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Música

O Melhor Fotógrafo do EDM

Levamos um papo e tanto com o holandês Rutger Geerling que hoje é o mais requisitado fotógrafo do mundo da música eletrônica.
Foto do Ultra Festival 2014 que rola em Miami.

A fotografia apela aos cinco sentidos. Eu sou do tipo que só de ver uma imagem começa a imaginar a textura do lugar, o cheiro, a temperatura, a ver mais do que estou observando no momento, a escutar os sons que vão se desencadeando. Fico o dia inteiro na internet vendo imagens das festas mais loucas que acontecem ao redor do mundo e sempre acabo pensando algo como: "eu deveria estar lá". Se temos esse tipo de desejo só de abrir um link, é porque alguém decidiu captar exatamente este momento e não outro.

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Mais ou menos em 2002 eu descobri o fotógrafo que vem sendo o meu favorito até hoje. Ele se chama Rutger Geerling, nasceu na Holanda e, em dado momento de sua vida, foi parar no lugar certo, rodeado das pessoas certas. Sua lente se tornou famosa por ter uma boa abordagem da figura do DJ, um artista que atualmente está por todo lugar mas que há uma década atrás poucos reconheciam como tal. Hoje em dia todos acreditam que ser retratá-los é algo fácil, parece divertido ir a um show e dizer: "sim eu sou fotógrafo da pesada, tenho uma credencial eu vou onde quiser", mas essa é uma mentalidade pobre de quem só quer surfar na onda de popularidade, enquanto outros fazem o trabalho duro por anos a fio.

A internet é algo maravilhoso e o próprio Rutger reconhece: "é incrível como hoje podemos estar conversando você e eu, através de um computador, em partes diferentes do mundo. Eu sou um cara que ama a tecnologia". Quando perguntei se ele se sente atraído pelas novas câmeras que saíram no mercado e que permitem que qualquer um possa tirar fotos se achar o bonzão. Diante da nova onda de fotógrafos que aparentemente vão lhe tirar o emprego, Rutger me olha pensativo e diz: "a concorrência tem sido dura, mas sou eu quem mais estou aprendendo com eles, porque são jovens e trazem novas ideias".

Rutger conversou comigo via Skype no estúdio de sua casa, onde seus filhos apareciam para cumprimentar o tio desconhecido, porque sim, sempre se deve agradecer o gesto das crianças de querer cumprimentar, "com quem o papai está falando?". Pelo menos pareceu ser isso o que Rutger dizia a eles, pois eles nos interromperam mais de duas vezes durante entrevista, para aparecer na câmera e me saudar em holandês. É claro que eu não entendi nada, apenas sorri e devolvi a saudação, mas essas distrações me mostraram que Rutger é uma pessoa que não se desconcentra facilmente. Mesmo com seu filho sentado no colo, Rutger seguiu respondendo muito sério a tudo o que eu perguntava, se concentrando em explicar em palavras o que seus olhos e sua lente captam.

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THUMP: Olá Rutger! É um prazer voltar a falar contigo, sei que é difícil te achar. Poderia nos falar um pouco sobre como você começou a ser fotógrafo?
Rutger Geerling: Tudo começou na universidade. Eu estudava administração pública, mas sempre odiei o curso. Quando terminei a faculdade, decidi tirar um ano para me colocar à prova e ver se eu levava jeito para a fotografia, ou se deveria continuar com a administração. A verdade é que eu aproveitei muito bem esse ano e foi quando um amigo meu tinha duas revistas, sendo uma delas de música. Assim fui entrando no negócio e logo tudo saiu de controle. Isso foi em 1995, quando não existiam fotógrafos profissionais de música eletrônica na Holanda. A cena de hardcore era a que mais organizava eventos, mas também trabalhei em shows grandes. De repente eu já estava fotografando para a ID&T e para a Philip Morris, e logo surgiram outros eventos grandes em Amsterdam, tudo foi crescendo mais rápido. A ID&T me deu bastante apoio, de repente o Ultra de Miami me chamou e agora eu estou por toda parte. Se você olhar a minha agenda, ela está lotada até outubro e já estão surgindo eventos para novembro e dezembro. É uma loucura! Cursei a faculdade mas não a uso para nada hoje em dia.

