General Heleno: homem forte no Haiti vira o conselheiro preferido de Bolsonaro

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A tumultuada história do Haiti vivia mais um capítulo complexo em 2004, quando o país foi tomado por uma onda de violência em reação a decisões tomadas pelo presidente Jean-Bertrand Aristide. Depois de resistir por algum tempo, o presidente aceitou renunciar, e o do país sofreu uma espécie de intervenção do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas). O governo Lula, sempre disposto a impor o Brasil como um agente de grande importância no cenário internacional, se ofereceu para que o país liderasse as forças de ocupação.

Certamente foi esta a primeira vez que o nome do general Augusto Heleno Ribeiro Pereira apareceu na grande mídia: ao ser nomeado por Lula para assumir o comando da missão de paz no país centro-americano. O próprio presidente visitou o país meses depois, quando usou o soft power da Seleção Brasileira para tentar acalmar as coisas no Haiti: conseguiu um ordo com a CBF para que o time então treinado por Carlos Alberto Parreira enfrentasse a seleção local. Foi um 6 a 0 que rendeu: nas últimas Copas pôde-se haitianos acompanhando os jogos e torcendo pelo Brasil, inclusive uniformizados.

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O general Heleno passou apenas um ano no Haiti, mas foi o suficiente para ganhar fama a ponto de se tornar um general que fala e as pessoas dão atenção. Ao longo do século 20, houve muitos desses, principalmente pelo fato de o país ter passado uma boa parte do tempo envolvido em ditaduras e com os militares como protagonistas. Após duas décadas de regime civil da Nova República, esperava-se que os generais fossem menos ouvidos – e, principalmente, levados em conta.

Mas Heleno falou e gostou de falar. Em 2006, quando ocupava o posto de comandante militar da Amazônia, fez um discurso esculachando a demarcação da reserva Raposa/Serra do Sol, feita naquela época pelo governo Lula. Chamou a ação de “lamentável e caótica“, por proibir a entrada de não-indígenas no território. Obviamente a fala do general pegou mal, e ele foi deslocado para um cargo burocrático até decidir ir para a reserva. Em seu discurso de despedida, em 2011, defendeu o golpe militar de 1964 por ter evitado “a comunização do país”.

A influência de Heleno sobre o presidente eleito é uma prova de que o tempo dos generais falastrões está de volta. Ele seria o ministro da Defesa, mas acabou se autonomeando para o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que, na prática, está mais próximo do poder – seu gabinete fica no Palácio do Planalto, a uma escada da sala presidencial, e ele é visto hoje como um dos principais conselheiros de Bolsonaro, alguém a quem o e-capitão recorre o tempo todo para pedir dicas e sugestões. A Defesa, que até o governo Temer nunca tivera militares em seu comando, para evitar ciumeira entre as forças, acabou ficando com Fernando Azevedo e Silva, o general que passou os últimos meses no Supremo Tribunal Federal como assessor do ministro Dias Toffoli, hoje presidente da casa, e que foi subordinado de Heleno no Haiti. Há ainda outros generais no primeiro escalão ao redor de Bolsonaro, como o chefe da Secretaria de Governo, Carlos Alberto dos Santos Cruz – que, como Heleno, também comandou a missão no Haiti, encerrada pela ONU em 2017.

Heleno soube se movimentar bem nos bastidores. Filiado ao PRP, chegou a cogitar a candidatura à presidência, e também negociou com o PSL o posto de vice – no fim entregue a outro fardado, seu amigo de longa data Hamilton Mourão, filiado a outra legenda nanica, o PRTB de Levy Fidelix. Embora tenha ganhado parte de seus seguidores com as falas duras contra posições da esquerda e a favor do regime militar, ele ainda aparece como uma espécie de “moderado” – convenhamos que perto de Ernesto Araújo não é difícil parecer moderado, de fato.

Mas o general sabe ser linha dura quando lhe convém. Em 2005, liderou uma missão de captura de um criminoso foragido em City Soléil, uma das maiores favelas de Porto Príncipe, capital haitiana. Dread Wilme, o procurado, acabou morto, e Heleno considerou a ação “um sucesso”, mas entidades de defesa dos Direitos Humanos a apontam como “um massacre”, com a morte de dezenas de civis sem nenhum envolvimento com crimes. Um efeito colateral, como os militares gostam de falar.

Na semana passada, Bolsonaro falou em modificar o decreto de demarcação da Raposa/Serra do Sol, de forma a permitir a exploração dos recursos minerais ali presentes, “de forma racional e integrando o índio à sociedade”. Não é preciso ligar muitos pontos para perceber que essa ideia tem o dedo do general Augusto Heleno, que poderia enfim botar ordem na bagunça que questionou em 2006. Até onde pode chegar um governo movido a vingança?

Nome: Augusto Heleno Ribeiro Pereira
Idade: 71
Ministério: Gabinete de Segurança Institucional
Formação: Oficial militar pela Academia Militar de Agulhas Negras (Aman), em Resende (RJ)
Partidos: PRP

Acompanhe os perfis de todos os ministros do Brasil na série A banca de Bolsonaro. Novos textos às terças e sextas-feiras.
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