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Novo ‘God of War’ triunfa porque confronta seu próprio legado sangrento

Matéria originalmente publicada no Waypoint.

“Todos nós temos que assumir a responsabilidade às vezes, hum?”, resmunga uma criança enquanto silenciosamente colocar um arco gastos nas costas. Seus olhos nunca saem da presença enorme próxima, um homem que a criança chama de pai. Mas para os infelizes que cruzaram o caminho dele, ele é Kratos, deus da guerra. A maioria das pessoas que o questionam acabam passando por suas lâminas mortais, sangue sendo espalhado pelos ventos, mas seu filho, Atreus, é diferente. Assim como esse God of War. Usando Atreus como um veículo, os criadores decidiram virar a mesa sobre ele, e portanto, sobre si mesmos. O que significa criar, ser, um monstro?

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Faz 13 anos que God of War chegou para PlayStation 2, um jogo cujo senso de grandiosidade, tendência a violência e gravitas extenuante eram extremamente cativantes. Os visuais eram incríveis, a jogabilidade quase tanto, e o jogo entregava a adrenalina cinematográfica que os videogames prometiam há décadas. A introdução ainda memorável do jogo, uma batalha eletrizante contra uma gigantesca Hydra, resumia o pitch original de God of War. Um fodão com um propósito, enganado para matar a esposa e a filha por uma divindade toda poderosa, God of War veio numa época em que a noção de uma premissa “pesada” e um anti-herói não fazia a crítica revirar os olhos; era algo novo. Ajudava que Kratos parecia um personagem com profundidade e pathos significativo — mais do que o esperado normalmente de um jogo de ação sobre lutar contra monstros gigantes.

Enquanto os numerais romanos do jogo ascendiam, assim fazia também o espetáculo muito aplaudido. Monstros maiores, lutas maiores e uma escalada de violência para acompanhar. Mas cada vez fica mais claro que a série – e o próprio Kratos – era monótona. Era difícil imaginar como eles conseguiriam superar a escalada de God of War III, então, por um tempo, eles nem tentaram.

Mas God of War, lançado semana passada para PlayStation 4, é um reboot funcional da longa série. Apesar de acontecer na mesma linha do tempo dos jogos anteriores, passado anos depois de God of War III, essa é uma reimaginação radical do que significa jogar um jogo God of War e contar uma história God of War.

O objetivo definitivo de Kratos nos jogos anteriores variava de rastrear e matar um deus a declara guerra a todos os deuses que vacilaram com ele. Mas aqui, o objetivo é muito mais simples: a esposa de Kratos, mãe de seu filho, morreu, e o último desejo dela foi ter suas cinzas espalhadas do ponto mais alto do reino. Da abertura aos créditos finais, a maioria da ação de God of War é sobre esse objetivo. (Mas, como um dos primeiros momentos sugerem, terceiros têm suas próprias agendas, e o jogo sem dúvida investe no espetáculo audacioso que definiu a série por anos.) Esse foco informa as ações, informa a história, e mais importante, define as relações centrais.

A grande interrogação do jogo é sobre uma dessas relações centrais: a de Kratos com seu filho, Atreus.

God of War não é o primeiro jogo que propõe um ajudante, mas tem uma razão para a maioria dos videogames evitar essa tentação: muitas vezes não funciona. Quantas vezes você se viu gritando com uma IA incompetente, sabendo que os erros dela são os responsáveis pela sua morte? Isso arrasta tudo. Felizmente, Atreus são só funciona, ele é a razão para o jogo todo funcionar. O garoto de dez anos (apesar disso não ficar estabelecido realmente no jogo) está fortemente entrelaçado no combate e história do jogo: Nas lutas, ele é uma ferramenta versátil para lidar com aqueles no seu caminho, e nas cutscenes e conversas ele é a voz do público, uma metanarrativa crítica do propósito de Kratos.

Como muitos ajudantes de videogames, Atreus pode morrer, mas God of War dá amplos avisos quando ele está em perigo. Também é fácil trazê-lo de volta, e qualquer perigo em que ele está geralmente significa que você está indo mal na luta. No começo do jogo, Atreus faz pouco mais que incomodar os inimigos com suas flechas como distração, mas quando destrava novas habilidades durante a história, você começa a ter todo tipo de opção de como usá-lo, dependendo da situação e do seu estilo de luta.

Enquanto Atreus progride de assustadiço para empoderado em combate, ele faz a mesma coisa na história do jogo. A atuação dele é charmosa, exasperante e adorável de todas as maneiras que você esperaria de alguém da idade dele. Em vez de uma distração, ele é uma figura bem-vinda para o cínico Kratos, um personagem que passou sua vida sem ser desafiado na retórica ou ação. A tendência de Kratos de socar primeiro e perguntar depois continua um condutor singular da história, mas agora, Atreus se torna um oposto em tempo real para frequentemente questionar as tomadas de decisão.

Em certo ponto, depois de procurar um item mágico necessário para a busca continuar, Kratos e Atreus acabam no meio de um conflito entre dois lados. Kratos não sabe quem é bom e quem é mau, só que qualquer coisa que ficar no caminho provavelmente vai morrer. Depois de matar um chefe, há um momento onde a criatura começa a falar. Um dos refrões regulares do jogo é como a força de Kratos faz pouco para ajudá-lo a entender outras pessoas, enquanto Atreus passou a vida aprendendo sobre pessoas e cultura com a mãe. Quando a criatura fala, Kratos segura seu soco enquanto Atreus traduz seu discurso. O que Atreus escuta o assusta profundamente: a criatura diz que eles estão matando pessoas boas.

Atreus: “Escolhemos o lado errado?”

Kratos: “Eu…”

Atreus: “Você vai me dar uma resposta presunçosa sobre como você não se importa?”

Kratos: “Hrmph.”

Momentos assim permeiam a história, mudando de tom e significado conforme a relação entre os dois muda. (Também é muito engraçado? Tipo, às vezes faz você rir alto?) Você pode imaginar o que acontece quando Atreus se torna mais confiante, e Kratos é obrigado a considerar num indivíduo que ele não pode dispensar com os punhos. A narrativa mais poderosa de God of War não tem nada a ver com como a narrativa maior — a guerra entre deuses — se desenrola, mas como Kratos e Atreus exploram ser pai e filho, agora que Kratos não pode mais contar com a esposa para ser uma intermediária entre eles. Ele é o único pai vivo.

De alguns jeitos, num jogo sobre deuses lutando com outros deuses, God of War parece pé no chão. E por causa de algumas novas direções para quais o jogo leva a série, há espaço para explorar esse drama de uma família mitológica. Dando uma pequena tensão interna a God of War, a coisa toda se beneficia.

A linearidade dos jogos anteriores foi substituída por algo mais aberto. “Mundo aberto” é um termo nebuloso, que muitas vezes significa um grande mapa com muitas coisas para fazer ou um mundo de jogo com sistemas colidindo que resultam em momentos inesperados (por exemplo: Far Cry). Aqui você tem mais da primeira opção, que significa que o jogo é cheio de momentos inesperados de calma e silêncio, o que é incomum para uma série pensada para ser bombástica. God of War preenche esses momentos com discussões significativas de construção de personagem entre o laço forçado entre pai e filho. Atreus provoca o pai porque ele não consegue contar uma história, Kratos pergunta o que Atreus mais sente falta sobre a mãe. As conversas nos jogos God of War anteriores tendiam a ser longos preâmbulos antes de duas bestas lutarem, mas aqui, é uma chance de introspecção e reflexão, mesmo se isso significa Atreus bisbilhotando a vida de Kratos. Esses detalhes aumentam as apostas emocionais das lutas, e as narrativas que se seguem.

No começo de God of War, Kratos e Atreus se vêm num enorme lago com um templo, que acaba se tornando sua base. Desse lago, você pode continuar seguindo a história principal, ou começar a explorar, tropeçando em missões com horas de histórias próprias — quando você ouvir sobre explorar um castelo de anões, aconselho aceitar. Quando está nessas missões, as coisas são bem lineares, mas contam com todo tipo de segredos escondidos, quebra-cabeças e construções de mundo que vão A) fazem Kratos reclamar enquanto Atreus tenta convencê-lo a ajudar outras pessoas e B) rendem acessórios e habilidades que valem a pena juntar.

Não prestei atenção, mas assim que tive acesso ao lago, passei quase meia dúzia de horas fazendo tudo que podia antes de voltar para a história principal. Pelo jogo, há uma boa razão para explorar cada fenda ou buraco de novo e de novo, até um ponto que God of War fica parecendo um jogo Zelda. (Ou, honestamente, Darksiders.) Mesmo se você decide seguir a linha principal da história, pense numa aventura que vai levar umas 20 horas. Se você aceita algumas missões paralelas, esse tempo provavelmente dobra. Mergulhei em muito conteúdo paralelo, e parece que tenho, pelo menos, mais 10 horas no jogo pela frente — e provavelmente estou perdendo algumas coisas.

A noção de liberdade e exploração também se estende ao combate revisado de God of War.

Sua principal arma na maioria do jogo é o versátil Machado Leviathan, que pode ser empunhado e jogado dentro e fora dos combates. (Ele também pode ser usado em muitos quebra-cabeças.) God of War caminha no limite entre complexidade e simplicidade, pedindo que o jogador tome sua própria decisão de quanta profundidade quer garantir a ele. Você provavelmente consegue passar pela maior parte do jogo apertando loucamente os botões, mas se realmente quiser tirar vantagem do que ele tem a oferecer — ou sobreviver em fases difíceis e nos desafios do final do jogo — você vai precisar entender os sistemas mais a fundo.

Os jogos anteriores era sobre ligar combos, agora é sobre ligar habilidades. Ainda há recompensar por apetar os botões na ordem certa, mas mais frequentemente, sucesso vem de análise situacional — desencadear uma área de efeito de ataque porque há alguns inimigos fracos; trocar para uma certa flecha porque é provável colocá-la numa área enfraquecida mais rápido.

É aí que entra uma customização surpreendentemente profunda. Esse é o primeiro God of War com loot, mas não estamos falando de Diablo ou Destiny, onde você passa por centenas de itens; é uma coleção relativamente pequena de equipamentos. Se você quer se focar em força, tem um equipamento para isso. Mais saúde? Claro. Armadura que divide a diferença entre ofensiva e defesa? OK. Há encantos, habilidades, poses e movimentos especiais para considerar também.

Mas mais importante, é divertido lutar. Apesar de Kratos ser pesado, o combate muitas vezes parece uma dança, graças às muitas opções disponíveis em qualquer momento. Toda vez que abria meu conjunto de habilidades, eu ficava chocado em ver quantos movimentos eu estava regularmente esquecendo de usar.

E considerando quão espetacular é o visual desse God of War, e notando sua estreia para PlayStation 4, não seria chocante ver os desenvolvedores seguindo os mesmos passos antigos, confiando na mesma violência exagerada e gratuita visando chocar os sentidos do jogador. Essa é uma série que já te pediu para apertar R1 e L1 para arrancar lentamente a cabeça de um personagem, como você pode ver abaixo:

God of War não tem muito disso – pelo menos não tanto quanto no passado. Há momentos onde o jogo recompensa a hiperviolência do jogador, mas acontece tão raramente nesse jogo que fiquei ligeiramente chocado quando isso surgia, e quando isso surgia, era usado da maneira em que o choque é mais eficiente: ilustrando o poder cru de Kratos, e sua constante incapacidade de se controlar. (Mas as vezes essa violência ainda parece masturbatória, já que os desenvolvedores sentiam esse fardo estranho de continuar no ritmo do passado porque os fãs exigiam.)

God of War é tanto uma reflexão de como os videogames mudaram desde 2005 quanto uma resposta natural das pessoas que tomaram a decisão de fazer ainda outro jogo para a série. Muitos dos desenvolvedores sênior do jogo estão na série desde o começo. Vários deles, incluindo o diretor criativo de God of War, Cory Barlog, agora têm filhos, e você pode ver suas pequenas impressões digitais por todo o jogo. Isso é parte de uma “dadification” mais ampla nos videogames, onde uma indústria em grande parte dominada por homens passa por um envelhecimento, e os produtos que eles fazem estão começando a refletir as mudanças na vida deles.

“Nosso público e desenvolvedores estão mais velhos, mas ainda não observam como eles fizeram outros tipos de pessoas servi-los para seu crescimento de personagem”, escreveu o crítico de videogames Mattie Brice em 2013, criticando o personagem de Joel de The Last of Us. “Por alguma razão, achamos que fazer pessoas escrotas que podem mudar para serem legais moralmente complicado.”

A “Paizãoficação” dos jogos muitas vezes significa que vemos o mundo dos games através dos olhos dos homens também. God of War não é diferente. Apesar da esposa de Kratos ser o mecanismo principal do enredo do jogo, nunca ouvimos ela falar. Ela é uma presença enorme, sim, mas que paira nas sombras, cujo impacto é medido em grande parte por sua influência sobre os homens em sua vida, não suas conquistas individuais. Há uma conquista em criar um filho e ser uma boa esposa, mas maternidade e ser uma boa companheira não é a totalidade de uma mulher. Há outras personagens mulheres no jogo — uma delas central no enredo, com muita agência — mas a esposa de Kratos não recebe a mesma oportunidade.

Mas muito parecido com o mundo real, God of War está cheio de homens raivosos comandados por luxúria, poder e inveja. E Kratos é um cuzão. Eles sempre foi um cuzão, mesmo quando está certo.

Quer dizer, olha como ele lida com esse coitado na beirada de um prédio:

https://youtu.be/GZD-MPViCTk

“Acho que o que é interessante é poder levar um personagem até o limite, levar um personagem até o ponto em que é impossível de gostar dele”, disse Barlog para mim na E3. “Eles são anti-heróis de certa maneira, mas acho que é interessante olhar para esse sentimento de — como você pode trazer esse cara de volta do limite? Como pode redimi-lo de algumas maneiras?”

Essa questão está no cerne de God of War: Por que alguém muda, e como definimos o progresso? Qual o significado de mudar quando você não acredita que é capaz disso? É uma premissa falha – nem todo mundo merece redenção – mas tem suas raízes no otimismo porque é o quarto jogo da série — sexto se você contar os jogos para PSP, sétimo se contar o jogo de celular, oitavo se contar Ascension — e a história tem que seguir em frente. (Mas às vezes parece que God of War não quer seguir em frente; as últimas cinco horas de um jogo que de outras maneiras tem um bom ritmo algumas vezes são de frustrantes, mesmo se ocasionalmente emocionantes, engôdos, quando você é encarregado de achar Outro Objeto Mágico.)

Uma das razões para eu gostar de filmes de terror é que, como nos videogames, eles tendem a ter sequências, fórmulas e o hábito de perseguir os mesmos picos de novo e de novo. Quando encontro uma franquia de terror com várias sequências, fico muito feliz. Um motivo porque eles tendem a ficar insanos eventualmente, mas mais no ponto, sou fascinado pelo jeito como os criadores tentam inventar novas maneiras de seguir com a narrativa, distorcendo a história que deve dar em novos nós imprevisíveis.

God of War sempre foi sobre Kratos ser incapaz de achar paz. Não importa quantas pessoas ele mata, nunca é o suficiente. Ele sempre encontra outra maneira de ser menosprezado, uma justificativa para seu ódio, outra razão para pegar suas lâminas e encontrar mais ovelhas para o abate.

“As tentativas da narrativa de continuar dando a Kratos novas razões para pegar suas espadas gêmeas marca registrada podem ser vista como bobas”, escreveu o ex-crítico de videogames Yannic LeJacq num texto de 2015 sobre Kratos para o Kotaku. “Mas olhando para elas do ângulo certo, elas revelam um aspecto trágico do personagem central do jogo. Depois de conquistar seus objetivos compreensíveis (vingança) no primeiro jogo, Kratos não pode mudar e se tornar um cara normal de novo, mesmo se quisesse. Não é assim que sofrer de transtorno de stress pós-traumático funciona.”

A série poderia ter terminado com o terceiro jogo, com Kratos, como personagem, chegando à sua conclusão lógica e inegavelmente trágica. Não havia razão para God of War (ou Kratos) voltar se o plano era simplesmente ressuscitá-lo para andar pelo mesmo caminho. Essa fórmula está gasta.

E mesmo assim, aqui estamos – uma sequência. Os desenvolvedores da Sony Santa Monica poderiam ter inventado um novo personagem, mas não. E fazendo isso, eles escolheram virar as antigas motivações de Kratos de cabeça para baixo: E se ele queria seguir em frente, mas não conseguia?

Outra razão para eu gostar de franquias de terror com sequências infinitas é porque isso diz algo sobre nós, o público. Isso também é verdade para sequências de videogames que continuam centradas no mesmo personagem. Por que nos sentimos atraídos por Kratos? Se foi simplesmente o gameplay que nos trouxe de volta, o personagem principal mudaria. Gostamos de participar da versão específica de Kratos de raiva violenta porque ele é bom demais nisso. Não conseguimos desviar os olhos, e se Kratos nos trouxe de volta, precisamos saber por que ele voltou.

God of War parece um jogo feito por pais, humanos que arrogantemente concluíram que tinham a responsabilidade de enfiar uma criança num mundo perigoso, assolado por autoritarismo emergente, desigualdade cada vez maior e uma marcha sem fim de mudanças climáticas. (Não pense que estou apontando para alguém, eu mesmo estou criando um filho.) Ter um filho é o jeito mais rápido de confrontar suas próprias falhas e fracassos, e ser obrigado a considerar a noção de legado. Seu filho só conhece a pessoa que você é depois que ele nasceu, e muito como as imagens seletivas compartilhadas e postadas nas redes sociais, ser pai é uma atuação. Não é você — é uma versão de você. É atraente ver a ignorância de uma criança como uma oportunidade para começar de novo, ser uma versão melhorada sua. O que eles não sabem não podem machucá-los, certo?

Muitos de nós estão escondendo nossa verdadeira natureza como um deus, claro, mas uma grande parte do que torna God of War tão bom são os problemas com que você consegue se identificar entre Kratos e o filho. Todos os pais escondem segredos de seus filhos, argumentando que é o melhor para eles, mesmo que na verdade seja melhor para nós. Essa tensão está no coração de God of War, e informa tudo no jogo — a narrativa, o combate, tudo.

Quando você tem um filho, há um longo período onde tudo é teoria, não prática. Vai levar um tempo até o que você diz (e faz) ter significado, e mais tempo ainda para a criança poder questionar racionalmente sua autoridade, intenção e argumento. As pessoas fazem piada sobre crianças perguntando “Por quê?” o tempo todo, mas no momento em que perguntam, você percebe como é difícil explicar como o mundo funciona, e quão fácil é mentir sobre isso. Mas acredito que há duas abordagens para isso: você pode tentar proteger seu filho do mundo ou o prepará-lo para ele. O “mundo” não é só o que está fora das paredes da sua casa, mas também o que vive dentro delas. Os pais mais amorosos também são cheios de falhas, fraquezas e anos de arrependimento, e você pode fingir que isso não existe, ou perceber que o melhor presente que você pode dar é abraçar isso.

Kratos e Atreus, por sua vez, representam dois argumentos próprios. Uma vida de desconfiança levou Kratos a concluir que você tem que se agarrar ao que conhece — foda-se o resto. Ele é um covarde que acredita que se importar não vale a pena. Atreus, com ingenuidade e empatia ensinada pela mãe, argumenta que vale a pena. A vida não vale a pena, ele coloca, se você não está tentando tornar ela melhor. Em God of War, Kratos frequentemente, mesmo que a contragosto, ajuda pessoas inocentes de Midgard, pessoas a quem ele não deve nada. É um convite para problemas. Ele faz isso porque Atreus não é uma criança em teoria, um pacote de carne, enrolado numa toalha, mas uma pessoa com pensamentos e sentimentos próprios. Em Atreus, a covardia de Kratos é refletida num espelho vivo, um espelho do qual ele não consegue desviar os olhos.

É impossível saber se o coração de Kratos, do mesmo jeito que não sabemos isso sobre as pessoas que conhecemos — amigos, família, pais — realmente mudou. A mudança de Kratos significa menos do que se ele sente que é importante dizer que mudou. Vergonha é uma ferramenta útil. Você pode não conseguir evoluir corações e mentes, mas essa não é a única métrica de sucesso. Progresso vem em muitas formas. As pessoas não precisam realmente mudar. Elas podem fingir, enquanto o resto segue em frente.

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