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Música

Conversamos com o Gui Boratto Sobre seu Novo Disco, 'Abapuru'

Nome brasileiro que conquistou seu lugar ao sol na EDM gringa, o DJ e produtor conta como seu som é resultado da improvável mistura entre Black Sabbath, guitarras, sintetizadores, produção de bandas de forró e 'Cidade de Deus'.

Cheeseburguer foi o prato que o produtor e compositor Gui Boratto escolheu para o almoço no Red Bull Station, no centro de São Paulo, durante nossa entrevista, no início de agosto. Durante os dias 5 e 6, ele ministrou um workshop de dois dias no espaço, dissecando seu processo criativo para dez pessoas escolhidas a dedo. Sua passagem pelo Brasil acontece em meio a uma pausa da sua turnê durante o verão europeu, além, é claro, de uma dose de saudades da esposa e da filha de 10 anos, que já está muito grande pra faltar na escola e acompanhar o pai pelo mundo.

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Conhecido por seu som orgânico, Gui Boratto é um dos principais nomes brasileiros a ter conquistado lugar na cena de EDM internacional. E o DJ e produtor joga nas onze. Há três anos, ele é o curador por trás do novo selo de música eletrônica, o D.O.C. O selo já lançou sons da dupla Elekfantz e dos curitibanos do Shadow Movement. E ainda neste ano, a D.O.C prepara-se para lançar um single do próprio Gui Boratto numa co-produção do Mixhell.

E você acha que acaba por aí? Nada disso. Gui Boratto já tem data marcada (29 de setembro) para liberar o disco novo, Abapuru, pela Kompakt - a mesma gravadora que lançou seu último álbum, III, de 2011.

No papo que tive com o cara, questionei sobre tudo isso e aproveitei para descobrir que a soma entre Black Sabbath, guitarras, sintetizadores, jingles, produção de bandas de forró e Cidade de Deus é um belo resumo de como ele se lançou no universo da música. Se liga:

THUMP: Como começou o seu relacionamento com a música eletrônica?
Gui Boratto: Eu não faço essa distinção, de música eletrônica, até porque meu pai me deu primeiro sequenciador quando eu tinha 14 anos, em 1988. E o sequenciador é o coração, é onde você programa instrumentos. Na época só existia MIDI, não existia edição não-linear em computador e tal, mas já era música eletrônica. Eu tinha formação de rock, né. Tenho 40 anos, então eu gostava de… Quer dizer, no começo eu era bem bitolado em metal, gostava de Black Sabbath, de Kiss. Ai fui amadurecendo um pouco, ficando mais velho, e comecei a gostar de bandas pós-punk, que já flertavam com sintetizador. The Cure, New Order, Depeche Mode, Sisters of Mercy, Echo and The Bunnymen e por aí vai.

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Nessa época você tinha banda?
Eu tinha várias bandas. Comecei tocando guitarra com uns 12 anos. Aos 14 anos, o tecladista da minha banda comprou um CZ3000 e um DX7, dois sintetizadores. E como eu já tinha extrema intimidade com teclas, por ter estudado piano desde os 8 anos, foi meio que um pulo pra abandonar as guitarras. Foi quando eu ganhei meu sequenciador. E eu e o Paulo, esse cara que era da minha banda, tocávamos guitarra e baixo até que viramos dois tecladistas. Nessa época, fiquei nessa brincadeira de techno pop. Quando me enchi dessa formação básica - baixo, batera, guitarra - , passei pro synth naturalmente. Daí comecei a fazer música pra publicidade, trabalhava numa produtora de cinema.

