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Comida

Tentei comer igual ao Flávio Passos por 15 dias

Cortei os produtos industrializados, o açúcar e as gorduras vegetais para testar os efeitos de uma alimentação natural.
Foto de capa: Macarrão de abobrinha com molho pesto de rúcula. Imagem do livro 'Receitas Fora da Caixa'.

Foto do topo: macarrão de abobrinha com molho pesto de rúcula. Imagem do livro 'Receitas Fora da Caixa'.

Para muitos, a alimentação natural não passa de uma ideia radical e elitista. Eu mesmo, apesar de meus 21 anos de vegetarianismo, nunca consegui fugir à praticidade das comidas industrializadas ou semiprontas, dos refrigerantes, dos salgadinhos de boteco, dos "pedaços da pizza" (na época que eu trampava de madrugada, comia todo dia), dos salgadinhos de isopor, e dos legumes, verduras e frutas anabolizados, cheios de agrotóxico e conservantes… Mas também não é de se estranhar a razão pela qual um crescente número de pessoas vem impulsionando o mercado de bens e serviços voltados aos alimentos orgânicos, naturais, desintoxicantes, antioxidantes, e aos chamados superalimentos.

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O pesquisador em nutrição e gastronomia saudável Flávio Passos, que está desde 2015 no canal Sony com o programa Comer Bem, Que Mal Tem?, é o novo guru brasileiro da alimentação natural. Milhares de pessoas já baixaram o e-book dele (é gratuito, dá pra sacar aqui). Em suas receitas, ele propõe o que chama de "alimentação extraordinária": baixo teor de carboidratos, elevado teor de gorduras naturais saudáveis, riqueza de nutrientes e ausência de substâncias nocivas.

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Movido pela experiência pessoal de ter superado fragilidades de saúde revolucionando sua dieta — e com um faro para os negócios (ele é dono da empresa Pura Vida) —, Passos afirma ter descoberto o tipo de dieta ideal para eliminar qualquer necessidade de tomar remédio. Essa ideia não vem dele, vem de Hipócrates, o grego considerado pai da medicina ocidental. Foi quando leu a frase "Faça do seu alimento o seu remédio", de Hipócrates, que Flávio decidiu abandonar as sopas, enlatados, salsichas e congêneres. Curou-se, mudando o jeito de comer, de tudo o que afligia seu corpo: obesidade, princípio de diabetes, síndrome do intestino irritável e um princípio de cirrose hepática.

Flávio, hoje com 35, começou aos 15 anos seus estudos em nutrição, pegando dicas de algumas escolas ancestrais e outras modernas. "Busquei sempre o que havia de comum em cada escola, contando com a ajuda de grandes professores e nutricionistas para desenvolver um discernimento que me permitisse separar o que é mito do que é ciência verificável", conta. "Mais do que estudar, experimentei diversas propostas de alimentação saudável — pois estudar sobre nutrição sem praticar os ensinamentos é como ir até um restaurante e tentar saciar a fome apenas lendo o cardápio."

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"De repente, o sabor e o prazer se tornaram secundários, e a qualidade daquilo que o alimento tinha para oferecer à minha saúde se tornou o mais importante" — Flávio Passos

"Como consequência de tudo isso modifiquei meu interesse por alimentação de forma drástica. De repente, o sabor e o prazer se tornaram secundários, e a qualidade daquilo que o alimento tinha para oferecer à minha saúde se tornou o mais importante", filosofa ele. "O segredo é priorizar o bem-estar duradouro proporcionado pelo cultivo da saúde sobre o prazer temporário de uma comida ruim temperada com realçadores de sabor. Eu diria que é fazer bom uso da inteligência", arremata. Há algumas semanas, estava zapeando e topei com o programa dele passando e me ocorreu que comer estritamente do jeito que ele, a Bela Gil e a Tati Lund propõem — guardadas as peculiaridades de cada um — seria legal se fosse comum e acessível encontrar esses pratos e ingredientes por aí. Mas a gente sai na rua, viaja pro litoral, cola num evento de parentes ou da firma e já nota o quão surreal uma política alimentar pode tornar a sua vida. Só não comer carne já te coloca em dificuldades. Então imagina só.

Daí que dessa vez bateu um certo peso na consciência. Ultrapassar vigorosamente os 50 anos sem perecer a febres e doenças não tem como ser ruim, pensei. Então, numa tentativa de reduzir os danos dos meus excessos mundanos até aqui, decidi fazer um experimento e passar 15 dias comendo segundo as indicações do Flávio Passos: só comida de verdade, nada de industrializados, açúcar e gorduras vegetais inflamatórias, enriquecida com suplementos e super alimentos especiais. Meu objetivo era colocar à prova a praticidade desse tipo de dieta e saber se daria pra sentir o alto desempenho da mente e do corpo que ele tanto propaga.

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Só de começar os dias com o tal "bulletproof coffee" já fez com que eu me sentisse energizado e mais produtivo. Comecei a tirar de letra as idas e vindas de bicicleta do trabalho. O tal do café da manhã é uma mistura liquidificada e servida quente de café orgânico forte, lótus de coco (óleo orgânico virgem) e manteiga normal, de cacau — para os vegans — ou ghee ôrgânico. Eu preferi comprar um ghee. Aí tem a versão zen da bebida, que é com matchá (extraído da mesma planta do chá verde) ao invés de café. Melhor pra tomar em momentos de pilha, pois acalma e dá foco, ou no final do dia. Foi o empresário Dave Asprey pesquisador em biohacking, que desenvolveu as duas receitas, no Vale do Silício, nos EUA, a partir de técnicas tibetanas.

Esta receita vem exemplificar um dos vários mitos que Passos busca derrubar. "O mito de que gorduras naturais engordam e devem ser evitadas", diz, "e o mito de que alimentos tradicionais, como a manteiga e o óleo de coco, devem ser trocados por alimentos sintéticos, como a margarina." Segundo ele, a mitologia é demasiada e controversa na área de nutrição. O Flávio prega até que não se deve acreditar que comer de três em três horas seja necessário. "Por isso procuro sempre me pautar em evidências científicas e conhecimentos atualizados — mesmo que isso signifique muitas vezes estar em oposição a instituições e à grande indústria", afirma.

Segundo a filosofia de vida do Flávio Passos, a qualidade do que você escolhe comer afeta absolutamente tudo, de dentro para fora: seus pensamentos, sua sensibilidade, o funcionamento dos órgãos, a capacidade de estar imune às doenças e de prosperar fisicamente. "Mas também afeta o mundo", chama a atenção. "Comida sustentável protege a natureza e desenvolve seus recursos. Comida industrial de monoculturas ou megapecuária destrói a vida e os recursos deste planeta. Você dá o seu voto pelo mundo e por sua experiência de vida com cada escolha que você faz — consciente ou inconscientemente. Por isso, eu procuro compartilhar informações que facilitem escolhas conscientes. Sem radicalismos, mas com firmeza e propósito."

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Na mesma semana em que comecei a tomar o café energizante, que te dá mesmo uma sensação de ânimo, cortei também o refrigerante e o substituí pelos sucos naturais ou variações do suco verde, o açúcar, que troquei pela stevia, e o sal refinado, que deu lugar ao sal rosa. Também incluí frutas na minha dieta, compradas num daqueles sites de entregas de orgânicos na internet, no café da manhã e na sobremesa. Nesses casos não deu pra ficar checando a procedência orgânica dos alimentos, mas senti claramente os efeitos de um melhor bem-estar.

Como eu já tenho o costume de levar marmita para o trabalho, nem precisei tirar um tempo pra fazer a comida. Só tive que me organizar melhor para preparar as coisas e fazer o corre de comprar os ingredientes, pois não se encontram nos mercados de bairro. Coisas tipo tabletes de spirulina premium, chá de camu camu, proteínas veg e nut. Moro com a minha mina e as nossas compras para duas semanas, comendo assim, deram pouco mais de R$ 500. Espero que cevadinha e quinua sejam mais saudáveis do que o arroz, pois fiz essa substituição. De mistura, troquei a soja por opções como o bife de polpa de caju ou hambúrguer de grão de bico, legumes, feijões, cogumelos, berinjela…

No geral dá pra achar tudo. Nas zonas cerealistas e mercadões, na seção de orgânicos e naturais de supermercados maiores, nas lojas fit ou naturais, na internet… O que pega é que o negócio tem que integrar a sua vida por completo pra dar certo, se tornar um hábito, um modo de viver e pensar a alimentação. Tipo, no sábado de manhã, ao invés de ficar moscando, comecei a acordar cedo e colar na Zona Cerealista ou na lojinha do MST, ambos em São Paulo, com as sacolas de pano, e comprei só comida de verdade. Como eu estava empolgado com o resultado das primeiras experiências e motivado pelo próprio tema desta matéria, não fiz nada de saco cheio. Até me surpreendi ao perceber que essas receitas são muitas vezes apenas incomuns no nosso dia a dia, mas não difíceis de fazer. É que eu estava muito condicionado a pegar uma lasanha congelada e enfiar no micro-ondas.

