Guia Noisey para curtir um Chico Buarque

Chico Buarque

O Chico Buarque é, junto com a Turma da Mônica, Domingão do Faustão e o especial de fim de ano do Roberto Carlos, parte do consciente coletivo brasileiro. Não me lembro exatamente qual foi a primeira vez que eu reconheci a existência de um dos maiores cancioneiros brasileiros de todos os tempos, mas tenho algumas lembranças da infância de, por exemplo, ir assistir o filme Uma Noite em 67 com o meu pai no cinema, ou ter aulas sobre a ditadura militar em que os professores exibiam vídeos de tanques de guerra na rua e pessoas correndo de bombas ao som de “Apesar de Você” ou “Vai Passar”.

Mas foi só lá pra adolescência que eu fui me animar pra checar os LPs e CDs por mim mesma e, graças ao magnífico avanço do YouTube, pude sacar um pouco mais da pira e do apelo de Chico em diversas apresentações que eu guardo na cabeça com muitos detalhes, como a dele e Caetano cantando “Tatuagem” e “Esse Cara”, e ele e Gal Costa dividindo o microfone em “Samba do Grande Amor”.

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Longe de mim ser a pior das millennials e sentir nostalgia por um tempo que não vivi, mas é meio impossível de negar que alguns momentos que cercam Chico são minas de ouro da música brasileira – e dá pra dizer, talvez, que ele e alguns de seus contemporâneos são os responsáveis pelo que conhecemos simbolicamente como “música brasileira”. Além da inegável importância de suas músicas de protesto, Chico tem muitos outros lados e soube mostrar sua malandragem, seu romantismo e, mais do que tudo, sua habilidade de contar histórias nesses mais de 50 anos de carreira.

Muita coisa boa foi gravada ao longo dessas décadas, mas convenhamos que é um pouco complicado mergulhar de cabeça numa discografia de 38 (!) álbuns de estúdio – fora, é claro, os DVDs, apresentações ao vivo, canções compostas por ele que ganharam outras interpretações e lá vai fumaça. Por isso, dou aqui cinco pontos de partida para a obra de Chico que podem ser um pouquinho mais simples de adentrar. Acompanhe abaixo o Guia Noisey para curtir um Chico Buarque.

Chico Buarque Romântico

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Chico sempre teve um pé no samba, curtia uma marchinha de carnaval – as duas coisas estão bem presentes no seu álbum de estreia, Chico Buarque de Hollanda, de 1966 – mas desde sempre o compositor mostrou sua face lírica de maneira mais forte nas suas canções românticas. Já nesse primeiro disco, faixas como “A Rita” e “Madalena Foi pro Mar” destacavam o lado galanteador do artista, ainda que não se aprofundassem muito no tema amor-e-perda que as duas pareciam discutir.

Nos anos seguintes, porém, essa pareceu se tornar a temática persistente das canções de amor de Chico, tratada de diferentes pontos de vista e em diferentes momentos de sua carreira – se em “Desalento” (do Construção, 1970), ele chora e morre por um arrependimento e pede pra que sua amada volte, em “Samba do Grande Amor” (de seu álbum homônimo de 1984) ele dá risada de suas próprias desilusões amorosas.

Chico também ficou conhecido como um entendedor profundo da alma das mulheres por conta de suas composições que partiam de um eu lírico feminino e, muitas vezes, focavam nos dramas domésticos sofridos pelas mulheres com o descaso e destrato de seus próprios maridos. Isso lhe rendeu algumas belas interpretações, como a de Nara Leão de “Com Açúcar, Com Afeto” e a de Marieta Severo e Elba Ramalho de “O Meu Amor”.

Playlist: “A Rita” / “Madalena Foi pro Mar” / “Morena dos Olhos d’Água / “Com Açúcar, Com Afeto” / “Desalento” / “O Meu Amor” / “Trocando em Miúdos” / “Samba do Grande Amor” / “Eu Te Amo” / “Cala A Boca, Bárbara” / “Dueto” / “Tua Antiga”

Chico Buarque Político

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Na mesma época em que viu sua carreira deslanchar, Chico também viu o país que inspirava sua arte cair numa vala que parecia não ter fundo. Logo após o lançamento de seu segundo disco, Chico Buarque de Hollanda Vol. 2, em 1968, o Brasil passou a ser assombrado pelo AI-5, que, entre muitas outras atrocidades, institucionalizou a censura de obras musicais, teatrais, literárias, cinematográficas e televisivas que se mostrassem contrárias ou críticas ao regime militar vigente.

Chico se autoexilou na Itália a partir de 1969, onde assumiu, por um curto período, o pseudônimo de Juninho de Adelaide e compôs músicas como “Acorda Amor”, que denunciavam os crimes da ditadura sem falar explicitamente sobre o regime. Mas foi só em 1970, já de volta ao Brasil, que Chico compôs seu magnum opus e afiou todas as suas críticas no disco Construção. “Deus Lhe Pague”, “Construção”, “Samba de Orly”, “Cordão”, são muitas as faixas em que o artista canta sobre sua vida no exílio e o que se passava no Brasil, da censura ao cotidiano do trabalhador explorado.

