Esta matéria foi originalmente publicada na VICE News .
A crise política na Venezuela teve mais um capítulo dramático na última terça-feira (27), quando um policial usou um helicóptero militar para lançar um ataque contra a Suprema Corte do país e exigir que o governo renuncie. A turbulência política já rendeu incontáveis horrores nos últimos três meses, incluindo veículos blindados atropelando manifestantes, tiros a queima roupa e mais de 80 mortes.
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Analistas dizem que ainda não é possível saber se o momento dramático representa uma revolta mais ampla das Forças Armadas contra o governo venezuelano. As forças de segurança têm dado amplo apoio ao presidente Nicolás Maduro, por isso não se sabe, ainda, se foi um caso isolado.
Do helicóptero foram lançadas granadas no prédio da Suprema Corte e a região do entorno do Ministério do Interior foi atingida a tiros. Segundo o governo local, o ataque não deixou feridos. Maduro, que tinha alertado mais cedo na terça que seus simpatizantes pegariam em armas se seu governo fosse derrubado, rotulou o ataque como uma tentativa de golpe e jurou encontrar o “terrorista” responsável.
O piloto por trás do ataque teria escapado da cena e ainda não foi preso, mas não está tentando manter sua identidade em segredo. Ele postou várias declarações em vídeo no Instagram, cercado por homens mascarados em uniformes militares, apresentando-se como Oscar Perez, um piloto do Corpo de Investigações Científicas, Penais de Criminalísticas (CICPC), vinculado à Polícia Nacional venezuelana, que diz ter agido em favor de um grupo de oficiais militares, policiais e civis que se opõem ao “governo criminoso” de Maduro.
“Essa luta é… contra o governo vil, contra a tirania”, ele diz no vídeo. Durante o ataque aos prédios do governo, uma faixa presa ao helicóptero continha os dizeres “350 Liberdade” — uma referência a um artigo da Constituição do país que permite aos cidadãos se levantarem contra um governo que mine princípios democráticos.
A mídia local apontou que Perez sempre teve uma queda pelo dramático: ele produziu e estrelou um filme de ação em 2015, “Muerte Suspendida”, no qual interpretava um soldado resgatando uma vítima de sequestro.
O episódio marca uma guinada na crise política venezuelana, mas analistas alertam que é cedo para dizer que a ação indica uma rebelião maior das Forças Armadas contra o governo. Alguns oponentes de Maduro até dizem que o ataque foi encenado para justificar uma ofensiva maior.
“É algo muito grave e muito significativo”, disse Francisco Panizza, professor de políticas latino-americanas da London School of Economics. “Mas a questão maior é se essa foi uma posição isolada desse oficial e alguns colegas, ou uma demonstração maior de rompimento dentro do aparato de segurança — e ainda não temos uma resposta para isso. O presidente Maduro e seu governo resistiram a vários pontos de guinada até agora.”
Por que a Venezuela está nesse caos?
O país que foi uma nação próspera na América do Sul tem sido chacoalhada quase que diariamente por grandes protestos desde o começo de abril, pedindo a renúncia de Maduro em meio a um cenário de inflação gigante, além da falta de itens básicos como alimentos e remédios. As pessoas acusam Maduro, um socialista que substituiu seu mentor Hugo Chavez depois de sua morte em 2013, de administrar mal a economia do país e tomar ações cada vez mais autoritárias para se manter no poder, e pedem que a eleição presidencial — agendada para o final de 2018 — seja antecipada. Oposição e governo se acusam mutuamente de tentativa de golpe.
Os protestos começaram depois que a Suprema Corte, que muitos veem como cheia de juízes pró-governo, dissolveu o parlamento e transferiu o poder legislativo para si. A ação foi revertida dias depois, mas o governo provocou ainda mais raiva quando proibiu o líder da oposição, Henrique Capriles, de participar de qualquer atividade política, alimentando acusações de que o país está entrando numa ditadura.
Maduro está pressionando por uma votação no dia 30 de julho para um novo corpo chamado Assembleia Constituinte, que, segundo ele, fornecerá uma solução para a crise. Os opositores, por sua vez, temem que a Constituinte seja usada para retrabalhar o enquadramento constitucional do país, aumentar os poderes executivos do presidente e atropelar poderes do parlamento.
“A questão é que essa não será uma eleição normal em termos de ‘uma pessoa, um voto’, mas votada por organizações sociais, sindicatos e associações de bairro, que no geral são controlados pelo governo”, disse Panizza. “Isso é visto amplamente como uma maneira de o governo continuar no poder, não uma solução para a crise.”
Maduro, que tem cerca de 22% de apoio nas pesquisas, se recusa a recuar diante dos protestos e turbulência civil que já resultaram em 80 mortes até agora. Na terça-feira (27) ele foi além, jurando numa transmissão ao vivo para o país inteiro que lutaria para defender a “revolução bolivariana” de Chavez.
“Se a Venezuela for jogada no caos e na violência, e a revolução bolivariana for destruída, iremos ao combate”, disse Maduro. “Nunca desistiremos, e o que não conseguirmos alcançar com votos, vamos fazer com armas. Vamos libertar a pátria com armas.”
Esse último protesto mostra que uma solução não parece estar na mesa no momento.
Tradução do inglês por Marina Schnoor.