Sério?
Fiz muita trilha, muito single. Sabe o Parque da Mônica? Então… Fiz muito comercial de TV também… Até que eu me cansei, porque trabalhar com mercado publicitário é muito dificil. Tinha uma época que eu era muito mais técnico do que produtor, a gente montou um estúdio na Paradoxx, gravei muitas bandas. Banda de rock, banda de forró. Fiz muita coisa em diversas áreas da música, não só na produção de música eletrônica. Em 2003, foi quando o Antonio Pinto fez a trilha sonora do filme Cidade de Deus. E o Hank Levine, que é [ex]marido da Andréa Barata Ribeiro da O2, resolveu fazer remixes da trilha original do Antonio. E eu lembro que esse vinil foi feito por mim, pelo Mau Mau e pelo Cohen. E foi a primeira vez que eu assinei com meu nome, mesmo sendo só remix. O primeiro single que eu fiz, assinando Gui Boratto, totalmente autoral, acho que foi em 2003 ou 2004 pela Plastic City - que é uma gravadora extinta hoje. E em 2005 eu lancei meu single, o Arquipélago, que acabou virando um clássico, meu primeiro single com a Kompakt. Ai sim eu comecei a minha história, resolvi fazer um álbum, o Chromophobia. E agora estou lançando meu quarto álbum, dia 29 de setembro.

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Esse novo álbum, chamado Abapuru, é uma espécie de retomada do clima que envolve seu primeiro álbum. Por quê?
Ah, você não escolhe isso, né? Você vive. Tudo que a gente faz na vida, principalmente envolvendo formas de expressão da arte, é parte da vivência. Tudo que você vivenciou e vivencia, até o seu astral, seu mood, você acaba colocando no seu trabalho. Não foi nada pensado, até porque eu não consigo fazer nada forçado. Então eu fiz o Chromophobia, que é um álbum meio ingênuo pra falar a verdade. O Take My Breath Away é quase uma continuação e o meu terceiro disco, que até então era meu álbum favorito, eu sigo um approach bem rock. É meu álbum mais agressivo, mais obscuro. E naturalmente eu senti necessidade daquela coisa mais solar. Então a hora que eu me dei conta disso, bem no meio da produção do álbum, vi que era um álbum muito próximo do Chromophobia. É uma colcha de retalhos onde eu coloco um pouco de tudo que eu já vivi. Tem dois momentos da minha vida que são muito claros em termos de referências. O primeiro é naquela época em que eu escutei muito rock e depois, no início dos anos 80, com aquelas bandas de rock que começaram a usar elementos eletrônicos. E o segundo momento foi depois que eu casei, quando comecei a escutar bossa nova, bolero, outro universo. Engraçado como eu demorei pra conhecer música brasileira. No Abapuru não tem nenhuma música velha, são todas composições novas, não existe nada que eu remodelei. Acho que por isso que eu demorei um ano a mais para lançar esse disco - diferentemente do intervalo de dois anos que eu mantive entre os outros lançamentos. Eu cheguei sem querer no conceito de antropofagia, por conta dessa deglutinação, dessa captura de referências, que eu coloquei no álbum. Era pra ser esse o nome, mas é dificil né? An-tro-po-fa-gia. Imagina um alemão falando isso? A tela da Tarsila veio antes do movimento, ela deu inicio ao movimento. Eu já queria brincar com a capa, fazer uma releitura dessa obra, então eu batizei de Abapuru mesmo. É um nome mais fácil, mais fofo. Antropofagia parece uma doença, sei lá…

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Você começou um selo agora, para apadrinhar artistas novos, chamado D.O.C. O que quer dizer essa sigla?
Eu sou apaixonado por comida, de uma forma geral. Em todos os lugares em que vou tocar eu já sei onde eu vou comer. E sou neto de italiano. No final dos anos 70, começo dos 80, tinha uma bagunça com os vinhos italianos. Então eles fizeram um certificado que assegurava não só a qualidade mas a origem de determinado produto. O nome do selo é uma brincadeira com esse certificado, D.O.C., que significa Denominação de Origem Controlada. A bandeira do meu selo não tem um estilo pré-definido. É claro que a gente está falando de techno de uma forma geral, mas num panorama muito mais amplo. Se você pegar os lançamentos, eles são bem diferentes uns dos outros - o projeto com o Mixhell, por exemplo, vai ser o de número quatro. Mesmo com o meu trabalho, não sigo uma linha específica, aliás, nada específica. Eu transito por muitas vertentes do universo do techno, vamos dizer assim. Então, o D.O.C. tem essa pegada de não ser uma coisa só, como "ai, eu sou deep house, sou techno A, B ou C". Não! Eu acredito muito no bom gosto, acredito na música quando ela é boa, independente do estilo. O D.O.C. não tem a preocupação de fazer singles pra club ou pra pista, esse não é o intuito.

