a mina veio me cochichar que ele conseguia dançar pior que eu. ¯\_(ツ)_/¯
Já completamente bêbados, chamamos um táxi para ir embora. Mas aí ouvi um funk muito pesado vindo dum carro e, mais uma vez, deixei a vida me levar, amigos. O taxista deve ter ficado puto, porque acabamos esquecendo dele. De início, fui meio odiada pelas minas do rolê funkeiro. Além de dançar mal, eu tava de bota, camiseta preta e jeans, no pior naipe roqueiro, e jurando que fazia parte do bonde das n0vinha. Depois, uma delas me pediu um cigarro e viramos melhores amigas. Ficou tudo na paz do deus funkeiro. E o pop hit do Mc Romântico veio abençoar geral. Eu amo meu país.
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Encontramos o Yan de novo e ficamos tirando umas fotos. É isso que amigos bêbados fazem, principalmente durante a Copa do Mundo no Brasil. A foto é minha, por isso está essa bosta imensurável.De início, eu estava meio puta de ter que trabalhar durante o jogo, mas é nessas horas que eu amo o meu emprego. Desculpa, pessoal. ¯\_(ツ)_/¯Ah é. Foi quatro a um pro Brasil.Siga a Débora Lopes no Twitter (@deboralopes) e veja mais fotos e vídeos do Felipe Larozza aqui.Saque mais fotos abaixo.