Fotos gloriosamente nostálgicas da Los Angeles dos anos 70

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

O catálogo de trabalho de Mike Mandel inclui alguns dos projetos mais variados e fascinantes da fotografia do século 20. Seu trabalho com Larry Sultan em projetos como o livro vanguardista Evidence com certeza mudou parâmetros do que a fotografia poderia fazer, recontextualizando imagens de arquivo técnico. Seus famosos retratos de 1974 de grandes fotógrafos norte-americanos vestidos como jogadores de basebol, que depois ele lançou como uma série de cartões colecionáveis, talvez seja seu trabalho mais famoso e buscava destacar a influência crescente dos fotógrafos no mundo das artes dos anos 70.

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Seu novo livro, People in Cars, revisita um de seus primeiros corpos de trabalho: uma coleção de retratos tirados de janelas de carros em LA quando o fotógrafo tinha 20 e poucos anos. Algumas semanas atrás, tivemos sorte de poder assistir o livro ser impresso ao lado de Mandel e pudemos conversar sobre curadoria, arquivos, influências e, claro, carros.

VICE: O trabalho nesse livro foi feito quando você estava estudando fotografia. Quem ou o que te influenciava naquela época?
Mike Mandel: Quando comecei a estudar fotografia, eu estava sendo exposto a pessoas como Edward Weston, e mestres como Walker Evans e Robert Frank. Evans e Frank me influenciavam mais que os outros sobre as dinâmicas sociais da cultura. Uma pessoa que não quero deixar de fora é [Jacques-Henri] Lartigue, que eu achava que tinha uma ligação comigo. Acho que ele fez sua primeira foto quando tinha sete anos. Ele era de uma família muito rica; seus primos, irmãos e irmãs viviam uma vida incrível na virada do século, fazendo tudo que gostavam, dirigindo carros de corrida, tentando construir aviões e fracassando, e Lartigue estava fazendo fotos de tombos. Como era criança, ele estava mais perto do chão — então você tem uma perspectiva diferente do que teria se um adulto tirasse as fotos. As fotos dele são muito engraçadas. Elas me interessaram em ter algum tipo de humor saindo do meu trabalho.

Como o projeto People in Cars começou?
Não lembro. Mas posso dizer que, morando em LA, você sempre está num carro. E na época, vendo as fotos de carros de Robert Frank em The Americans, e mesmo voltando ao trabalho de Evans — especialmente uma foto de uma lanchonete com uma pintura ou mural com alguns carros — essas eram minhas influências. Muitas das imagens de Evans são mundanas, mas há muita informação nelas sobre como as coisas estavam mudando o mundo. Evans percebeu que todos esses desenvolvimentos tecnológicos deveriam ser parte do que ele estava falando. Outdoors, carros, grafite nos outdoors… Acho que tudo isso me fez pensar em fazer esse projeto. Eu gostaria de ter a memória de quando realmente comecei a fazer isso, mas não tenho. Eu ainda era muito jovem — provavelmente nem tinha 20 ainda — e isso levou uns seis meses de trabalho. Teve um dia em que Robert Frank apareceu na nossa classe, e todo mundo estava trabalhando num mural — e ele chegou para mim e disse “Eu costumava fazer trabalhos assim — sei que não é fácil”.



Parece um dia e tanto na escola.
Bom, [risos] acho que isso me permitiu pensar “Talvez eu devesse fazer mais desses! Não vai ser um projeto de 20 rolos. Talvez possa ser um projeto de 75 rolos”.

Você mencionou outdoors, e claro, um dos seus trabalhos mais antigos com Sultan foi o famoso projeto dos outdoors falsos , jogando com imagens comerciais. Tem um aspecto disso nessa série? Algum comentário sobre a imagem comercial dos carros nos EUA?
Acho que eu estava respondendo a ideia de que vivíamos nos nossos carros. Em Los Angeles, você não pode visitar os amigos caminhando. Tudo é longe, tudo é pensado para carros. LA é feita de um jeito que depois de cada avenida você chega numa via expressa. Então crescer em LA me tornou o tipo de pessoa que nunca sabia onde eu estava. Não tenho senso de direção, mas desde que soubesse como era a entrada ou saída da via expressa, eu chegava lá.

Em se tratando de carros — acho que era só porque eu estava sempre num carro, e aqui você tem as pessoas paradas no semáforo. Eu tinha a oportunidade de ter uma interação — talvez uma interação surpreendente — com elas. Naquela época, não era típico ter alguém tirando uma foto sua. Ninguém carregava uma câmera o tempo todo como com os celulares, então não era como hoje, não havia uma sensação de raiva ou invasão de privacidade; era mais tipo “Que isso?! O que esse cara está fazendo?!”

Então você não costumava levar socos na cara?
Não. Levei alguns dedos na cara, mas nenhum soco. Na maior parte do tempo eu estava só me divertindo, e as pessoas nos carros gostavam do humor da situação. Eu me sentia muito energizado por isso. Eu não sabia o que estava acontecendo, onde eles estavam indo… será eles iam virar? Você precisa chegar perto — e há essa transição. Então muitas vezes eu não sabia o que tinha fotografado até depois. Você esperava pelo melhor. Foi um projeto muito divertido de fazer.

Quando esse projeto se manifestou pela primeira vez?
Quando acabei de fotografar, montei as imagens num grande pôster. Eram tipos similares de construção. O carro como moldura e as pessoas dentro deles. Parecia que tudo funcionava como uma grande coisa única. Eram impressões pequenas, colocadas juntas como um pôster. Quando refiz isso mais recentemente como parte do projeto Good 70, replicamos aquela ideia do pôster.