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Então, é fato: você vai "perder" tempo com isso. E gastar um pouco de grana. Mas descobrir novos sabores e combinações foi muito legal. A pizza de omelete verde, por exemplo, é uma refeição completa que fica pronta em minutos. Assim como o macarrão de abobrinha com molho pesto de rúcula e a mini pizza de berinjela, que substitui a massa. O molho de tomate caseiro, temperado com alho e especiarias, é a maior boiada de fazer. São coisas que comecei a comer à noite ao invés de pedir delivery de fast food ou jantar na praça de alimentação do shopping. Só com a adição da beterraba em fatias assada no azeite e polvilhada de sal e alho picado, e depois processada, fortifiquei o hommus que sempre gostei transformando ele no "hommus rosa" (todas as receitas rolam no e-book do Flávio).

Vale dizer que, pra comer como o Flávio Passos, fiquei zerado nessa última semana do mês. Mas logo notei que, em contrapartida, a eliminação dos salgadinhos, doces, snacks, barrinhas, refrigerantes, congelados, todas essas porcarias que digerimos rápido, gerou uma boa economia porque, no final, elas encareciam demais as nossas compras (você já se ligou em quanto custa um Doritos?!). Percebi, com a mudança na dieta, que consigo ficar mais tempo sem comer, porque os alimentos mais próximos do seu estado natural e combinados do jeito certo têm perceptivelmente uma absorção mais lenta e eficiente. Outro ponto positivo: no período de experiência, a redação toda ficou doente por conta de uma terrível virose, e eu não.

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Flávio Passos em ação. Foto: Santa Rita Filmes.

Além de começar a fazer a minha própria comida baseado nas receitas do Flávio Passos, tiradas de livro e vídeo, algo que necessitei aprender foi a identificar o que é ou não comida de verdade só de olhar os rótulos. Uma coisa básica pra quem está começando: o primeiro ingrediente listado nas embalagens é obrigatoriamente o que está em maior quantidade no produto. Assim, descobri que algumas barrinhas "de proteína" são na verdade barrinhas de açúcar, e não de proteína. Fora isso, qualquer produto que contenha aditivos, corantes e adoçantes sintéticos, inclusos o aspartame, o glutamato monossódico, sequestrante EBQT, entre outros, é um veneno.

"Os realçadores de sabor poluem a nossa corrente sanguínea, pois eles têm o único propósito de tornar uma comida feita com ingredientes de baixa qualidade mais irresistível ao nosso paladar", argumenta o especialista. Nos rótulos de comida pronta, congelada ou não, evitei também comprar qualquer produto onde viesse escrito: gordura vegetal, glutamato monossódico, benzoato de sódio, corante caramelo, glucose de milho e açúcar invertido. Ou seja, comecei a passar reto pela maioria das prateleiras do supermercado.

O que achei bom nessas duas semanas de alimentação estrita é que resolvi a insônia, a agitação mental e a fadiga. Comecei a acordar mais cedo e a andar de bicicleta todo dia. Também senti a pele melhor. Ainda que eu seja permissivo, algumas coisas não são mais protagonistas do meu cardápio. No café da manhã, almoço e jantar, evito alimentos de baixo valor nutricional que são puro sódio e açúcar. Quem quiser entrar nessa precisa ter disciplina. Tanto pra assumir a dedicação à pesquisa pra achar as fontes certas, comparar preços e fazer as compras do mês com planejamento prático e econômico, como para vencer a preguiça e incorporar o preparo da própria comida à rotina diária (e, claro, lavar todos os utensílios depois).

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Atendendo a um pedido do Flávio Passos que chegou por e-mail após a publicação desta matéria, reproduzimos aqui a entrevista completa que fizemos com ele.

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