Este artigo foi originalmente publicado na VICE França.
São dez da noite na ponte de Tournelle. A Catedral de Notre Dame de Paris está a arder há mais de três horas. Demorei meia hora de táxi para chegar aqui. Não foi fácil escolher os atalhos, parece que todos os parisienses estão a tentar chegar aqui. Desde as sete da tarde que não tiro os olhos das redes sociais e dos canais de notícias. Tive muitas dúvidas sobre se viria, demasiado doente, demasiado surpreendida pelo que está a acontecer. Mas, depois pensei que era um momento histórico e que, se Notre Dame desaparecesse esta noite, gostaria de a ver uma última vez.
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Há pouco barulho no cais, onde os transeuntes se reúnem para observar a parte traseira da Catedral. Onde mais arde, onde, nesse momento, as chamas eram tão altas quanto as duas torres deste edifício com 856 anos. Centenas de pessoas começaram a cantar “Ave Maria” em loop, com os olhos cravados nas chamas e nos jactos de água dos bombeiros. Curiosamente, acaba por ser relaxante. À volta da Catedral, outros parisienses e turistas observam o triste espetáculo, sentados nos passeios, meio montados nas suas bicicletas ou apoiados no muro da ponte.
Vê: “Porque é que os EUA estão a restaurar a Catedral de Notre Dame, em França“
Ao longo da nossa caminhada, desde a Pont de la Tournelle até ao Hôtel de Ville, a multidão espalhava-se pelas pontes e plataformas, os iPhones sempre na mão, muitos com os olhos em lágrimas. Poucas vezes vi tanta gente na rua a uma segunda-feira à noite. Quando os bombeiros passavam, as pessoas aplaudiam antes de continuarem a sua desolada contemplação.
Perguntei a alguns dos parisienses que fui encontrando o que estavam a sentir naquele momento.
Eva, 29 anos, controladora aérea

“Vivo no distrito 13 e vimos o fogo da cozinha. Antes vivíamos no quinto e costumávamos passar o tempo a admirar Notre Dame, era o nosso passeio preferido. Estou triste, horrorizada, chocada. Digo a mim própria que não a vimos o suficiente e que podemos arrepender-nos. É um pouco como chorar uma pessoa, apesar de ser um monumento, o sentimento é o mesmo para mim. Para além disso, sou católica, há uma dimensão espiritual. É uma mensagem? Não sei, dado o actual estado do Mundo, quem sabe? Ou será terrorismo? De certeza que há mais pessoas a pensar que sim”.
Jabu, 20 anos, estudante de cinema

“Obrigaram-me a vir. Estava a beber copos com amigos quando vimos as notícias nas redes sociais. Eles ficaram muito mais afectados do que eu, por isso decidiram vir até aqui. A mim parece-me mais divertido do que triste: um símbolo que arde, faz-me rir. Se tivesse havido mortes seria diferente, mas neste caso são só danos materiais”.
Christelle, 42 anos, agente de transportes públicos

“Cresci nos subúrbios e as minhas únicas deslocações a Paris quando era pequena eram para ir à Opera e a Notre Dame. Surpreendeu-me muito a notícia e não consegui ficar à frente da televisão. Estou devastada, é terrível. Sinto que perdi um membro da minha família. Esta Catedral está ligada à minha infância e à República, é a minha âncora a França. Quando ouvi as notícias, tive dores de barriga, não conseguia acreditar. Pensei ‘será que amanhã já não vai cá estar? O que vai sobrar de Notre Dame? Na verdade, vim porque tinha medo de não a voltar a ver. Vim com a minha filha, apesar de ela ter escola amanhã. Queria-a aqui comigo”.
Philippe, 60 anos, reformado

“Cheguei há três quartos de hora. Quando vi que Notre Dame estava a arder pensei que controlariam o fogo mais rapidamente, mas já se passaram três horas desde que começou. É um monumento histórico e estou invadido por um sentimento de tristeza. Se há tanta gente aqui hoje é porque isto é mais que um simples incêndio, terá um grande impacto. Temo que seja muito grave”.
Louis, 21 anos, estudante de mediação cultural e Aymeric, 21 anos, estudante de direito

“Vivemos no distrito 15 e mal nos apercebemos, viemos. Estamos aqui há três horas. Não sabemos se por simples curiosidade, se porque somos parisienses, ou se é porque só acreditamos no que vemos. Mas, ainda não assimilámos, é incompreensível. Algo parecido com os ataques de Paris, não o compreendemos enquanto estavam a acontecer, apesar de esta noite, felizmente, não haver vidas em jogo. Notre Dame é parte da identidade parisiense e francesa. Temos exames amanhã, mas vamos ficar aqui uma boa parte da noite, pelo menos até a situação estabilizar. E se cair, ficamos”.
Théo, 19 anos, estudante de cinema e Clélia, 18 anos

Theo: “Estou aqui há uma hora. Vi as notícias às sete, na televisão e, imediatamente, disse a mim mesmo que tinha de vir. Sou parisiense, nasci aqui. E Notre Dame, tanto para mim como para todos, acho, é o maior monumento de Paris. É parte intrínseca de Paris. E se não conseguirem apagar o fogo será um desastre. Pode colapsar… Nem sequer consigo encontrar as palavras, estou com a cabeça noutro sítio”.
Clelia: “É surreal, pensei que era uma piada quando recebi a notificação. Nem sequer queria vir. E ainda não apagaram o fogo! Estou devastada”.
Abaixo podes ver mais fotos do incêndio de Notre Dame.











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