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A prefeitura do Rio plantou um espião no meio da Vila Autódromo

Depois desse triste acontecimento, todas as denúncias dos moradores da Vila Autódromo sobre jogo sujo, terrorismo psicológico, ameaças e descasos perpetrados pelos agentes da prefeitura naquela comunidade soam muito reais.​

Todas as fotos são do Matias Maxx.

A pouquíssimos meses dos Jogos Olímpicos, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, admite, num email ao COI vazado , que as obras na linha 4 do metrô (exigência para a realização dos jogos) correm o risco de não ficarem prontas a tempo . Pressionado por delegações internacionais a respeito do risco de uma epidemia de zika vírus, ele respondeu ontem que esse seria apenas " um problema do momento ". Ainda assim, a Prefeitura não arreda o pé da ideia de concluir a demolição da Vila Autódromo, comunidade quase toda removida para a construção do Parque Olímpico. Esse processo que se arrasta na justiça há anos é recheado de episódios de caráter e legalidade questionáveis, como o que pude testemunhar hoje.

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A sede da associação de moradores foi a bola da vez: após uma tentativa de demolição embarreirada pela Defensoria Pública no inicio do mês , a Prefeitura conseguiu, numa sessão na noite de terça, o mandado de imissão de posse para a derrubada da associação . Por volta das 7h desta quarta, quatro ônibus da Guarda Municipal cercaram a casa; em seguida, foi realizada a derrubada da sede e da lanchonete ao seu lado. Em entrevista à EBC , o presidente da associação disse: "A comunidade não é ilegal, ela é considerada área especial de interesse social e tem documento concedido pelo Governo do Estado. São famílias que possuem títulos concedidos pelo governo e que são colocadas na rua com seus filhos em nome de 'jogos' que vão durar apenas 17 dias".

Mais cedo, 300 membros da Tropa de Choque da GM acompanharam a remoção da sede da Associação de Moradores da Vila Autódromo.

Cheguei à Vila Autódromo uns 30 minutos depois da derrubada da casa onde funcionava a Associação de Moradores. Os oficiais de justiça e a maior parte do contingente da Guarda Municipal já haviam ido embora, mas vários membros da rede de apoio e alguns jornalistas (a maioria, gringos) permaneciam lá, assim como um ônibus da Tropa de Choque da GM estacionado em frente ao local da demolição. Ativistas, jornalistas e moradores se reuniam dentro da casa de Dona Penha, uma das poucas que ainda restam de pé. Uma mesinha servia café da manhã no pátio, enquanto os cômodos da casa estavam cheios de colchonetes e sacos de dormir usados pelo pessoal que está de vigília lá desde segunda-feira. O assunto recorrente é que, a qualquer momento, hoje ainda, pode sair o mandado para derrubar a casa de Dona Penha.

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Observadores notarão que, em minha última visita à Vila Autódromo, essa cerca isolando a comunidade da Lagoa não existia.

Subi na laje da casa e pude observar que, desde a última vez em que estive lá, há pouco menos de um mês , não só derrubaram mais casas como expandiram a cerca que separa a comunidade das obras do Parque Olímpico, isolando totalmente a Lagoa de Jacarepaguá da comunidade. A casa de Dona Heloísa permanecia lá dentro do parque, assim como uma montanha de terra que – suspeitava-se – poderia estar sendo usada para aterrar parte da Lagoa.

Leia mais: **A reintegração de posse da **Vila Autódromo tá barra-pesada

Depois de fazer as fotos, estava saindo da casa quando notei uma movimentação curiosa. Um sujeito coroa, muito suspeito, saiu de um dos cômodos com um celular na mão – e ele estava filmando. Dona Sandra, filha de Dona Penha, questionou quem ele era e o que ele estava filmando. "Eu sou da mídia independente", respondeu o sujeito, no que ouviu "Beleza! Mas que mídia independente?". "Mídia independente! Você não sabe o que é isso!? A gente filma e coloca no site!" "Claro que eu sei o que é; justamente por isso, quero saber de que página ou site você é." O sujeito então começou a apertar o passo rumo ao portão da casa, porém foi rodeado por seus moradores que ainda questionavam quem ele era. "Vocês estão me mantendo em cárcere privado", começou a retrucar o sujeito na maior cara de pau. Até que alguém respondeu: "Não! Você que está invadindo nossa propriedade".

Suposto P2 acompanhando a revista do carro que o trouxe com identificação da Subprefeitura da Barra.

Os ânimos estavam exaltados, mas o sujeito saiu da casa de boa, embora seguisse rodeado pelos moradores, a essa altura filmando tudo e pedindo para que ele mostrasse as imagens que havia feito. Um colega conseguiu ver que ele enviava as fotos para um grupo de WhatsApp intitulado "Equipe II".

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O P2 tentando forçar sua saída do interior da casa de Dona Penha.

Um morador da vila que estava do lado de fora, ao ver a muvuca, reconheceu o sujeito: ele o teria visto atuando como guarda municipal no Sambódromo durante o Carnaval; além disso, o morador contou que ele havia chegado lá num carro branco com a identificação da Prefeitura que estava estacionado nas proximidades. Surpreendentemente, o motorista do tal carro, ao ver o sujeito chegando rodeado pelos moradores, tentou fugir do local. O carro foi cercado, mas, mesmo assim, o sujeito acelerou, praticamente atropelando um morador que sentou no capô e foi levado ali em cima por uns cem metros até o carro finalmente parar nos limites da comunidade, quase na Avenida Abelardo Bueno, em frente a uma patrulha da PM. Os moradores começaram a exigir que os PMs prendessem o sujeito por invasão de propriedade. Alguém ainda disse que havia uma arma dentro do carro; então, os PMs efetuaram uma busca, não encontrando nada, embora tenham levado o sujeito, o motorista, um dos moradores da casa e mais uma testemunha para a 42ª Delegacia de Polícia.

"Você está invadindo minha casa!!!" diz um membro da família de Dona Penha para o P2.

Conversei pelo telefone com o inspetor Camilo, que confirmou que os dois homens conduzidos à DP eram da Guarda Municipal. Perguntei por mais detalhes e ele me disse que a investigação ainda não havia sido apresentada à delegada e por isso tinha de manter sigilo. Quando eu lhe contei que havia visto o GM filmando dentro da residência, nossa conversa deu uma surreal reviravolta: ele se demonstrou muito surpreso, disse que a história lhe foi contada diferente e gentilmente me convidou para levar minhas imagens e testemunho a delegacia.

Sabido que o sujeito era GM, qual seria sua intenção lá? Saber quem está apoiando a causa? Quem estará presente na casa de Dona Penha durante uma desocupação que pode ocorrer a qualquer momento? Nesta hora todas as denúncias dos moradores da Vila Autódromo sobre jogo sujo, terrorismo psicológico, ameaças e descasos perpetrados pelos agentes da prefeitura naquela comunidade soam muito reais.

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