O universo pode acabar se comendo de dentro para fora.
Felizmente, físicos estudando o fenômeno, chamado “decadência do espaço-tempo”, acreditam que isso é muito improvável. Ainda assim, a possibilidade é interessante o suficiente para ser estudada em detalhes, cobrindo as “bolhas de nada” no espaço-tempo, dimensões escondidas, e um observador hipotético pegando carona na superfície externa do nosso universo.
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A ideia de que em cenários específicos nosso universo poderia ser inteiramente destruído por uma bola de nada em expansão existe desde 1982, quando o físico teórico Edward Witten introduziu a possibilidade do universo comer a si mesmo num artigo no jornal Nuclear Physics B. Ele escreveu: “Um buraco formado espontaneamente no espaço e se expandindo rapidamente para o infinito, empurrado para o infinito qualquer coisa que encontrar”.
Considerando que uma bolha de nada não destruiu o universo, nem nos 13 bilhões de anos antes de Witten publicar seu artigo nem nos 38 anos depois, seria razoável que os físicos tivessem tirado a pesquisa da lista de prioridades. Mas três físicos da Universidade de Oviedo na Espanha e na Universidade de Uppsala na Suécia argumentam que podemos aprender lições importantes de uma bolha que consuma todo o universo, num artigo sensacionalmente intitulado “Nothing Really Matters”, submetido ao Journal of High-Energy Physics este mês.
Em particular, entender as condições para a decadência do espaço-tempo através de uma bolha de nada é um passo além para conectar as melhores teorias sobre os menores blocos de construção do universo – cordas – com teorias do espaço e do tempo em si.
O universo instável
Entendemos que um vácuo é uma região de vazio total, então é confuso pensar que nosso universo inteiro que contém planetas e galáxias distantes, tudo no meio disso é inteiramente um vácuo. Mas o fato de que nosso universo é principalmente vácuo é parte a razão para ele existir num estado relativamente estável.
Na teoria quântica de campos, que conecta a física quântica e as dinâmicas do espaço-tempo, um vácuo é entendido melhor como o estado de energia mais baixo possível. Estados quânticos “excitados” com energia acima do estado de vácuo não ficam excitados por muito tempo, e tendem a decair rapidamente para estados de energia mais baixos emitindo fótons e outros pacotes de energia. Vácuos não têm estados de energia mais baixos para onde decair, então existem confortavelmente num estado estável.
Como a maior parte do nosso universo é um vácuo e já está no estado mais baixo de energia possível, não temos que nos preocupar com decadência do espaço-tempo. Mas na física teórica, suposições como essa raramente são estáveis.
No começo dos anos 1970, alguns físicos russos exploraram separadamente a ideia de que há um meio termo entre vácuo estável e não-vácuo instável: um estado como do vácuo que parece estável por causa do longo período de tempo que vai ficar nesse estado “metaestável” antes de decair. Agora chamado de um “falso vácuo”, a sugestão era uma tentativa de resolver inconsistências em teorias sobre as condições primordiais do universo, os efeitos da gravidade e observações cosmológicas.
“[Uma bolha de nada] descreve um possível canal para a ‘destruição do universo’; onde a bolha de nada se expande e pode ‘comer’ todo o espaço-tempo, o convertendo a ‘nada’.”
Apesar do novo conceito de falso vácuo ter sido sugerido para descrever apenas um período de transição antes do Big Bang, pesquisas mais recentes sobre o Campo Higgs (um campo de força quântico detectado pelo acelerador de partículas CERN) sugerem que podemos ainda estar vivendo num falso vácuo no final das contas, já que o que antes era pensado como um estado estável (de mais baixa energia) de um campo Higgs pode não ser o estado mais baixo de energia.
A possibilidade de que a estabilidade do nosso universo é uma longa ilusão abriu caminho para questões sobre como e por que o delicado falso vácuo pode decair. Uma resposta pode ser uma “bolha de nada”.
O nada infinito e dimensões escondidas
Uma bolha de nada é um exemplo de uma “bolha de espaço-tempo” onde o espaço-tempo tem diferentes propriedades dentro e fora dos limites da bolha. Outros tipos de bolhas podem ter forças diferentes de energia escura dentro e fora da bolha, por exemplo, mas bolhas de nada não têm interior, diz a autora do estudo e pesquisadora da Universidade de Uppsala, Marjorie Schillo.
Se uma bolha de nada se forma espontaneamente no espaço-tempo do falso vácuo, ela vai crescer e eventualmente engolir o universo inteiro. “[Uma bolha de nada] descreve um possível canal para a ‘destruição do universo’; onde a bolha de nada se expande e pode ‘comer’ todo o espaço-tempo, o convertendo a ‘nada’”, diz Schillo.
