Estamos fechados em casa com a vida em stand-by. Paira uma incerteza no ar – quanto ao trabalho, ao dinheiro, ao futuro e ao que restará da vida como a conhecíamos uma vez que o governo carregue no play.
A ansiedade é tangível, um nó na garganta colectivo, um ponto e vírgula nos planos que tínhamos traçado. Sofrem as contas bancárias, a saúde mental e as relações. Descarregamos frustrações onde não devíamos; deixamos escapar um revirar de olhos, uma resposta torta ou bufamos que nem adolescentes. Choramos a ver as notícias, de coração apertado pelos nossos avós, pais e amigos.
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Refugiamo-nos em séries, em música, filmes ou no directo do Bruno Nogueira. Bebemos mais vinho, fazemos ginástica na sala e tentamos apanhar o sol que entra pela janela. Cansamo-nos de olhar as mesmas paredes, as mesmas pessoas e o mesmo beco sem saída. Quando vamos à rua é a medo, em paranóia, de luvas e máscara e com a sensação latente de que o bicho nos vai entrar pelas narinas sempre que nos cruzamos com outros seres humanos no passeio.
Um dia de cada vez é agora a única maneira de olhar a vida. Agora sim, o tal Carpe Diem que tantas influencers espetaram na descrição de fotografias em biquíni, a olhar para o horizonte. Mas, o dia perde-se em trabalho – para os sortudos que ainda o têm -, em máquinas de roupa, aspiradores e vassouras. Perde-se em contagens de mortos e infectados, em calls pelo Zoom e em notificações tão infinitas quanto irrelevantes no WhatsApp.
Falta-nos a esperança, o sabor da liberdade e a água na boca pelos planos futuros. Falta-nos um propósito, uma boa nova ou uma grandessíssima festa. Estamos unidos pelo medo e pela incerteza do que aí vem. Enterramos o rabo no sofá enquanto o André Ventura critica (desta vez) o Ricardo Araújo Pereira, enquanto em Espanha morrem muitos mais, enquanto o Trump suspende a imigração e os refugiados tentam escapar ao vírus atrás de tendas de lona. Temos o Mundo ao contrário, como cantavam os Xutos.
Resta-nos a arte, a paciência e o dever cívico. Resta-nos apenas fazer a nossa parte, mantermo-nos quietinhos para proteger os outros enquanto esperamos que toque o sino a dar licença para sair. O Mundo vai lá estar, à nossa espera. As ruas, silenciosas, aguardam pacientes o nosso regresso. A Natureza está a respirar de alívio – sabe-lhe bem a pausa para café – e prepara-se para florescer com a chegada da Primavera.
Talvez a nós também nos faça bem a pausa, ainda que imposta de forma cruel e fria. Talvez, quando pudermos voltar a pisar o chão da rua sem restrições e a cruzar fronteiras sem motivo, olhemos para a Terra com outros olhos. Olhos saudosos, nostálgicos e agradecidos.
Até lá, aproveitemos quem nos ama, abracemos quem está de quarentena connosco e tentemos aguentar a frustração e o peso da incerteza. Acatemos ordens em prol de um final mais feliz, regozijemos em quem temos ao nosso lado no sofá e tentemos olhar para estas imagens de uma Lisboa vazia não com dor, mas com saudade e esperança.
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Nota final: Se fores vítima de violência doméstica ou souberes de quem seja, por favor entra em contacto com a APAV (Apoio à Vítima) através do número 116 006. A chamada é gratuita e a linha é acessível nos dias úteis, entre as 9 e as 21h00.
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