E você era dessas pessoas que têm que estudar algo para agradar aos pais?
Eu detestei o meu curso. Terminei ele e pronto. Me dei esse ano livre para ver se levava jeito pra fotografia, na verdade eu não queria dar o braço a torcer. No começo eu ganhava pouquíssimo dinheiro, mas não tinha problema porque eu gostava muito do que fazia. É algo louco que eu esteja onde estou agora, mas talvez haja algo de predestinado nisso.

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Você fez algum tipo de oficina de fotografia na universidade?
Não. Aprendi sozinho enquanto tomava notas de como fazer e testar eu mesmo. Tudo isso foi antes da era digital, o que tornava a coias mais complicada mas mais interessante também. Ninguém usava olho-de-peixe, ninguém tirava fotos escuras, porque todo mundo usava o flash. Eu fazia o que tinha vontade e continuo fazendo. Teve um cliente que gostava que as minhas fotos transmitiam calor, tudo era mais natural, não a típica foto com movimento e luzes se movendo. Nunca me prendi a um só estilo, também tirava fotos embaixo d'água, o que fez com que meu ponto de vista fosse mais amplo.

Eu gosto da ideia de que ao fotografar pode-se contar uma história. O que eu tento fazer é buscar os momentos que me ajudem a contá-la. Não busco apenas o DJ, mas o momento certo. Se você estiver comigo enquanto eu estou trabalhando e estiver me falando algo, é possível que eu te largue no meio da conversa pra fotografar algo que vi naquele no momento.

Já que você mencionou que gosta de contar histórias, qual é pra você a história da música eletrônica?
É diferente dependendo do lugar. Nos Estados Unidos é algo muito curioso porque ela continua tendo um sentido de comunidade. Na Holanda estamos sobrecarregados de bons eventos de música eletrônica, a oferta é enorme. Gosto muito de ver que as pessoas estão curtindo e formando comunidades baseadas na música. Se eu puder fotografar isso ficarei muito feliz. Estou em tantos lugares que às vezes é difícil pra mim ver o que é novidade, mas quando você anda com as pessoas tudo se torna mais natural e fácil.

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Você se lembra qual foi a primeira fotografia pela qual a ID&T te contratou?
O curioso é que eu estive no Sensation desde a primeira edição, no ano 2000. Eles gostaram tanto das fotos que publiquei na revista do meu amigo, que se apaixonaram por elas imediatamente e me contrataram para ser o fotógrafo oficial deles. Foi assim que tudo começou.

Qual é o seu favorito?
Ocean of White, sem dúvida. É o melhor que já fizeram, ainda que todos sejam muito técnicos e geniais, eu estou apaixonado por esse. Toda a atmosfera, a decoração, tudo está no lugar certo. E como eu sou mergulhador ele cai como uma luva pra mim. É meu favorito. De fato, se você perguntar aos outros fotógrafos, eles todos te dirão que esse é o melhor para fotografar porque o resto dos Sensation são muito escuros e este é luminoso e cheio de cores.

Você utiliza as técnicas de fotografar animais marinhos para fotografar os ravers?
Não não, haha. Seria bom levar a minha câmera à prova d'água. Embora eu vá levá-la de fato a uma festa na praia no Ultra Croacia. Vai ser muito louco, na última vez que fui foi incrível.

Você continua fotografando para a National Geografic?
Sim, mas faço no máximo um trabalho por ano. Estou bastante em contato com eles para fazer algo novo, não posso contar agora mas garanto que vocês vão gostar muito. Quero que saia a nível internacional, mas eles estão meio reticentes em fazer isso, é difícil que não tenha alguma repercussão, mas uma vez fizeram um especial de Hip Hop e não foi muito bem. Eles têm medo que outra edição dedicada à música não funcione, mas eu gostaria muito que fosse lançado em nível internacional. Vamos ver o que acontece.