O que te fez pensar em mudar o formato agora, de um pôster para um livro?
Uma coisa boa de revisitar esse projeto foi que o Gregory [Barker] me fez pensar “Se vou fazer um livro com isso, não quero fazer apenas 20 páginas, então vale a pena investigar o que mais tenho aqui”. Aí achei todas essas fotos que não me interessaram originalmente. Algumas foram tiradas pela janela, então os reflexos e falta de contraste me fizeram perder o interesse em usá-las. Quando tinha 20 anos, eu queria um contato mais direto. Então agora incluí fotos que tinham reflexo e eram um pouco mais complicadas, cheias de nuances. Tenho 66 anos agora, e minha sensibilidade depois de ser um artista por todos esses anos informou minha compreensão do que eu estava fazendo, de um jeito que eu não seria capaz aos 20. É um sentimento muito gratificante fazer as duas pontas da sua vida se encontrarem assim. Se reconectar às memórias das fotos que você fez.

Então, além do livro ser uma nova edição das imagens e refletir uma sensibilidade diferente da sua parte, o que tem no formato de livro que mais empolga você?
Acho que estar na Califórnia nos anos 70 entra aqui. Eu tive sorte de estar no lugar certo na minha vida numa época em que gente como Edward Ruscha estava fazendo uns livrinhos. Isso foi parte da minha educação. Toda vez que lançava um livro ele dava uma festa, e as pessoas da comunidade de fotógrafos se reuniam lá. E ele fazia esses livros engraçados — como Colored People, que eram só fotos de cactos. Tem também o Royal Road Test dele. Você abre o livro, e há informações como a data, a hora do dia, que tipo de carro e como estava o clima. Parece um tipo de registro de dados de um experimento ou algo assim. O livro tem fotos de pequenas peças de material, teclas e fitas, espalhadas pela estrada. Aí você acaba percebendo que o que ele fez foi jogar uma máquina de escrever da janela de um carro a 140 km/h [risos]. E tudo é retratado como um experimento científico ou uma investigação policial.

Bom, o Ruscha estava fazendo todas essas coisas, e eu pensei “Essa é uma ótima maneira de lançar trabalho sem precisar de uma galeria”. Gostei da ideia de que, com um livro, você podia fazer tudo sozinho. Publiquei meu primeiro livro em 1971 e nunca mais parei — acho que me custou US$800 [cerca de R$ 2.400] por mil cópias do primeiro livro que fiz, o Myself.

De todos esses projetos, que são variados em termos e formato — livros, pôsteres, cartões de basebol — parece que sempre aparece um tema de coleção ou arquivo. Você acha que esse é um tema recorrente do seu trabalho?
Nunca pensei no meu trabalho assim. Com Evidence, estávamos obviamente escolhendo imagens com o entendimento de que esses diferentes gêneros de fotografia eram negligenciados como reservatório de informação que um artista poderia usar. Os primeiros alicerces de Evidence remetem a [Robert] Rauschenberg e Warhol — como eles transformaram a fotografia em algo mais, apesar de sempre ter uma referência fotográfica do seu comentário político ou social. A coisa que percebemos quando Larry [Sultan] e eu fizemos Evidence é que você não precisava ir tão longe; você não tinha que transformar imagens.

Estávamos interessados no reservatório de informação. Passamos por milhões de fotografias por dois anos e achamos essas imagens de final em aberto, ambíguas, que eram tiradas principalmente para empresas de tecnologia que estavam construindo o futuro: armas e espaçonaves, coisas assim. Aquelas eram as imagens que falavam conosco. Morávamos na Califórnia, e havia muito desse trabalho acontecendo lá. Se estivesse no Texas, você podia não ter acesso a Northrop Aircraft ou a Lockheed. Mas não vejo Evidence como um catálogo; definitivamente não somos “curadores” daquele trabalho.

Claro, já houve projetos famosos com uma abordagem mais de curadoria desses gêneros, como John Szarkowski, que fez From the Picture Press, onde há muitas fotos interessantes que você não veria normalmente no mundo das artes. [Lee] Friedlander descobriu os retratos de Storyville, as fotos de prostitutas tiradas por [EJ] Bellocq, e publicou. Essas coisas foram feitas com base de curadoria.

Mas não havia a ideia de pegar essas fotos e as mudar para significados livres. As tirar do contexto e depois colocar em relação umas com as outras num livro que se torna um contexto: uma progressão linear coerente de informação sequencial que pode fazer algo novo acontecer, ou falar sobre essa ideia do medo de tecnologia desconhecida e suas implicações. Evidence era sobre isso. Por isso Evidence era diferente do resto. Acho que é um livro considerado bastante seminal hoje, já que há tanto interesse em outros tipos de arquivos.

Você acha que Cars pode ter mudado com o tempo, em termos do impacto em quem vê pela primeira vez? Como as mudanças culturais podem alterar o impacto desse trabalho?
Acho que você não pode escapar do fato de que estávamos vivendo numa época de ouro. Um tempo em que um carro era construído com materiais fortes, grandiosidade, especialmente nos termos dos anos 50 de automóveis, esses carros enormes e pesados… Quer dizer, temos carros grande e pesados hoje, mas eles são feios. Tem muito mais sentido num carro do que ser quase uma máquina voadora — a gente nem pensava em cinto de segurança. Era um tempo mais ingênuo e inocente. Pessoas fumando. Parecia uma sensibilidade diferente; vigilância não era tanto uma questão. As pessoas dirigiam com as janelas abertas, agora as janelas estão sempre fechadas e o ar-condicionado ligado. Então vendo essas fotos agora, há uma certa nostalgia.

People in Cars foi publicado por Stanley Barker e a Robert Mann Gallery. A exposição das fotos começa no dia 11 de maio na Robert Mann Gallery .

Tradução: Marina Schnoor

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