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O Que os Militares Sul-Africanos Estavam Fazendo na República Centro-Africana?

Quando mistura mentalidade tribal antiga e ideais democráticos importados do Ocidente, a política africana se mostra uma combinação muito volátil no continente e algo que estimula muitos de seus conflitos.

Rebelde na República Centro-Africana. Foto via.

Quando mistura mentalidade tribal antiga e ideais democráticos importados do Ocidente, a política africana se mostra uma combinação muito volátil no continente e também algo que estimula muitos de seus conflitos. Um país que teve que lidar recentemente com as consequências dessa abordagem de governo foi a República Centro-Africana (RCA), onde um violento levante está em andamento desde o ano passado.

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Em janeiro de 2013, o partido no comando da África do Sul, o ANC, mandou 400 tropas para a RCA. Ostensivamente, essas tropas estavam lá para ajudar o presidente Francois Bozizé a combater a Séléka, a coalizão de grupos rebeldes que se revoltaram contra Bozizé e seu governo (eles alegam que Bozizé não está honrando os acordos de paz feitos depois da Guerra Civil Centro-Africana). A questão é a seguinte: a República Centro-Africana foi suspensa da União Africana justamente por causa do levante, o que — em teoria — deveria ter desqualificado o país para receber ajuda militar externa.

Há muita especulação sobre por que o presidente sul-africano Jacob Zuma movimentou suas tropas para apoiar o governo claramente falho e ditatorial da RCA. A teoria que ganha mais força é a de que vários membros do ANC têm interesses em recursos minerais e naturais na RCA que querem proteger. Há muitas companhias sul-africanas explorando o petróleo da RCA, e várias delas têm ligação com figuras poderosas da África do Sul que provavelmente abastecem os cofres da máquina política do ANC.

Uma dessas companhias é a DIG Oil, empresa de prospecção que trabalha no sudeste da RCA. O sobrinho de Zuma é parte do conselho da DIG Oil — algo que sugere que o presidente pode ter mais do que um interesse simplesmente comercial na companhia. Isso também sugere — se você gosta de ligar pontos óbvios — que Zuma pode estar usando as forças militares da África do Sul como serviço de segurança particular para proteger interesses internacionais seus e de seus comparsas.

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Filmagem da República Centro-Africana.

O envolvimento duvidoso da África do Sul na RCA chamou a atenção no dia 23 de março, quando rebeldes da Séléka marcharam até a capital, Bangui, e tomaram o controle da cidade, matando pelo menos 13 soldados sul-africanos no processo. Foi um massacre unilateral, com as forças sul-africanas sendo pegas com poucos suprimentos, soldados e quase nenhuma inteligência militar. Depois que relatórios emergiram detalhando que o governo da RCA nunca pediu formalmente a ajuda das tropas sul-africanas, muitas pessoas — particularmente a oposição política do ANC, o DA — começaram a exigir explicações de Zuma.

A presidência sul-africana afirma que as tropas foram mandadas para “assistir com a capacidade construtora das forças de defesa da RCA e ajudar o país com planejamento e implementação dos processos de desarmamento, desmobilização e reintegração”.

Declaração que, se desembaraçada, sugere que a linha oficial é que as tropas estavam lá para treinar o exército da RCA. Mas isso deixa a dúvida: Por que eles estavam lutando se deviam estar lá apenas para treinar? Os protestos públicos, tanto na África do Sul quanto no exterior, forçaram Zuma a retirar suas tropas da região, mas isso não fez as dúvidas desaparecerem.

No memorial para os soldados mortos, Zuma saiu pela tangente dizendo: “O problema com a África do Sul é que todo mundo quer governar o país. O governo precisa de espaço para trabalhar e implementar as políticas do partido no comando, que foi eleito por milhões de pessoas. Também deve haver um reconhecimento de que questões e decisões militares não são assuntos para serem discutidos em público, fora o compartilhamento de uma política mais ampla… Aqueles envolvidos nesse jogo devem ser cuidadosos para não colocar em perigo tanto interesses nacionais quanto de segurança da república.”

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Soldado-mirim na República Centro-Africana. Foto via.

Essa atitude de desprezo não caiu bem com a imprensa, que luta há dois anos contra a Lei de Proteção à Informação — que permite condenar jornalistas a até 25 anos de prisão por publicar algo que o governo não quer ver publicado. E a oposição está tentando desacreditar o ANC, o que não está sendo um trabalho difícil no momento.

O parlamento pediu a formação de um comitê para responder as perguntas levantadas pelo veterano e Ministro da Defesa do DA, David Maynier. O presidente teria intencionalmente enganado o parlamento sobre o papel das tropas sul-africanas na RCA? Por que as tropas foram enviadas com base num entendimento entre África do Sul e RCA, e não por um mandato das Nações Unidas ou da União Africana? E por que havia tão pouco apoio para as tropas mobilizadas?

A Força de Defesa Nacional Sul-Africana (a FDNSA) também está sendo questionada na sua habilidade de atuar como pacificadora no continente africano. Muitas das tropas da FDNSA não têm treinamento suficiente, e restrições orçamentárias permitem que apenas uma brigada de 3 mil soldados seja mobilizada de cada vez, sendo que metade desses homens não estão em condições médicas de servir, têm doenças crônicas ou são  velhos demais para uma atuação efetiva num cenário de conflito. Algo nada ideal para um continente com uma população de aproximadamente um bilhão, e um problema que as tropas sul-africanas na RCA enfrentaram mesmo antes de sair de seu próprio país.

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Quanto à própria RCA, bom, as ruas de Bangui estão manchadas de sangue. Revoltas, saques, soldados-mirins e estupros são ocorrências diárias, e as lutas prolongadas estão atrasando o plantio das lavouras para a estação das chuvas, então a escassez de alimento é esperada para o futuro próximo num país que está entre os mais pobres do mundo. Nada bom, basicamente. E parece que Zuma — mesmo com ajuda de sua empresa de segurança particular, a FDNSA — não vai poder palpitar no que acontece com seus interesses na República Centro-Africana.

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