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Como alguém que gosta de contar histórias, como foi pra você a história do Ultra de Miami deste ano de 2014?
Foi incrível, é a terceira vez que eu vou mas fiquei muito emocionado. No que se refere à fotografia não foi muito fácil, porque era muito escuro e isso dificultou as coisas. A atmosfera dentro e fora do lugar estava ótima. O palco principal é sempre a maior atração, mas eles oferecem muitas coisas no resto dos palcos, tem muita coisa para se fazer. Há vários novos artistas para se ver, que enriquecem a cena e fazem dele um grande evento. Ainda que pra mim o palco principal seja o centro das atenções por conta das fotos enormes que se pode fazer, há outras coisas a serem vistas lá.

Eu estive trabalhando junto com o Drew, o Rukes, que se foca bastante em tirar boas fotos dos artistas, mas eu gosto muito também de tirar fotos de outras coisas que não sejam apenas os artistas. Os shows do Carl Cox e do ASOT foram difíceis de fotografar porque os painéis LED dificultaram muito as tomadas. Para mim foi um grande desafio, mas eu adorei a experiência.

Como é ser você durante um festival?
Há muita pressão. As pessoas têm prestado muita atenção ao que eu estou fazendo, então tenho que cumprir com as expectativas. Tem muitos fotógrafos que estão começando a ser tão bons quanto e isso me estressa, mas também me motiva a superar o que estou fazendo. Eu costumo ficar sem descanso e sem dormir, porque há tanta coisa para fazer que eu não posso me dar ao luxo de baixar a câmera.

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A camaradagem entre os fotógrafos é boa, o que ajuda muito no trabalho. É muito divertido e cada vez é diferente. A ID&T me ensinou muito sobre como a coisa tem que ser sobre a experiência completa, não focar-se apenas nas fotografias, mas em tudo. A Ultra, ao contrário, reconhece muito quem está atrás da câmera. O que é muito bom, porque tem ajudado muito as  minhas páginas de Facebook e Twitter. Com a ID&T isso não aconteceu muito, mas agora que o meu trabalho é conhecido em nível mundial, as pessoas ficam surpresas que tenha sido eu que tirei aquelas fotos. Eu gosto de falar com as pessoas sobre o meu trabalho, ajudá-los a ser fotógrafos melhores, é muito legal e às vezes eu tenho que me beliscar pra acreditar que isso é real, mas é incrível. O público está começando a me reconhecer, me cumprimentam, eu fico muito orgulhoso de ter trabalhado tão duro para conseguir chegar onde estou hoje em dia.

Antes as redes sociais não eram tão importantes, e agora você como um dos fotógrafos mais famosos desde sempre, como você se integra com tudo isso?
Não gosto das pessoas que recortam fora as marcas d'água para não dar crédito ao trabalho, mas você vai descobrindo que há mais gente interessada em compartilhar o seu trabalho do que o contrário. Tem muita gente que está começando apreciar mais a fotografia, e isso é muito por conta da era digital. Me chegam pedidos de todos os cantos do mundo e isso faz eu me sentir muito bem, é incrível, e espero que isso nunca pare de me surpreender. Tudo é muito especial: a vida que vivo, o que vejo, tento aproveitar tudo o que estou vendo não quero crescer nunca haha, tudo é fantástico. Eu amo o meu trabalho.

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Os fotógrafos também são como artistas. Já pagam para vocês viagens de primeira classe, vôos particulares, bons hotéis. Como você vive?
Bom, isso de primeira classe está muito longe de mim, mas sim é muito legal tudo o que eu tenho vivido.

Eu vi que você até viajou de avião particular com o Fedde Le Grand.
Sim! Foi uma experiência incrível, como eu disse, eu tenho que me beliscar pra saber que não estou sonhando. Agora em maio eu trabalharei muito proximamente com o Nicky Romero, que é um dos DJs que eu mais admiro atualmente. Assim como o Rukes trabalha muito de perto com o Zedd, eu já tive esse tipo de relação com o Armin anteriormente. Estou empolgado para ver como funcionará desta vez.

Você teve oportunidade de fotografá-lo?
Não! é um dos poucos que não fotografei. Eu vi ele há alguns anos atrás mas não tive a oportunidade de fotografá-lo. O que ele fez pela música é incrível.