Então o D.O.C vai prezar mais pela qualidade do som do que pelo gênero.
Mais do que pelo gênero e mais que pelo hype do nome do produtor em questão. É uma degustação às cegas, tanto que nas fotos de divulgação eu estou com o rosto vendado. Isso porque a música é boa, e não porque quem fez a música tem um histórico. Já me mandaram nomes de pessoas que estão aí há 20 anos e eu não gostei, e ao mesmo tempo tem gente que acabou de entrar no mercado - como o lançamento 002, o Shadow Movement, que são bem novinhos.

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Como você faz essa curadoria? Você se reserva um tempo para procurar por esses produtores ou eles chegam até você?
Há muitos anos as pessoas já viviam me mandando música. E eu tenho um parceiro, o Alê Reis - ele tem um projeto chamado Nomumbah e também era do projeto Dubshape com o João Lee, filho da Rita Lee -, que tem extremo bom gosto e muito tempo livre. O Alê adora fazer esse garimpo. Enfim, ele escuta com calma tudo que as pessoas mandam. Então ele já faz um filtro, uma pré-seleção, e a gente meio que decide junto. Ele tem tempo para me ajudar, principalmente nessa área. Agora, eu que defino as datas dos lançamentos, como que vai ser, até detalhes das capas. Porque a gente faz vinil em primeiro lugar. Nós lançamos poucos artistas, num tempo relativamente bem espaçado, mas com todo o carinho. E o artista tem que ter orgulho do produto que está lançando, da arte da capa ao tipo de material utilizado. Isso pra mim é muito importante, principalmente porque os labels pararam de lançar material físico, lançam só de caras muitos grandes. Eu não penso assim. Até porque o dinheiro do artista vem da noite, de club, de festival. O dinheiro de vendagem, até de download, é meio que um troco.

E essa ideia de ter um selo é coisa antiga ou foi um insight mais recente?
Em 2005, 2006, eu lancei o meu primeiro single pela Kompakt. Depois veio um amigo meu com um som que eu escutei e achei animal. Foi assim que sugeri pra Kompakt, eles adoraram e lançaram. O Dadá foi outro caso. Em 2008, 2009, ele me mostrou um som e eu pirei, fiz um remix e a gente mostrou pra Kompakt. E o Michael Mayer começou a me questionar: "Gui, você conhece um monte de gente que a gente não tem o mínimo acesso. Você não quer montar o seu selo, sua própria plataforma? Não pra você lançar coisas exclusivamente suas, como a maioria dos produtores fazem, mas pra novos talentos". Aí eu pensei: "Meu, o que eu sei fazer é música". Não queria desperdiçar esse tempo que eu poderia usar pra fazer música nova. O Michael de vez em quando tocava nesse assunto e assim passaram-se oito anos. Até que ano passado ele voltou com isso, e eu já estava envolvido com o projeto do Elekfantz, já tinha descoberto o Shadow Movement, então achei que estava na hora de criar a família D.O.C. Não só criar uma plataforma pra lançar esses artistas, até então newcomers, mas eu estou disposto a lançar coisas de outras pessoas, estrangeiros, não tenho esse preconceito. Inclusive eu vou lançar um cara  russo em breve - pirei no som dele. Então não é um selo voltado exclusivamente para artistas brasileiros.

O Gui está, lógico, nas redes sociais:

facebook.com/guiboratto
twitter.com/guiborattomusic
soundcloud.com/gui-boratto

A Anna tira foto, escreve, agita luau na pracinha e curte dreads. Siga ela no Twitter: