Na Mostra de Curtas “Respira e vai”, uma parceria da Halls com a VICE, apresentamos uma seleção de seis curtas-metragens feitos por diretores brasileiros. Seja uma comédia, um drama ou um romance, todas essas obras têm algo em comum: um personagem que precisa de um fôlego extra para enfrentar uma situação na vida.
Todo mundo diz “seja você mesmo”, mas às vezes essa é a tarefa mais difícil a ser feita. Em Fora D’água, curta-metragem dirigido pela fotógrafa e realizadora audiovisual Bárbara Bergamaschi, a protagonista Bia experimenta diversos “eus”. Ela pode ser uma freira, uma grávida, uma deficiente visual e até um menino, mas não consegue ser ela mesma.
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Solitária, seu único amigo é o peixe Boris. Quando ele morre, Bia decide encarar a si mesma. Num momento “respira e vai”, ela se despe em frente a vários artistas como modelo nu em um curso de desenho. Finalmente, sem qualquer fantasia, ela se deixa ser vista como realmente é.
Feito em 2011, quando a diretora tinha apenas 21 anos, Fora D’água ainda é um curta atual, mostrando a importância da auto aceitação. Falamos com Bárbara Bergamaschi, agora com 26 anos, para entender como foi o processo de criação do filme.
VICE: Como surgiu a ideia do “Fora D’água”?
Bárbara Bergamaschi: Na verdade o curso foi feito na UFRJ, dentro do curso de Rádio e TV. Tínhamos uma disciplina em que os trabalhos finais eram fazer curtas. Também desenvolvíamos roteiro nas aulas de roteiro, então o curta foi desenvolvido nas aulas da universidade. Fiz o roteiro nas aulas, mas já tinha feito outros curtas, e foi uma ideia original minha, o argumento é meu, também escrevi o roteiro. Comecei a perceber que meus curtas sempre tinham essas personagens femininas que eram de alguma forma solitárias e se sentiam deslocadas no mundo. Não sei o porquê, mas acabo fazendo isso nos meus roteiros.
Você se identifica com a Bia, a protagonista do curta?
Como foi um filme que eu fiz com 20, 21 anos, eu estava no quarto período da faculdade, é um filme que eu vejo como uma transição da adolescência para uma vida já começando a ser adulta. Hoje em dia vejo até como um filme ingênuo, porque já sou pesquisadora, faço mestrado. E o filme é uma ficção, conta uma historinha, mas acho que tem seu valor. Acho que tem muitas pessoas que se identificam com a Bia, que estão neste momento de busca de uma identidade. É um filme jovem.
Você acha que aceitar quem a gente é passa pela aceitação do próprio corpo?
No filme tem muito isso. Para as mulheres, principalmente. Essa transição da adolescência, quando seu corpo começa a mudar, você acha tudo estranho, você se estranha… também tem essa coisa de você estar em um grupo. Aí tem a galera do rock, as outras galeras. As pessoas se definem pelo outro, pelas tribos, pelos grupos que participa. Isso é um processo de criar sua própria personalidade, sua individualidade. O filme tem um pouco disso tudo, mas às vezes não é tão consciente. Quando fiz o filme eu não pensava nessas coisas. Depois que o filme foi feito, comecei a quase que fazer uma análise. Você vê as coisas depois.
Tem uma personagem que aparece no ponto de ônibus no começo do filme e depois novamente ajudando a “Bia cega”. O fato de ela aparecer mais de uma vez serve para mostrar que a Bia consegue “viver” essas identidades diferentes?
A Dandara?
É. Porque, como ela está vendo a Bia e convivendo com essas personalidades diferentes, me pareceu que a função dela era mostrar que a Bia conseguia viver essas outras vidas.
Ela consegue enganar as pessoas, tanto que ela [Dandara] não reconhece. Na verdade, também teve questões práticas. A gente não tinha orçamento, fizemos Catarse na época, arrecadamos uns dois mil reais para fazer o filme. Foi baixíssimo orçamento, todo mundo trabalhou de graça. Tem uma personagem principal e uma coadjuvante, mas não queria que tivesse muitos diálogos no filme, queria que fosse um filme mais de atmosfera. Era pra fazer um contraponto mesmo, para a Dandara ser esse outro, que vê a Júlia [Bernat, que interpreta Bia] e não reconhece. O engraçado é que a Júlia Bernat e a Dandara de Morais também eram universitárias na época, então elas não tinham muita experiência. E a Júlia hoje fez o “Aquarius”, a Dandara fez o filme do [Gabriel] Mascaro, foi uma das principais do “Ventos de Agosto”. Todo mundo ali tava começando e cresceu, foi interessante.
Onde o curta foi filmado? A locação dá a impressão de ser uma cidade interiorana, muito tranquila, mas imagino que tenha sido tudo no Rio mesmo.
Foi no Rio mesmo. O ponto de ônibus foi na Urca, uma parte no Cosme Velho e outra no Parque Guinle, em Laranjeiras, naquela cena da pracinha que ela está cega.
Como foi a escolha da locação? Vocês queriam mostrar essa tranquilidade?
A gente não queria mostrar aquele Rio turístico, cartão postal, com Pão de Açúcar, bondinho e Cristo. Queríamos um Rio mais cotidiano. Tem um momento no ônibus que fica escrito “Cidade do Rio de Janeiro”. Acho que é só por isso que as pessoas identificam que é o Rio, porque realmente poderia ser uma cidade menor.
Pessoalmente, teve algum momento na sua vida que foi “respira e vai”, que precisou tomar coragem para encarar alguma coisa?
Muitos. Mas o próprio fazer o filme é uma dificuldade. Porque você dá a cara à tapa, as pessoas vão te julgar, vão criticar, vão gostar ou não do filme. O próprio filme é uma vontade muito grande que você tem de fazer alguma coisa, e você fica angustiado de não fazer. Se você tem um ímpeto criativo, você quer muito fazer aquela coisa acontecer, e conseguir fazer o filme nascer, botar para as pessoas verem.