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Como Ser Preso Numa Manifestação

Para te manter afastado — ou dentro, vai do gosto — das cadeias, elaboramos um guia, e isso é bom. O ruim é que este guia provavelmente só se aplica a cidadãos brancos de classe média para alta.

Está cada vez mais fácil ser preso. O Brasil já tem 500 mil pessoas atrás das grades e, desde junho, as manifestações de rua viraram mais uma porta de entrada para o sistema prisional. De 1990 para cá, a população carcerária brasileira cresceu cinco vezes. E o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciou R$ 1,1 bilhão para construir novos presídios. Serão 66 mil novas vagas até 2014, esperando novos ocupantes. Um deles pode ser você.

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Com a polícia e o Black Bloc endurecendo a relação, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo autorizou novamente o uso de balas de borracha e a Justiça chegou a usar a Lei de Segurança Nacional, do tempo da ditadura, para encarcerar manifestantes. No Rio de Janeiro, só na manifestação de 14 de outubro, foram 60 detenções. Ontem, na zona norte paulista, foram 90.

Para manter nossos leitores afastados — ou dentro, vai do gosto — das cadeias, elaboramos um guia. Segui-lo pode ser uma forma eficaz de garantir o legítimo direito à manifestação, sem dar argumentos para os que querem tirar a moçada das ruas. As informações foram feitas a partir de uma entrevista com o professor de direito penal da PUC de São Paulo, Edson Knippel.

Atenção: a triste verdade é que este guia provavelmente só se aplica a cidadãos brancos de classe média para alta. No Brasil, 54% dos presos são negros. Os assassinatos também vitimam duas vezes mais negros do que brancos. Em especial nas periferias, basta ser jovem negro para ser suspeito. Por isso, nesses casos não há dica a seguir, além de denunciar o racismo.

Na rua:

Abordagem

Você pode ser interpelado pela polícia se estiver em “situação de fundada suspeita” — portando uma arma, por exemplo, acendendo um coquetel molotov ou um baseado. Nesses casos, a polícia pode fazer perguntas, pedir documentos e revistar seus pertences, mas não pode prender ninguém para averiguação. O simples fato de estar num protesto, ser jovem e não tomar banho não é razão suficiente para ser interpelado por PMs.

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Identificação

Se estiver em situação de “fundada suspeita” você tem de se identificar. Em alguns Estados (Ceará, Pernambuco e Rio de Janeiro), usar máscara é um problema, embora não seja um crime. Nenhum cidadão pode se negar a dizer seu nome quando interpelado pela polícia. Da mesma maneira, o policial é obrigado a estar identificado, mesmo que muitos simplesmente tirem o nome da farda.

Revista

Mulheres só podem ser revistadas por mulheres. Homens, por homens. Revistas só podem ser feitas em casos de “fundada suspeita”. É bom ter testemunhas suas por perto.

Detenção

Uma pessoa pode ser detida de duas formas. Primeiro, se estiver cometendo um crime. Segundo, se houver uma ordem de prisão nominal expedida antes pela Justiça. O primeiro caso é mais comum em protestos — são as “prisões em flagrante”.

Algemas

Se você chegou até este item, é porque se deu mal. A algema poderá ser usada caso você ofereça resistência ou tente fugir. Como nos filmes americanos, “você tem o direito de ficar calado” e, se bater ou xingar a polícia, pode se encrencar, mesmo que a prisão seja ilegal.

Delegacia

Se a acusação for de “menor potencial ofensivo” (coisas que dão penas menores que dois anos, como dano ao patrimônio), você assinará um termo circunstanciado se comprometendo a comparecer à Justiça. Depois, você comparece ao Palhares do Juizado Especial Criminal, de onde pode sair com um acordo com a Justiça para não ser processado. O perigo é quando a acusação é de cometer um crime que dê mais de dois anos de cadeia. Nesse caso, pode haver prisão em flagrante. Mas, mesmo nesses casos, você ainda pode ser punido com “medidas alternativas”, como a proibição de se afastar a mais de X quilômetros da comarca.

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Fiança

O delegado pode fixar o valor da fiança na hora, mesmo que o juiz possa mudar a cifra depois. Quem ganha mais, ou é filho de pai rico, paga mais. Quem tem menos dinheiro, paga menos. Se a pessoa não tiver um tostão, pode ter a fiança substituída por penas alternativas.

10 razões para ser preso num protesto

Matar o coleguinha:

Se for um homicídio simples, de 6 a 20 anos; se for qualificado, de 12 a 30 anos.

Ferir:

Se a lesão corporal for simples, de três meses a um ano; se for qualificada, pode chegar a oito anos.

Destruir propriedade, ainda que você chame isso de “violência simbólica”:

De um a seis meses ou multa.

Carregar material incendiário ou explosivo:

Pode dar de seis meses a dois anos, além de multa. Mas se você tiver sucesso em queimar ou explodir alguma coisa, a pena sobe para de três a seis anos (e a multa).

Desobedecer a uma ordem legal (quem define o que é legal, no momento da detenção, é quem deu a ordem, não você):

De 15 dias a seis meses, mais multa.

Incitar a violência (essa é casca):

É incitação “ao crime” e dá de três a seis meses ou multa.

Levar um trabuco para a marcha:

Se for uma arma “de uso permitido”: dois a quatro anos e multa; se for de uso proibido, como fuzil ou bazuca, aumenta para três a seis anos e multa.

Protestar e consumir drogas ao mesmo tempo:

Com sorte, penas alternativas. Tráfico complica. A lei não especifica quantidades.

Resistir a um abraço carinhoso de um PM que queira te levar para a delegacia:

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De seis meses a dois anos, mais multa.

Não fazer nada:

Muita gente tem sido detida só por estar nas passeatas (ou apenas assistindo). As detenções arbitrárias e o uso de balas de borracha e gás lacrimogêneo contra inocentes tem sido uma constante.

Siga o João Paulo Charleaux no Twitter: @jpcharleaux

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