Ainda resta alguém que você não tenha fotografado?
Vi todos os grandes DJs, fotografei quase todos, cerca de 95% deles. Talvez não todos mas a maioria. Houve um tempo em que tudo acontecia no Reino Unido e eu estava na Holanda, mas foi um pequeno período, a maioria eu tenho em foto.

Como você sente o trato dos fotógrafos por parte dos artistas que agora são mais divas?
É algo mais recente. Esse ano no Ultra foi tudo mais complicado, porque queria que tudo estivesse bem coordenado com os responsáveis pelos cenários dos DJs. No Tomorrowland também é difícil trabalhar, porque o espaço é super limitado, mas eu tenho acesso ilimitado, o que me ajuda muito porque posso me movimentar melhor. Há seis ou sete anos atrás eu não imaginava que fosse preciso fazer tantas relações públicas para te ajudar na carreira. Por exemplo, o Nicky Romero usou uma das minhas fotos como capa do seu Facebook, e ela tinha o meu logo, o que ajudou muito o meu trabalho porque isso também me divulga.

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Hoje em dia todo mundo é DJ, e todo mundo é fotógrafo de DJ também. Que conselhos você daria a quem quiser realmente ter um nome na cena?
O mais importante é que ele saiba que isso vai levar muito tempo. Todos acham que serão um Rukes ou alguém como eu em pouco tempo. Leva tempo até você ser notado pelas pessoas. Nem todos os acontecimentos são fáceis de se fotografar. Os grandes são mais fáceis mas os menores não são. Se dar bem com os empresários é bom, mas não vale a pena se concentrar neles apenas para estar no palco. Há tanta gente que já está fotografando os DJs que pra que fazer o que todos fazem? Existem muitas coisas nas quais se concentrar além do artista. Levem seus equipamentos, sejam agradáveis com os outros, respeitem-se, não é apenas a sua foto, é também como você lida com os outros. Leve um tempo para crescer.

Hoje em dia todo mundo é DJ, e todo mundo é fotógrafo de DJ também. Que conselhos você daria a quem quiser realmente ter um nome na cena?
O mais importante é que ele saiba que isso vai levar muito tempo. Todos acham que serão um Rukes ou alguém como eu em pouco tempo. Leva tempo até você ser notado pelas pessoas. Nem todos os acontecimentos são fáceis de se fotografar. Os grandes são mais fáceis mas os menores não são. Se dar bem com os empresários é bom, mas não vale a pena se concentrar neles apenas para estar no palco. Há tanta gente que já está fotografando os DJs que pra que fazer o que todos fazem? Existem muitas coisas nas quais se concentrar além do artista. Levem seus equipamentos, sejam agradáveis com os outros, respeitem-se, não é apenas a sua foto, é também como você lida com os outros. Leve um tempo para crescer.

Você pensa em fotografar música eletrônica para o resto da vida?
É uma ótima pergunta. É muito cansativo e desgastante, mas é claro que eu gosto muito de fazer. Eu gosto de me renovar e descobrir coisas novas. Tenho feito tantos eventos e coisas que às vezes é difícil me renovar. Há partes do meu trabalho que se tornam meio repetitivas; no momento em que eu deixar de gostar eu deixarei de fazer. Já tenho 43 anos mas ainda tenho algum tempo pela frente.

Quem é o seu fotógrafo favorito atualmente?
Hmmm. Eu gosto muito do que faz o Kevin Verkruijssen (Kevin EDM). Acho que é um dos fotógrafos mais subestimados atualmente. Ele é o meu braço direito em vários festivais, agora no Ultra ele fez um trabalho incrível. Gosto muito do que o Rukes faz, ele sempre consegue aquela foto  que te pira a cabeça. Ele leva muito tempo até conseguir uma foto dessas, mas consegue. E tira 100 fotos que não são tão boas mas sempre consegue A foto. É um cara muito bom. Tem muitos caras bons atualmente, dá gosto de ver. todos nós elogiamos os trabalhos uns dos outros, não somos tão competitivos, por isso a atmosfera de trabalho é muito única. Não ficamos nos apunhalando pelas costas. Há muito material bom por aí.

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Na redação nós acreditamos que o Trino tem EDM nas veias - @trinodj

Tradução: Stan Molina