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As mães norte-americanas que se arrependeram de ter filhos

Uma pesquisa mostra que 97% das mães acreditam que as vantagens da maternidade são maiores do que as desvantagens. Mas e esses outros 3% que discordam disso?

Still de 'Mad Men'. Foto via IMDB/Lionsgate Television

No papel, a maternidade moderna parece ser um mau negócio. Um filho custa mais que fazer faculdade particular , mães são rotineiramente humilhadas nas redes sociais por parecerem grávidas demais ou não tão grávidas quanto deveriam, e os EUA ainda são o único país desenvolvido que não oferece licença maternidade remunerada . Mas apesar de todas as dificuldades econômicas, emocionais e físicas associadas com trazer uma criança ao mundo, pouquíssimas mães chegam a admitir que se arrependem de ter tomado essa decisão.

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"Dizer que você se arrepende dos seus filhos? Isso parece uma violação profunda da norma", diz Robin Simon, professora de sociologia da Wake Forest College especializada nos efeitos da paternidade na saúde mental. "Não acho que muitos pais se arrependem, em parte porque a ideologia é muito poderosa. Eles não se arrependem. Eles só pensam 'Uau, não imaginei que ia ser tão difícil'."

Arrependimento entre mães não é apenas um tabu cultural — também é algo incrivelmente raro, segundo um estudo conduzido pelo Departamento de Saúde dos EUA entre 2002 e 2003. De mais de 7 mil mães entrevistadas, 97% disseram concordar com a frase: "As recompensas de ser mãe valem a pena apesar de todo custo e trabalho". Mas os dados levantam uma questão: E esses outros 3% que discordam?

"R" é uma dessas mães para quem a turbulência da maternidade supera de longe as recompensas. Com medo de revelar seu remorso a alguém, ela se voltou para a internet para obter resposta e, em julho de 2012, fundou um grupo no Facebook para pais que se arrependem de ter tido filhos. Quatro anos e quase 2 mil membros depois, ela agora sabe que não é a única a se sentir assim. "Muita gente vem nos agradecer pela página, porque aceitamos essas pessoas e mostramos a realidade brutal da paternidade — que não é apenas diversão e sorrisos", Zephyr, um moderador do grupo, me disse por mensagem no Facebook.

Para muitos dos membros do grupo, que postam suas confissões através do inbox do Facebook para que Zephyr e R publiquem anonimamente, a comunidade é o único fórum socialmente aceitável para demonstrar sentimentos que a maioria dos pais considerariam inimagináveis — e mesmo na internet, pode ser difícil falar do assunto.

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"Os pais ficam muito aflitos em fazer suas confissões, principalmente por não quererem atrair o desprezo da família, ou que seus filhos descubram", me disse Zephyr. E esses medos não são paranoia: O grupo já foi repetidamente atacado, spameado e denunciado por "pais felizes", como Zephyr os chama, ou pessoas que acham a página ofensiva, degradante ou mesmo abusiva.

"Os comentários variam do sexismo típico de 'Então você deveria ter fechado as pernas', dirigido às mães, até ameaças de vazar as identidades dos membros na internet", explicou Zephyr. Outros já ameaçaram chamar os serviços de proteção à criança baseados nas confissões dos membros.

Envio anônimo, recebido e postado por Z.

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Venho rondando seu site há algum tempo e fico incrivelmente grata por ele existir.

Hoje à noite tive uma grande briga com meu marido pela coisa mais trivial: minha filha de três anos não queria comer o jantar. Não vou entrar em detalhes mas, depois da briga, me senti presa e sem esperança, e percebi que esse sentimento surgiu depois que tive filhos.

Amo meus filhos, uma menina (de 3 anos) e um menino (de 10 meses), mas conforme o tempo passa, me pego imaginando mais e mais como minha vida seria se eu não tivesse casado e tido filhos. Me sinto completamente miserável fazendo a mesma coisa todo dia e não consigo ver uma saída do borrão constante de tarefas que nunca acabam. Sinto que meu corpo e minha mente foram destruídos e que sexualmente não existo mais. Sou uma ninguém. Sou apenas um corpo existindo de um dia para o outro… sem gostar muito… sem esperar muita coisa e geralmente sentindo que tudo que eu queria era fugir e nunca olhar para trás.

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Meu marido diz que eu estou perdendo os bons momentos com meus filhos e toda a diversão. É fácil para ele falar quando trabalha o dia todo e fica com eles só uma hora por dia. Não dormimos na mesma cama porque meus filhos dormem mal. Não transamos desde outubro de 2013… Sinto que ter tido filhos me tornou uma pessoa miserável, pessimista e geralmente repugnante. Não consigo ver como isso pode acabar. Me sinto profundamente destruída como mulher.

Comparando pais a pessoas sem filhos, pesquisadores descobriram que "pais, e mães em particular, não relatam felicidade, saúde e bem-estar psicológico maiores que pessoas que nunca tiveram filhos", segundo Simon, que também é mãe e avó. Ela insiste que a maternidade poder ser uma experiência incrivelmente prazerosa e satisfatória, mas "que esses benefícios são esquivos", pelo menos de uma perspectiva científica. "É muito difícil para os pesquisadores definirem isso exatamente. Quer dizer, é realmente triste", ela disse, acrescentando que a falta de apoio financeiro e social para famílias nos EUA não facilita nem um pouco a vida dos pais.

Em se tratando de maternidade, as mulheres frequentemente encaram desafios ainda maiores, em parte devido a preconceitos no local de trabalho. Num estudo publicado em 2014, a socióloga Michelle Budig, da Universidade de Massachusetts, descobriu que mulheres geralmente experimentam uma queda de 4% no salário a cada filho que dão à luz; os homens, por outro lado, veem um aumento de 6% na remuneração depois que se tornam pais. Não apenas isso, mas mães geralmente são contratadas por salários mais baixos e recebem menos aumentos e promoções em comparação com colegas sem filhos, estudos mostraram. Os pesquisadores chamaram isso de "penalidade de maternidade". Mas apesar de toda a atenção dada os lados negativos profissionais e psicológicos da maternidade, pouquíssimos pesquisadores realmente investigaram as mães que se arrependem de ter tido filhos.

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Orna Donath, uma socióloga israelense especializada em gênero e saúde da mulher da Universidade Ben-Gurion do Negev, é uma das poucas acadêmicas a abordar o assunto. Ano passado, ela conduziu entrevistas com um grupo de 23 mães, incluindo cinco avós, que diziam se arrepender de ter dado à luz. Ela determinou o arrependimento fazendo duas perguntas-chave: "Se você pudesse voltar atrás, com o conhecimento e a experiência que tem hoje, você ainda teria se tornado mãe?" e "Do seu ponto de vista, quais são as vantagens da maternidade?" Todas as mães do estudo responderam a primeira questão negativamente, e se respondiam sim para a segunda questão, ouviam uma terceira pergunta: "Do seu ponto de vista, as vantagens superam as desvantagens?" Todas responderam com um ressonante não.

Donath diz que o estudo — e o livro inspirado por ele, Regretting Motherhood, publicado na Alemanha em fevereiro — não pretendia ser uma generalização das mães, nem é uma representação da população média. "Pelo contrário, o objetivo era definir um mapa complexo para que mães de diversos grupos sociais possam se localizar, mostrando que existe uma variedade de experiências maternas subjetivas", Donath me escreveu por e-mail. Como uma mulher que sempre soube que não queria ter filhos, ela diz que conduziu a pesquisa em parte para abordar a escassez de estudos sobre o tópico tabu.

"A existência do arrependimento da maternidade tende a ser negada e então, supostamente, não haveria nada para estudar", ela escreveu. Mas o grupo pesquisado provou o contrário, e o estudo abriu a possibilidade de análises mais profundas entre grupos maiores, ou pelo menos, uma conversa mais aberta entre as mães sobre arrependimento.

Quando Isabella Dutton escreveu sobre se arrepender de ser mãe no Daily Mail em 2013, ela recebeu uma tempestade de críticas na internet. O comentário mais curtido na matéria a chamava de "uma mulher absolutamente miserável, de coração frio e egoísta". Fora as ofensivas, a matéria também chamou a atenção de pais que se identificavam com o arrependimento de Dutton — e admiraram sua honestidade. Pesquisar o nome dela no Google hoje mostra blogs, ensaios e fóruns online de pais celebrando, defendendo e agradecendo Dutton por dizer o que antes era impronunciável.

Outros além de Dutton também têm se expressado. Em março, a mãe Simone Chubb escreveu uma matéria pra a XO Jane intitulada "Amo meu bebê, mas me arrependo de ter me tornado mãe", onde detalha sua gravidez fisicamente sofrida e a vida pós-parto de falta de sexo e autoestima — sem mencionar a depressão e falta de sono. Além disso, fóruns anônimos como Reddit, Quora e Whisper estão cheios de discussões de mães tentando lidar com o próprio arrependimento. Lá elas descobrem que não estão sozinhas nisso.

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Tradução: Marina Schnoor