Apesar de diversas de suas músicas terem sido repetitivamente proibidas no Brasil, a resistência de Chico continuou aparecendo na sua arte através das décadas, o que lhe rendeu muitos clássicos: “Apesar de Você”, “Vai Passar”, “Meu Caro Amigo”, “Cálice” com o Milton Nascimento e tantas outras. Logo antes da redemocratização, no disco Chico Buarque de 1984, o artista também compôs “Pelas Tabelas” sobre as manifestações pelas Diretas Já.

Playlist: “Roda-Viva” / “Deus Lhe Pague” / “Construção” / “Cordão” / “Samba de Orly” / “Acorda Amor” / “O Que Será (A Flor da Terra)” / “Tanto Mar” / “Apesar de Você” / “Pelas Tabelas” / “Vai passar”

Chico Buarque Cronista

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Como todo bom cancioneiro, Chico Buarque sabe contar uma história. Daquele jeitinho com os dois pés enterrados na literatura (não à toa ele já lançou alguns livros, como os já clássicos Estorvo e Budapeste) e a voz de narrador forte e onipresente. O compositor faz isso até hoje, como demonstrou “As Caravanas”, single de seu álbum homônimo lançado no ano passado, mas é especialmente intrigante assistir como sua habilidade para imaginar crônicas e desenrolar enredos se desenvolveu ao longo das décadas.

O dom já estava lá, na primeira faixa de sucesso de Chico, “A Banda”, por mais que a linguagem mais simples das marchinhas de carnaval prevalecesse. Daí para a frente, Chico se dispôs a contar as mais variadas histórias, dos mais diferentes personagens: em “Pivete”, ele descreve um trombadinha que anda livremente pelas ruas do Rio de Janeiro, “Olhos nos Olhos” conta de uma esposa orgulhosa que se recuperou após ser deixada pelo marido, “Valsinha” discorre sobre o encontro de um casal que se apaixona aos poucos.

A autoficção de Chico também vai longe. Em faixas como “Paratodos”, “Minha História” e “O Meu Guri”, o artista canta na primeira pessoa e causa certa confusão no ouvinte sobre quais elementos daquelas histórias são verdadeiros e fictícios. No fim, não importa muito. O discurso poético de Chico é interessante para além de sua própria vida ou história.

Playlist: “A Banda” / “Olhos nos Olhos” / “Cotidiano” / “Valsinha” / “Minha História” / “O Meu Guri” / “Paratodos” / “Passaredo” / “Pivete” / “Flor da Idade” / “Gente Humilde” / “As Caravanas”

Chico Buarque Malandro

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“Você não gosta de mim / Mas sua filha gosta” cantava Chico na faixa “Jorge Maravilha”, de 1974. A faixa já tinha passado por algumas malandragens antes de ser gravada oficialmente: além de ter sido composta sob o pseudônimo do artista, Juninho de Adelaide, Chico também colocou alguns estrofes extras na música, para fazê-la soar como uma canção de amor aos olhos dos censores do Serviço de Censura de Diversões Públicas. A faixa, na verdade, era uma ironia com ter sido detido por agentes do Dops que, mais tarde, pediam-lhe autógrafos por suas filhas serem fãs do cantor.

Esse tipo de humor sacana, mais o envolvimento com a cultura popular e o inconfundível sotaque carioca, eram as características que davam à algumas canções de Chico o irresistível charme da figura do malandro. Os sambas autorreferenciais são fundamentais (“Quem Te Viu, Quem Te Vê”), assim como as menções à dupla tradicional da cultura brasileira, a feijoada (“Feijoada Completa”) e o carnaval (“Noite dos Mascarados”). Nem só de coisa séria se vive essa vida, afinal.

Playlist: “Amanhã, Ninguém Sabe” / “Jorge Maravilha” / “Quem Te Viu, Quem Te Vê” / “Feijoada Completa” / “Homenagem ao Malandro” / “Vai Trabalhar Vagabundo” / “Essa Moça Tá Diferente” / “Não Existe Pecado Ao Sul do Equador” / “Noite dos Mascarados”

Chico Buarque das Trilhas Sonoras

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Em 1965, a pedido do diretor do teatro da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, Chico musicou o poema Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, para uma montagem teatral da peça. Desde então, a história de amor do artista com as trilhas sonoras, principalmente no teatro, tem sido longa e duradoura.

Algumas das músicas mais conhecidas de Chico foram feitas para servir de trilha de espetáculos teatrais e audiovisuais: da infantil “Piruetas”, composta para o filme Os Saltimbancos Trapalhões, à hostil “Geni e o Zepelim”, parte do musical Ópera do Malandro, passando por “História de uma Gata”, interpretada por Nara Leão como parte de uma adaptação da peça Os Saltimbancos. Muitas dessas trilhas foram construídas apenas por instrumentais, destacando o talento de Chico para além das letras.

O artista também se aventurou a escrever e musicar suas próprias peças durante os anos 1960 e 1970, entre elas Gota D’água, Roda Viva e Calabar, as duas últimas proibidas pelos censores da ditadura militar.

Playlist: “Piruetas” / “Geni e o Zepelim” / “História de Uma Gata” / “A Volta do Malandro” / “Na Carreira” / “Vence na Vida Quem Diz Sim” / “Tema para Morte e Vida Severina” / “Mambembe” / “Partido Alto” / “Bom Conselho”

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