Este artigo foi originalmente publicado na VICE US.
Na última semana, uma foto de uma pedra com as cores do arco-íris, em São Francisco, EUA, tornou-se viral. Para os transeuntes, a pedra exibida na entrada de um restaurante era um símbolo de inclusão, provavelmente relacionado com o mês do Orgulho. Mas, para os olhos mais treinados – neste caso, como avançou o SFGate, a conta de Twitter da Coalition on Homelessness – representava, na verdade, uma forma particularmente odiosa de arquitectura hostil “anti-sem-abrigos”.
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[Nota do editor: Em Maio último, esta problemática foi também alvo de atenção em Portugal, depois de os moradores de um prédio no bairro de Alvalade, em Lisboa, terem colocado pilaretes de mármore à volta do edifício, sem licenciamento para o efeito, de forma a impedirem que pessoas sem-abrigo pernoitassem junto ao mesmo].
E o que é, exactamente, arquitectura hostil? Quer tenhas ou não usado o termo, garanto-te que já a viste no teu dia-a-dia. É até muito provável que a tenhas visto hoje. Aliás, uma vez que treinas o olho para esta prática insidiosa de design urbano, é difícil não a veres em todo o lado.

Sabes aqueles picos pequeninos nos telhados que impedem os pombos de se instalarem e fazerem cocó em cima das pessoas que passam na rua? Pois, estes picos fazem parte da família da “arquitectura hostil”, mas são para pássaros, por isso quem é que se importa? Então e os picos em corrimãos ou nos cantos de bancos de cimento que impedem os skaters de os usarem? Absolutamente hostis. E aqueles bancos nas paragens de autocarro que são obscenamente inclinados e permitem apenas que as pessoas se encostem, mas não que se sentem ou, Deus me livre, deitem? Definitivamente.
Vê: “‘SHELTER’: a luta para acabar com o flagelo dos jovens sem-abrigo nos EUA“
No seu âmago, a arquitectura hostil ou “defensiva” equivale a uma campanha sem fim, consciente ou não, feita por designers, proprietários e construtores civis para forçar as pessoas a usar a propriedade de uma maneira particular. Às vezes, o resultado final não é exactamente uma tragédia – os skaters têm que mudar de sítio, por exemplo.
Mas, na sua forma mais maligna, a arquitectura hostil pode impedir que as pessoas sem-abrigo descansem. Nesses casos, os espaços públicos ou semi-públicos das cidades – muitas vezes definidos pelo acesso desigual à mobilidade, compras de mantimentos e outros bens essenciais – tornam-se uma extensão visceral do desrespeito colectivo da sociedade pelas suas vidas.

A arquitectura hostil pode consistir em barras no meio de bancos, pequenas cercas na entrada de estabelecimentos comerciais ou postes de cimento instalados de forma aparentemente aleatória em partes do passeio, até que percebes que o local em questão está protegido da chuva ou do sol escaldante. Há até versões de áudio do que se parece bastante com arquitectura hostil: no centro de Oakland, uma banca de jornais toca música orquestral 24 horas por dia, sete dias por semana, nas colunas montadas do lado de fora. O que torna o local nada convidativo para aqueles que só querem encontrar um sítio para dormir.
Quando questionado sobre a estratégia de gestão de espaços públicos, um porta-voz do Departamento de Transportes da Califórnia – entidade que tinha colocado pedregulhos onde as pessoas acampam na Bay Area -, sublinhou que “os elementos de vedação e paisagismo são utilizados para prevenir e desencorajar… acampamentos ilegais”. É importante notar que muitas pessoas que dormem ao ar livre dentro dos limites das cidades norte-americanas estão a fazê-lo ilegalmente, embora devido à decisão judicial Martin v. Boise de 2018, não possam ser punidas por o fazerem em propriedade pública, a menos que a cidade em questão ofereça um espaço interior adequado. Ainda não está claro o que é que essa decisão significará para os estimados 550 mil sem-abrigos do país, nem para a crescente população da Bay Area, que aumentou massivamente nos últimos dois anos.
Voltemos à tal pedra de São Francisco pintada com as cores do Orgulho que causou tumulto no Twitter. Como já tinha acontecido com outras publicações de denúncia de “arquitectura hostil” no passado, a história explodiu durante alguns dias nas redes sociais – até que a Coalition apagou o seu post original, tendo determinado que o restaurante era “um membro valioso” da comunidade e “apoiava os seus vizinhos sem-abrigo”. Isso pode ser verdade, já que a empresa negou veementemente a intenção anti-sem-abrigos, apontando para a rocha como parte de um jardim japonês.
E este não é o lugar para um debate sobre se as empresas estão certas ou erradas, mesmo que escolham afastar as pessoas sem casa. Porque, quando se trata de arquitectura hostil, é mais importante perceber os efeitos do que a intenção, seja ela estética ou não. E não é possível fazeres isso a menos que saibas como ela se parece.
Abaixo podes ver outros exemplos que podem ser classificados como arquitectura hostil. Parecem-te hostis?



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