Nunca vou esquecer a primeira vez que vi alguém com vitiligo. Isso porque foi um momento de que tenho muita vergonha. Era o primeiro dia de aula na sétima série e nossa classe estava fazendo um jogo de “conhecendo os colegas”: a gente ficava de costas um para o outro, depois virava e fazia caretas pro colega. Me virei e vi meu parceiro, e os círculos irregulares rosados que pontuavam sua pele. Levei um susto. “Haha, te assustei”, ele disse, rindo, achando que a careta de monstro que ele estava fazendo era o que tinha me assustado. Dei um sorriso envergonhado, secretamente imaginando se não tinha pego a “alergia” que achei que ele tivesse. Voltei correndo pra minha carteira.
Falei sobre isso com a minha mãe no caminho para escola no dia seguinte, perguntando o que tinha de “errado” com meu colega. “Ele nasceu assim”, ela me disse, explicando o que era vitiligo. “Não é uma alergia.” Era muita coisa pro meu cérebro de 12 anos processar e, sendo honesto, foi só vendo Winnie Harlow no America’s Next Top Model que notei beleza naqueles padrões assimétricos. Infelizmente, ignorância e medo injustificado com o vitiligo ainda correm soltos pelo mundo. Michael Jackson, a pessoa mais famosa com essa condição de pele na cultura popular, morreu sem que boa parte do público entendesse ou acreditasse que ele tinha vitiligo, e que esse era o fator-chave da descoloração da sua pele. Eles achavam que ele queria ser branco.
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Brock Elbank está trabalhando para destacar a beleza do vitiligo com uma série de fotos em andamento. O fotógrafo, que vive em Londres, captura uma mistura de modelos e não modelos com vitiligo que encontra principalmente pelo Instagram. O glamour das fotos dele visa desfazer o estigma que muitos dos temas ainda encontram em suas vidas, colocando suas identidades e características físicas sob os holofotes. E com todo direito. Eles não têm nada a esconder.
“Muitas vezes, a sessão de fotos acaba sendo uma sessão de terapia”, Brock me disse pelo telefone. “Eles falam sobre coisas profundas. Fotografei uma garota de Trindade e Tobago, que era negra e perdeu toda sua pigmentação. Ela é mais branca que eu. Ela disse que levou 15 anos para se acostumar com seu tom de pele.”
Muitos dos temas de Brock fizeram parte do projeto não por vaidade, mas para se sentirem parte de uma comunidade. “Esse cara tinha 50 anos e saiu de férias, se queimou de sol, e isso desencadeou o vitiligo. Metade do rosto dele perdeu pigmentação. Aos 50 anos, aquilo foi um desafio para ele. Ele viu a série e pensou ‘Não conheço ninguém com vitiligo, quero fazer isso por mim e conhecer outras pessoas que têm a condição’.”
Brock vem destacando como certas características físicas nos ajudam a formar tribos e moldar nossas identidades e experiências de vida em sua carreira. Antes dessa série, ele fotografou pessoas do mundo todo com sardas e, antes disso, pessoas com barba. “Sempre acabo atraído por pessoas que se destacam na multidão”, me disse Brock. “A mídia percebe a beleza como sendo X, Y ou Z. Acho isso muito chato. Se você for até uma agência de modelos — e não me entenda mal, essas pessoas são espécimes incríveis da raça humana — todo mundo lá tem barriga tanquinho, pernas longas, bumbum empinado. Acho que tudo fica muito sem graça.”
Encontrar e capturar temas com vitiligo tem sido um esforço em larga escala para Brock, considerando que a condição é bem mais rara que barbas e sardas. Ele se viu atraído principalmente por pessoas que ainda não conseguiram contratos de modelo ou atuação. Ele quer fazer mais que simplesmente tirar uma foto bonita — ele quer que seus temas saiam da sessão se sentindo bonitos também. “Acho que pessoas que não estão acostumadas a serem fotografadas são as mais fáceis de fotografar”, explica Brock, preferindo deixar de lado os cenários padrões da indústria e fotografar os temas em seu estúdio em casa. “Quero que as pessoas tenham uma experiência positiva e relaxem. Preciso conhecer essas pessoas. Então converso com elas por 60, 90 minutos antes de fotografar.”
Brock já fotografou 35 pessoas (e um cachorro) durante um ano trabalhando na série. E ainda não acabou, ele diz. “Quero algo entre 60 e 90 pessoas, e provavelmente vou continuar fotografando até o meio do ano que vem”, ele diz, esperando fazer uma exposição quando terminar. Se ele conseguir, muita gente no mundo vai acabar com mais do que um material incrível pro Instagram. Essas pessoas vão ter uma autoestima muito maior. “O que elas veem como sua fraqueza, vejo como sua força.”
Matéria originalmente publicada pela i-D.
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