Capela do Senhor da Pedra, em Miramar. Um sítio supostamente calmo, talvez pitoresco, ou mesmo romântico onde gosto de ir sozinha, quando não há ninguém por perto — o que é nunca — para ver o mar. Aquilo está sempre cheio de gente: os pseudo-peregrinos e domingueiros, os putos que lá vão fumar charros “às escondidas”, os alunos de Belas Artes a tirar sempre a mesma fotografia de capelas para o seu Tumblr. Enfim, a afluência é tanta que irrita. Ainda assim há pessoas que não se aproximam por medo. É que a Capela tem um lado negro.
Antes de ser convertido ao cristianismo, este era um lugar de antigos rituais, feitiços e bruxaria. Lembro-me de, em miúda, lá ver restos de uma macumbazinha qualquer: uma galinha morta, um frasco de mel, uma rosa já murcha e uma garrafa de vinho. Não me lembro se havia mais alguma coisa. Fiquei chocada. Não com a ideia de bruxaria, mas com a realidade de um sacrifício animal. Por isso, há uns dias atrás, resolvi falar com a GIFI (Grupo de Investigação de Fenómenos Insólitos) para me dar umas luzes sobre as práticas obscuras (perceberam?) de rituais mágicos ou pagãos naquele local.
Pelos vistos rola de tudo, desde magia branca a magia negra, passando por rituais populares e acabando em magia afro-brasileira. Tudo graças às mãos de videntes, bruxos, as chamadas “senhoras de virtude” e, claro, como fiquei a saber, a mística Senhora do Quispo Azul. Conhecemos essa figura num fatídico dia em que, literalmente, houve merda da grossa. Já vão perceber porquê.
Durante uma madrugada fomos tirar fotografias à igreja e, a certa altura, demos com um grupinho de pessoas mesmo atrás de nós, a apelar ao “nosso senhor Jesus Cristo”. Eles subiam e desciam as escadas, em rezas incessantes. Do que levavam consigo só consegui ver sacos, flores e velas. E lá estava a senhora do quispo azul, a comandar as tropas. A Raquel, com a maior das latas, ainda lhes tirou algumas fotografias, o que só chamou a atenção deles para nós. Como não sei distinguir entre o olhar normal e um mau olhado, decidi ir falar com uns pescadores. Como quem não quer a coisa.
“A senhora do casaco azul é a culpada de tudo! E o pior é que não fazem feitiços p’ró bem. É tudo para fazer o mal”, disseram-nos, confirmando as nossas suspeitas. De volta à capela, a Raquel fez algo que despoletou uma imagem surreal, digna de um filme de terror. Apontou a máquina para a capela no preciso momento em que a procissão, em rezas, passava, o que não passou despercebido a uma das crentes que começou a esbracejar de forma demoníaca, enquanto gritava, com uma expressão igual à da miúda do exorcista, o que deviam ser maldições contra os curiosos. Ainda pensei que poderíamos ser atacadas, mas bazámos dali para não aparecermos na página dos óbitos do JN do dia seguinte.
Deu-nos a fome e fomos à padaria mais próxima comer pão quente. Quando voltámos, ainda apanhámos os pagãos de uma figa a ir embora, já todos rotos de subir-e-descer tanta escada. Era a nossa oportunidade de investigar o local onde a magia acontece (e esta, perceberam?) Foi estranho. Subimos as escadas frontais e não vimos nada à porta. Continuámos a subir e nem sinal das flores nem das velas. A desilusão instalava-se quando a Raquel me perguntou: “Aquilo é merda?”
Pronto. Estava à espera de tudo menos daquilo. Não é que aquela gente que andava louca a rezar ao nosso senhor Jesus Cristo tinha deixado um monte de merda (acompanhada de um fio de mijo) e o que parecia ser um montinho de carvão mesmo ao pé das velas vermelhas? Que feitiços de caca.
Fotografia por Raquel Costa