Mas por que uma bolha de nada pode se formar em primeiro lugar? A resposta está na teoria das cordas, uma candidata popular a “teoria de tudo” que postula pequenas entidades chamadas cordas com propriedades que outras partículas fundamentais não têm. Em particular, cordas têm um estado vibratório que responde pela gravidade quântica. Em outras palavras, a teoria integra fenômenos na física quântica com comportamento e efeitos de campos gravitacionais. Esse resultado é muito buscado, e é a principal razão para a teoria das cordas ser tão popular.
Uma teoria tão tentadora e completa depende de várias suposições que não são garantidas. A matemática da teoria das cordas só funciona se houver mais de quatro dimensões: três dimensões espaciais, uma dimensão de tempo, e então várias outras dimensões que são tão pequenas que não podem ser detectadas, apenas derivadas matematicamente. Na teoria das cortas, a geometria do nosso universo só parece ter quatro dimensões espaço-tempo porque as dimensões extras são muito compactadas e escondidas.
Por razões matemáticas que são quase técnicas demais para explicar em palavras, bolhas de nada não vão se formar no espaço-tempo da quarta dimensão, mas vão se formar num espaço-tempo multidimensional de “cordas”. Um modelo de espaço-tempo de cordas é chamado vácuo Kaluza-Klein, e nesse modelo a probabilidade de uma bola de nada destruir tudo é uma (ou seja, certeza), em todo o espaço infinito. Físicos na verdade não têm certeza se nosso universo tem um volume infinito ou finito mas, o que é reconfortante, o resultado dessa destruição do universo por uma bolha de nada ser 100% certo é visto como algo para ser retificado, não para se preocupar.
“Seria interessante trabalhar sobre em que condições um observador poderia ‘pegar carona’ numa bolha de nada e ver um universo similar a este em que vivemos.”
Como o teórico das cordas checo Luboš Motl aponta numa postagem de blog surpreendentemente engraçada, uma catástrofe de bolha de nada poderia ser usada para descartar descrições do nosso universo, já que se isso vai acontecer, já deveria ter acontecido.
“Não sabemos se nosso espaço-tempo é exatamente estável. É plausível que ele seja ameaçado por uma catástrofe cósmica”, ele escreve. “Mas como o Universo está vivo há [cerca de 14 bilhões de anos]… sabemos que a probabilidade do nascimento de uma [bolha de nada] mortal não deve ser muito maior que [um número extremamente pequeno muito menor que um].”
Ele continua: “Se uma teoria prevê uma probabilidade muito maior de um tumor destrutivo letal, ela também prevê que nosso Universo já deveria ter sido destruído agora. Mas se não foi assim a teoria teria um problema”.
Schillo concorda. Ela diz que sua pesquisa sobre bolhas de nada visa, em parte, estabelecer quais as implicações disso para descrições da teoria de cordas do universo, considerando que a decadência de espaço-tempo via bolha de nada é muito improvável.
“É importante entender que esses canais de decadência, porque se queremos um vácuo de cordas para descrever nosso universo, instabilidades como a bolha de nada devem ser extremamente raras ou ausentes”, ela diz.
Pegando carona na bolha
A bolha de nada serve para outro propósito também. Schillo e outros acreditam que a descrição matemática de uma bolha de nada destruidora do universo também poderia ser usada para modelar a origem do universo.
O comportamento de uma bolha de nada em rápida expansão é uma boa aproximação da inflação primordial do universo. Mais especificamente, a superfície externa de uma bolha de nada crescente pareceria muito com a criação do universo, se fosse possível assistir a criação do universo de fora.
Pode parecer absurdo, mas esse é um foco-chave da física teórica e cosmologia primordial do universo. “Um dos futuros tópicos de pesquisa com que estou empolgada e observar o aspecto de ‘criação do universo’ desse trabalho”, disse Schillo.
“Seria interessante trabalhar sobre em que condições um observador poderia ‘pegar carona’ numa bolha de nada e ver um universo similar a este em que vivemos”, ela explicou. “Como a bolha expande, esse observador veria uma expansão do universo, e isso poderia explicar a energia escura observada.”
Então você não tem que se preocupar mesmo com uma bolha de nada engolindo o espaço-tempo. Mas se você sempre imaginou como era o universo quando ele explodiu pela primeira vez, então vale a pena acompanhar a pesquisa da bolha.
Matéria originalmente publicada na VICE EUA.
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