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Filme ‘Sorry to bother you’ é uma obra-prima do afro-punk

O filme que marca a estreia como diretor do artista Boots Riley é exatamente o que você poderia esperar vindo do rapper que passou anos abordando questões políticas e sociais como o frontman da banda The Coup. Sorry to Bother You se passa em na cidade californiana de Oakland num futuro não tão distante, em que personagens negros falam com “vozes brancas” trabalhando em um telemarketing com um CEO abominável (Armie Hammer) que se veste como Julian Assange sob os efeitos da Ayahuasca.

A figurinista do filme, Deirdra Elizabeth Govan, frequentava a prestigiada faculdade moda Pratt e Parsons no começo dos anos 90, quando ouviu pela primeira vez Boots cuspindo letras revolucionárias sobre capitalismo e desigualdade entre classes. Seus incríveis figurinos para Sorry to Bother You foram muito mais inspirados por aqueles anos de faculdade do que por qualquer critério já estabelecido do gênero de ficção científica distópica. Lakeith Stanfield e Tessa Thompson, que interpretam o telemarketer recém contratado Cassius Green e sua despreocupada namorada artista Detroit respectivamente, são tão punk quanto são hip-hop. Detroit brilha com seus casacos extravagantes de listras coloridas, com o cabelo cacheado igualmente colorido e brincos enormes carregando as sinistras mensagens: MURDER MURDER MURDER / KILL KILL KILL. Cassius parece mais um filhinho da mamãe, e no caso a sua mãe é obcecada por coletes de malha xadrez e gravatas roubadas do guarda-roupas de seu irmão mais novo – eventualmente complementado com uma bandana branca manchada com seu próprio sangue.

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A figurinista entrou em Sorry to Bother You depois de trabalhar com a produtora Nina Yang Bongiovi no filme do Netflix Roxanne Roxanne, sobre a campeã de batalhas de rap adolescente Roxanne Shanté. “Ela me mostrou o roteiro e eu me apaixonei absurdamente,” Govan conta ao i-D. “Eu amei o fato de ter pessoas negras e pardas fazendo um realismo mágico, e levando isso a um outro nível.” Falamos com a designer sobre como foi trazer o perturbado e surrealista mundo do Boots à vida.

Porque o elemento do realismo mágico foi tão imediatamente atraente pra você?
Os personagens são pessoas que frequentaram a escola de design comigo [em Parsons e Pratt]. As pessoas faziam experimentos com seus próprios estilos individuais, elas brincavam com as roupas, brincavam com os looks. Algo que eu curti muito sobre cuidar do design desse filme foi que eu tinha a habilidade de trazer ideias e elas não estavam fora do padrão. Elas estavam em sintonia com os personagens. Parece que a mãe de Cassius o vestiu – ele não faz parte daquela multidão artística. Tem suéteres velhos, calças cáqui, camisetas com mangas ¾, divertidas gravatas coloridas que pareciam vintage – elas são vintage na verdade. Detroit, como uma artista, é a responsável pelo próprio estilo. Ela era muito fiel ao seu espírito como uma boa artista. Os brincos eram parte do seu look, eles não poderiam roubar o seu look. Você tem que encontrar um equilíbrio.

Aqueles brincos são completamente afrontosos. Você mesma os desenhou?
Os brincos são mencionados no roteiro. Então na cabeça do Boots, ele tinha essa ideia de uma mulher que era artista, e tinha esses brincos. Como figurinistas, nosso trabalho é trazer ideias de como podemos transmitir a mensagem. Fomos a vários artesãos para criar as peças. Chamamos um designer gráfico e pedi que desenhasse alguns brincos, então eu os levei para que fossem fabricados. Tudo sobre os brincos é um casamento de grandes ideias e minha habilidade de captar essas ideias, refiná-las e trazer algo muito poderoso que faça sentido para os personagens.

Uma das outras peças memoráveis de Detroit é a camiseta com os dizeres “The Future is Female Ejaculation”. E já é meio que famosa no Instagram.
[Risos] Sim. É de uma loja de Nova Iorque chamada Otherwild. Eles tem muitas camisetas bem gráficas e memoráveis. Me mostraram algumas delas e eu achei super apropriadas para a personagem. Elas realmente condiziam com o visual de Detroit e com o que queríamos retratar. E foi isso. Foi apenas uma grande sorte, de certo modo, encontrar algo que fosse tão perfeito e apropriado. Com Tessa foi só festa e amores. Eu e ela somos muito criativas e adoramos fazer experimentos com roupas. Ela tem uma ótima noção de estilo.

Tessa tem um estilo já meio selvagem na vida real. Assim como Lakeith. Me conte sobre como foi criar figurinos para Armie Hammer, geralmente conhecido pelos tracksuits da adidas.
Passamos por muitas ideias sobre como queríamos que o Steve Lift parecesse. Nos baseamos em pessoas que conhecemos. Ele era superficialmente Steve Jobs, Julian Assange… Mas em vez de ser uma grande mente para o bem, ele criou uma sensibilidade abominável sobre si mesmo. Sua persona era apenas sobre direito e uso de outras culturas. Ele tem kaftans, saias, e elementos equestres. Então concluímos que, já que conhecemos essas pessoas, não queremos recriar o cara de coque. Então vamos fazer algo diferente. Conversamos sobre um cabelo a la Julian Assange, com os brancos, mas decidimos ir contra algo tão direto ao Assange. Então fizemos algo diferente e pintamos sua barba e demos a ele um olho azul e um olho verde. Então toda a evolução do seu estilo foi o fato de ele usurpar de outras culturas. Foi um processo de muitas fases e algo que Armie não tinha antes. Foi bem divertido.

Conte-me mais sobre a escola de arte no Brooklin do começo dos anos 90. Como ela te moldou como designer?
Essa foi umas das coisas emocionantes de trabalhar com Boots. Eu sabia sobre a The Coup na faculdade, então foi bem familiar pra mim. Eu fui pra escola com um cara que se vestia como a Detroit, fui à escola com um cara que tinha um visual interessante, que experimentava inserir looks do hip-hop em looks punk. Fui capaz de usar essas informações e essas fontes pra me inspirar. Estudei design de moda sabendo que iria ao design de figurino, então voltei ao design de moda antes de estudar arquitetura e design. Eu acredito na visão holística de se contar uma história. Narrativas são minha paixão – eu amo contar histórias através de roupas, através de espaços. Frequentar Parsons e Pratt me ensinou muito a enxergar as coisas de diversas maneiras e a solucionar problemas. Eu acho que como designers, nós somos solucionadores de problemas. Design é design, mas no fim do dia, eu gosto de criar mundos. Eu amo criá-los através de espaços, roupas, formas e todos esses detalhes.

Eu vi no seu site a peça de arte experimental sobre encarceiramento em massa que você criou. Sorry to Bother You também parece um mundo bastante imersivo.
Acredito que o ambiente tenha ajudado bastante nisso. Eu podia conversar com o designer de produção – éramos bem próximos em termos de como queríamos que nossos toques visuais casassem e funcionassem bem juntos. Era a mesma coisa com o diretor de fotografia. Foi um verdadeiro relacionamento criativo que nós três formamos, pra ter certeza de que nenhum de nossos trabalhos estivesse fora do eixo. Eu acho que meus conhecimentos sobre design de interiores e arquitetura auxiliou no meu entendimento do que eu precisava fazer como uma figurinista por causa da minha educação e minha profissão.

O quanto viajar influencia no que você traz para os filmes que se passam especificamente na América?
Imensamente. Estou feliz que tenha feito essa pergunta porque viajar é tudo pra mim. Pessoalmente, eu não acredito que seria capaz de contar as histórias que eu conto se não tivesse viajado. Acho que visitei por volta de 27 países, e minha habilidade de enxergar, minha habilidade de analisar por outras perspectivas, de ver culturas e então transmití-las como designer, me ajudou infinitamente. Eu fiz uma sociedade no Tibet, então fiquei na China e no Tibet por três meses. Viajando pela região e visitando o palácio de Dalai Lama, vendo as pinturas, a tapeçaria e as cores… Vivendo na França, indo e vindo, durante sete anos também me influenciou bastante, especialmente na maneira que eu vejo a moda. Eu tento sair do país o máximo que posso – não porque quero sair, mas porque tenho o desejo de explorar e ampliar minha mente. Me torno uma designer melhor quando tenho a oportunidade de fazer isso.

Você já conhecia Oakland antes de trabalhar em Sorry to Bother You?
Eu tenho alguns familiares em São Francisco, então conhecia a história de Oakland, e os movimentos politicos de Oakland, as manifestações de Oakland – muitas coisas que tive conhecimento politicamente e historicamente me tornaram capaz de trazer aquela linguagem para a tela. Especialmente em termos de movimentos artísticos e gentrificação. Estava acontecendo aqui mesmo em Nova Iorque, no Brooklyn, em Harlem. E em muitas outras cidades dos Estados Unidos. Aristas e pessoas com dinheiro podem entrar e mudar a dinâmica de uma vizinhança e consequentemente afetar a cultura – ás vezes positivamente, ás vezes negativamente. Oakland é tão rica em sua história, e também no que está acontecendo agora com toda a mudança na estrutura econômica de compras e de quem está vivendo em qual bairro. É fascinante porque você pode ir à algumas boutiques que são muito diferentes de uma lojinha de esquina. Eu estava aproveitando cada recurso que eu poderia usar como figurinista, como as lojas vintage e a Haight Street, para que eu pudesse contar uma história real nas telas. Eu só queria ser verdadeira.

“Sorry to Bother You” entrou em cartaz dia 7 de julho no EUA, mas não há previsão de estreia no Brasil.

Artigo originalmente publicado na VICE US.

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