Sexo

Fazer sexo durante a semana é uma missão impossível

stel in bed

Viver com epicidade é complicado nos tempos que correm. Os feitos vão-se tornando cada vez mais banais e irrelevantes, em parte graças às comodidades que temos e em parte pelo contrário: porque o mundo parece estreitar-se cada vez mais. Porque parece que, sob a aparência de que podemos viver de forma cada vez mais diferente, cada vez mais livre e com mais opções, fomos condenados a viver cada vez mais iguais.

Andava com isto na cabeça esta semana, quando me disseram no escritório que era impossível fazer sexo durante a semana e eu disse que não, que isso só acontece aos preguiçosos. Mas quando perguntei às minhas amigas que estão em relações sérias, tive que repensar. Todos me responderam que a média de quecas que mandavam de segunda a sexta-feira estava entre 0 e, esperançosamente, 1. Uma delas até considerava o dia útil em que fazia sexo com o namorado como um feito.

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A sociedade que provavelmente mais fala sobre sexo da história, a que tem menos tabus sexuais, a que mais rompeu com os estereótipos de género associados ao sexo e a mais hipersexualizada de sempre, que é a nossa, é também a que faz menos sexo. Os millenials têm menos 6 relações sexuais por ano do que aqueles nascidos na década de 1930, o que é um indicador de que algo se passa.

Um dos meus colegas teorizou que o que acontece é que a curva de fadiga e a libido nem sempre andam lado-a-lado. Que, no fim do dia e tendo-se levantado às sete da manhã, trabalhado e ido ao ginásio, tendo passado um bom bocado do tempo nos transportes públicos ou ido a aulas de inglês e depois ao ioga e ao supermercado, o cansaço alcança níveis que, não importa quanta libido, fazer sexo vira uma tarefa quase impossível.

Mas os nossos avós também trabalhavam e iam ao supermercado e até cuidavam de crianças desde muito mais novos do que nós. Talvez a diferença seja que eles não tinham muito mais para fazer, uma vez terminado o dia de trabalho. “O leque de possibilidades de lazer é muito maior, por isso relegamos as relações sexuais a mais uma opção saturada com que ocupar o tempo livre”, explica Carme Sánchez Martín, psicóloga clínica e sexóloga que trabalha para o Instituto de Urologia Serrate & Ribal.

“Há quase trinta anos que me dedico à sexologia e começo a ter uma visão geral de como as relações têm mudado ao longo do tempo. Há 25 anos não havia Internet, a oferta televisiva era muito menor e o nosso estilo de vida era diferente. Entre as razões pelas quais quase não fazemos sexo durante a semana, há uma que tem muito peso: houve uma evolução do lazer“, explica ela. Ou seja, o tempo que passamos a ver a série Sex Education ou a publicar no Twitter o quanto gostamos da série, é tempo que não investimos a pôr em prática os ensinamentos de Sex Education.

“Ter relações sexuais”, diz a sexóloga, “além de tempo, requer esforço. E parecemos cada vez mais os humanos do WALL-E, apoltronados e preguiçosos. Carregar em teclas ou ver uma série no sofá é muito mais simples, mais passivo e mais barato fisicamente do que fazer sexo. Esse é o grande factor, a procrastinação, o pensar ‘faço amanhã, afinal de contas tenho o meu parceiro sempre aqui ao meu lado’. Incorporámos nas nossas vidas esse tipo de lazer, com essa passividade e, nesse contexto, parece que as relações sexuais se tornam mais uma tarefa que temos que encaixar no horário. Além disso, no dia seguinte, quando chegas ao trabalho, comentas os dois episódios que viste, não se fizeste sexo ou não. Há actividades que geram valor social, dão azo a conversas e coesão e, talvez também por isso, tendemos a dedicar-nos mais a elas”.

“Agora deixamos que nos explorem e achamos que é realização pessoal”, disse o filósofo Byung-Chul Han numa entrevista ao El País em 2018 na qual falou, entre outros, do ensaio coreano A Sociedade do Cansaço, que reflecte precisamente sobre uma das razões que usamos quando falamos do tema sexo entre semana.

E pode ser que essa auto-exploração, esse ter que ver todas as séries, todos os filmes, ter que estar a par de tudo o que acontece no Twitter, isso de nos termos convertido em produtores/consumidores a tempo inteiro, nos tenha feito esquecer que sentir e produzir prazer nos nossos parceiros também é uma mais-valia. Ainda que não seja uma mais-valia que possamos partilhar nos Stories ou nas conversas da hora de almoço.

