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Como Anda o Atendimento Terceirizado do 190 da PM de São Paulo?

Problemas no atendimento emergencial da Polícia Militar apontam a grande necessidade de fiscalizar a implantação dessa nova política pública que passa agora por caráter probatório.

Crédito: Divulgação/Rodrigo Paneghine.

A advogada Silvia Helena Campos se viu em uma situação assustadora na manhã do dia 2 de junho. Sua cliente e vizinha, uma senhora de 59 anos que passava por um conturbado processo de divórcio, ligou desesperada para a casa da advogada avisando que o seu marido estava tentando arrombar a porta de casa. Sabendo do passado violento do cônjuge da sua cliente, que já a tentou enforcar e incendiar (gerando uma medida restritiva contra ele), Silvia imediatamente digitou 190 em seu telefone. O problema é que a viatura nunca chegou.

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"Fiz a primeira ligação na hora do fato, avisando que estava acontecendo esse problema, e (…) pedi uma viatura em caráter emergencial", conta Silvia, que ligou por volta das 9h30 da manhã. Passados 15 minutos da primeira ligação, a sua cliente conseguiu sair até a rua e se esconder em uma casa vizinha. A advogada novamente ligou para o 190 reiterando a solicitação emergencial.

Ainda assim, nada de polícia – e o marido ainda estava tentando arrombar a porta de sua cliente. "Ele já não gosta muito de mim; por isso, não fui até lá para não piorar a situação", explica. Preocupada com o que poderia acontecer com sua cliente, Silvia saiu de casa e correu até a Base Comunitária instalada no começo do bairro em que reside, no Morro Doce, situado na zona oeste de São Paulo.

Para a surpresa da advogada, os PMs que estavam na base informaram que não havia nenhum registro das duas ligações feitas por ela no sistema da Polícia Militar. O tempo decorrido da primeira ligação, segundo ela, até a sua ida à base superou 20 minutos. O único atendimento recebido foi na Base Comunitária, onde os PMs acionaram uma viatura. A justificativa feita pelos policiais foi a de que, de acordo com o relato de Silva, "o Estado terceirizou o atendimento do 190, e agora eram civis despreparados [no atendimento das ligações], piorando o atendimento emergencial".

Eventualmente, o ex-marido de sua cliente se encaminhou até a Base bastante nervoso e foi acalmado pelos policiais, que o mandaram para casa. "Se eu não tivesse descido, a minha cliente estaria até agora esperando chegar a viatura", frisa.

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Silvia não sabia que o atendimento havia sido terceirizado. O serviço está em caráter experimental e foi instaurado em dezembro de 2014 graças ao investimento de R$ 85,1 milhões no novo Copom (Centro de Operações da Polícia Militar). Procurada pela VICE, a assessoria de comunicação da SSP declarou que "essa etapa vai durar 12 meses e servirá para definir métodos de aperfeiçoamento do projeto", reiterando que "o pregão [uma das formas de licitação no Brasil] foi vencida pela empresa PC Service, que ofereceu o valor de R$ 710 mil mensais, ou seja, R$ 8,5 milhões em 12 meses". A VICE também entrou em contato diretamente com o 190 e foi informada de que 60% das ligações são recebidas por atendentes terceirizados.

A SSP também declarou que nenhuma ligação feita pelo número da Sílvia foi registrada no sistema desde janeiro de 2015. "Todas as chamadas recebidas são registradas no sistema, e o tempo de atendimento varia de acordo com a emergência, levando-se em conta, principalmente, aquelas em que há risco pessoal (roubos, homicídios, crimes violentos)", explica.

Indignada com a situação, a advogada desabafa que, após a situação se acalmar, voltou a ligar para o 190 a fim de fazer uma reclamação formal, mas a atendente se recusou a passar o número de protocolo e desligou abruptamente. "Me trataram como se eu tivesse falando com uma operadora de celular. Você acha que era o momento de ela desligar na minha cara ou aprofundar a situação? (…) Você não pode piorar um serviço, tirar pessoas capacitadas e colocar no lugar atendentes de telemarketing."

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Sede do Copom. Crédito: Divulgação/Thalita Monte Santos.

Segundo André Zanetic, doutor em Ciência Política e pesquisador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência da USP), a terceirização pode ser prejudicial para a maioria dos trabalhadores, mas, em relação ao atendimento do 190, ela possui um caráter um pouco mais complexo que o do fator econômico. "São dois aspectos: poder colocar um pessoal mais capacitado no atendimento e liberar mais policiais [para as ruas]." De acordo com o pesquisador, a terceirização pode possibilitar a formação por meio de um processo específico de profissionais que sejam até mais capacitados para atender pessoas que estão em uma situação de violência.

No mesmo comunicado, a SSP esclareceu que os funcionários civis passam por cinco etapas de um processo seletivo "que incluiu recrutamento, exame médico, análise de antecedentes criminais, avaliação psicológica e treinamento para o serviço", ressaltando ainda que o curso de capacitação oferecido tem a duração de quatro semanas distribuídas em 140 horas de aula acompanhadas por policias militares que exercem suas funções nas chamadas de emergência.

Zanetic frisa que a capacitação dos atendentes necessita de uma formação que vá além do suporte da Polícia Militar. "É interessante se você tiver, além do treinamento da PM, uma formação por um pessoal que capacite, que dê um respaldo psicológico no atendimento e que não seja um lugar que você liga para comprar um objeto."

Além da vantagem de colocar policiais nas ruas, a justificativa da Polícia Militar é a otimização do atendimento telefônico, em que das 3,5 milhões de ligações realizadas desde janeiro de 2015 apenas 20% das ligações são pedidos de viatura e 75% não são relacionadas com ocorrências policiais. "Isso aí é a realidade da polícia: a quantidade dos serviços não policiais é a coisa que mais toma tempo da polícia", explica Zanetic. Além disso, 5% das ligações são trotes.

Por ser um serviço que ainda está em estágio probatório, o pesquisador ressalta a importância de ele ser constantemente fiscalizado para concluirmos se realmente é necessário para a população ou mais um problema de segurança para se lidar. "As coisas que acontecerem, como nesse caso relatado, mostram a existência de problemas e são um ponto importante que merece mais avaliação."

Em resposta à falha do atendimento, Silvia fez uma reclamação formal na Corregedoria da Polícia Militar e também na Ouvidoria sobre sua situação. Sua reclamação foi enviada para o Comando Tático, que demorará cerca de 45 dias para entregar uma resposta. "É como dar murro na ponta da faca. A gente consegue uma vitória judicial, mas, quando precisa de uma ação efetiva, isso não acontece. E o caso dela de violência doméstica pode acabar virando só mais um dado estatístico. "