Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.
Aviso: Esta matéria contém imagens fortes.
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A carreira do fotógrafo conhecido como Boogie é a mais diversa possível. Ele é conhecido por fotografar atletas olímpicos, como o corredor Usain Bolt e a estrela do futebol Mario Balotelli, para empresas como Puma e Nike, mas também já publicou seis livros com ensaios focados na cultura de rua de cidades como São Paulo e Belgrado.
Boogie nasceu e cresceu em Belgrado, na Sérvia, cercado de câmeras; seu pai e o avô eram fotógrafos amadores. Ele não se interessou por arte até que seu país foi engolido pelo caos da guerra nos anos 90. Na época, a fotografia o ajudou a se distanciar do inferno ao redor dele. Testemunhar a turbulência na Sérvia funcionou como um catalisador que definiu o tema que Boogie continuaria a explorar em sua carreira, que ganhou embalo depois que ele começou a fotografar o Brooklyn, em Nova York.
Em 1998, Boogie ganhou na loteira do green card e se mudou para Nova York. Ele fez todo tipo de trabalho para sobreviver, enquanto fotografava nas horas vagas. Por acaso, ele encontrou alguns membros de gangue em Bed-Stuy que pediram que ele os fotografasse segurando suas armas, o que o levou para o submundo de um dos bairros mais violentos de Nova York. It’s All Good, seu primeiro trabalho publicado em livro, que saiu em 2006, foi o resultado dessa imersão. O livro apresenta fotos de membros do Latin Kings e outras gangues, além de traficantes, usuários de drogas e pessoas marginalizadas atadas à pobreza. Mas diferentemente dos fotógrafos de rua tradicionais que fotografam sem conhecer realmente seus temas, Boogie é um documentarista que entra na vida das pessoas que fotografa, ganhando a confiança delas e acesso às suas casas, depósitos, ocupações.
“As pessoas vivem dizendo que você não pode cruzar certos limites, mas quanto mais fundo vai, melhor você fotografa, e ninguém pode te dizer até onde esses limites vão”, disse ele. “Aí, do nada, você está no meio da loucura e as coisas começam a ficar interessantes.”
Ao mesmo tempo, Boogie diz: “Acho que minhas fotos mostram que não há nada de glamouroso nessa merda”. A power House está publicando uma edição de aniversário de It’s All Good, incluindo uma variedade de fotos que nunca entraram na edição original.
A VICE conversou com Boogie sobre seu trabalho, e ele comentou algumas das imagens mais provocadoras da sua coleção atualizada.
Bedford-Stuyvesant, Brooklyn, 2004
Essa arma, apelidada de “O Exterminador”, e bandanas de membros do Bloods foram fotografadas no corredor de um conjunto habitacional. Acho que minhas fotos mostram que não tem nada de glamouroso nessa merda. Nos filmes eles tentam glamourizar essa coisa de gangues. Acho horrível, acho escroto que pessoas morram por causa de $20.
Bedford-Stuyvesant, Brooklyn, 2006
Quando lancei a primeira edição de It’s All Good, levei o livro para os gangsteres e eles adoraram. Eles me levaram para um depósito deles e me mostraram todo tipo de merda. Quando eu disse “Caras, preciso disso no meu livro, caralho por que vocês estão me mostrando isso?”, eles disseram: “Cara, você poderia ter colocado a gente na cadeia. Agora você pode ver tudo”. Comecei a fotografar em 2003 e terminei [It’s All Good] por volta de 2006, então algumas dessas fotos da edição de aniversário foram tiradas depois que o primeiro exposé foi publicado.
Quando acabei It’s All Good, continuei voltando aos conjuntos habitacionais, e levava o livro para esses gangsteres. Eles ficavam muito felizes, mas vi que nada estava mudando, e parece que nunca vai mudar.
Bedford-Stuyvesant, Brooklyn, 2003
Lembro a primeira vez que fui a Bed-Stuy, andar pelo bairro, um cara branco com câmeras e minha bolsa. Eu estava andando por ali e esses caras do outro lado da rua gritaram “Ei, cara, vem aqui”, e começamos a conversar. Acho que foi meu sotaque — eu não soava como as pessoas que eles odiavam — e dez dias depois eles disseram: “Ei, Boogie, você não quer tirar umas fotos nossas com as armas?” e eu pensei “Cara, isso não está acontecendo. Caralho!” Foi muito incrível.
Bushwick, Brooklyn, 2005
Esse é um aviso dos Latin Kings para um informante. Ouvi dizer que eles mataram o cara depois. Quando vai para esses bairros, você percebe que pelo menos 50% das pessoas que moram ali tem alguma ligação com drogas. Elas são traficantes, viciados ou ex-traficantes e ex-viciados. Também tem um monte de ex-presidiários.
Estacionamento Abandonado, Bedford-Stuyvesant, Brooklyn, 2003
Adoro pit bulls, mas uma das piores coisas que vi enquanto tirava as fotos que acabaram em It’s All Good foi um pit bull matando um gato. Mesmo agora, quando penso nisso ainda me sinto mal. Não consegui tirar essa imagem da cabeça por anos. Não sei por que, mas fotografo muitos cachorros.
Bedford-Stuyvesant, 2006
Drogas, dinheiro e armas — tem muito disso lá. Você não pode planejar essas coisas. “Vou para o gueto tirar fotos de pessoas com armas.” Não é assim que funciona. É impossível. Uma coisa que me surpreendeu foi a quantia que as pessoas estavam ganhando. Eles provavelmente ganhariam mais trabalhando no McDonald’s que vendendo crack nas ruas. Só os caras do topo da pirâmide ganham muito dinheiro. Esses garotos estavam se matando por $20.
Bedford-Stuyvesant, Brooklyn, 2003
Essa foi a primeira vez que membros de gangue me convidaram para tirar fotos deles com armas. Foi uma loucura. Estávamos correndo pelos corredores de um prédio com armas, carregadas, apontadas para a minha cara. Não consegui dormir naquela noite, mas voltei no dia seguinte. Leva tempo para ganhar confiança. Por exemplo, fiz fotos com a arma e o rosto do cara aparecendo, mas não usei essas no livro. Nunca quis encrencar ninguém. Eu nunca faria isso.
Bushwick, Brooklyn, 2004
Fiquei cuidando das crianças enquanto a mãe delas saía para comprar drogas. Hoje elas estão com uma família adotiva. Esses usuários de drogas vivem de benefícios sociais, têm filhos, alimentam os filhos com qualquer merda e gastam o resto da grana em drogas. Eles roubam, vendem qualquer coisa, e compram drogas. É uma loucura, e tenho certeza que as coisas não melhoraram hoje. Com o tipo de fotografia que faço, pensar é o inimigo. Se começa a pensar demais, você perde a foto. Eu apenas reajo e clico. Geralmente a primeira foto é a melhor.
Bushwick, Brooklyn, 2005
Ela tinha 23 anos. Lembro que quando tirei a primeira foto dessa garota, pensei: “Por que diabos preciso disso na minha vida?” Eu estava de pé na banheira enquanto ela se injetava. Enquanto tiro as fotos está tudo bem. Consigo me desconectar. Mais tarde penso “Uau, que merda!” Mas depois volto e continuo tirando fotos. Graças a Deus esse livro aconteceu.
Veja mais fotos da edição de aniversário de It’s All Good abaixo, e encomende o livro pela powerHouse aqui. Siga o Boogie no Instagram.
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Tradução: Marina Schnoor