“E depois ainda há isso, claro”, diz Martín Sánchez. “O neoliberalismo gera a sensação constante de ter que estar a par de tudo: séries, produtos que consumimos, o que acontece no mundo. Chega uma altura em que temos a sensação de que temos que contribuir constantemente, produzir valor e fazer cada vez mais coisas para sentirmos que as nossas vidas valem a pena”. Nessa linha está também o Satisfyer e o sucesso estrondoso que teve: embora tenha muitas qualidades, é sintomático desta nossa forma de viver apressada. Não dizemos aos nossos parceiros aquilo que gostamos e queremos; em vez disso compramo-lo, para fazer um check em mais uma tarefa do dia. O sucesso deste vibrador express pode ser um exemplo de como passámos a ver o sexo como mais uma parte do nosso tempo de lazer, quando teria que transcender isso. A precariedade e a pressa do mundo moderno também se aplicam à vida sexual.

Mas o feminismo, devido a algumas das mudanças que trouxe, é outro factor, segundo diz a sexóloga. Um factor que teve um impacto muito positivo nas relações afectivas e sexuais mas que, ao mesmo tempo, contribuiu para que se faça sexo menos vezes do que os nossos avós faziam.

“Antes, se o homem quisesse ter relações sexuais e a mulher não, ela entrava em modo estrela do mar e pronto, fazia sexo na mesma. Agora já não é tanto assim, há maior consciência da importância do consentimento e de não sentir que temos que sucumbir às necessidades do outro quando não nos apetece. Contudo, por outro lado – e isto é uma coisa que trabalho muito nas consultas – criou-se uma ideia de que as curvas de desejo de ambos os parceiros precisam de coincidir em absoluto como condição necessária para fazer sexo. Parece que a nova expectativa é de que o sexo ou é incrível ou não vale a pena de todo, como se não fosse possível haver consenso, apesar desse existir em muitas outras parcelas da intimidade, como na organização das férias ou dos tempos livres. E devia haver. Não temos que esperar que todas as vezes que fazemos sexo têm de ser extraordinárias. Podemos fazer um acordo de tentar namorar mais, de nos irmos dedicando a pôr o outro com vontade. Um dia apetece-te um iogurte, outro dia os restos e num outro um óptimo jantar; o mesmo vale para o sexo. Tens que chegar a acordos, conversar, porque, no fim do dia, estar numa relação é exactamente isso – negociações e acordos constantes em prol de uma vida conjunta mais feliz.”

Carme Martín Sánchez conta que quando na consulta um casal afirma que não faz tanto sexo como gostaria e ela lhes sugere que negoceiem, eles se costumam assustar. Porque achamos que a partir do momento em que é negociado, em que certos aspectos são acordados, o sexo perde a magia. “E não é nada disso”, explica a sexóloga. “tal como quando vais ao cinema ver um filme que não adoras porque o teu parceiro quer muito ir, a mesma coisa acontece no sexo. Existem limites, obviamente. Não estou falar de assédio ou de abuso, mas a quantidade de sexo que se faz também é algo negociável, sobre o qual se pode falar”, diz ela.

Perante essa situação, perante esta época da história sexual em que parece que, como disse Gramsci, “o velho não acaba de morrer, mas o novo não acaba de nascer”, perante a realidade de que pinamos menos que os nossos avós, o que é que podemos fazer para pinar numa Terça, Quarta ou até Segunda-feira, o que é considerado uma tarefa já quase titânica?

“A melhor maneira é procurar momentos que não sejam puramente sexuais, mas que tenham um componente mais erótico. E ter a sexualidade presente no nosso dia-a-dia. Tal como dizes ‘quero ver esta série’, pensa também no que te apetece fazer com o teu parceiro, o que desejas partilhar”, recomenda a sexóloga.

“Além disso, precisamos de lutar contra a preguiça. Costumo sugerir aos casais que se surpreendam, com rotatividade, que se vão surpreendendo um ao outro. Não tem de ser nada ligado a sexo, mas essa atitude irá levar a mais. Isso e passarem tempo juntos. Porque dividir um sofá, com o telemóvel na mão e Netflix na televisão não é partilhar tempo. É partilhar um sofá”.


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