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Entrevista

O diretor de 'Logan' fala sobre o problema de filmes adaptados dos quadrinhos

Conversamos com James Mangold sobre política, o fascismo dos filmes de super-heróis e seu novo e incrível Wolverine.

Esta entrevista foi originalmente publicada na VICE US.

É uma declaração que já está cheirando a clichê, mas foda-se: Logan não é mesmo um típico filme da Marvel. A obra solo sangrenta e surpreendentemente emocionante de James Mangold lança o icônico Wolverine de Hugh Jackman para uma performance de respeito. É um filme sério sobre família e desfecho de uma vida, que encontra diversão em decapitações, desmembramentos e todas as maneiras possíveis de, como garras de adamantiun, cortar a carne humana. Os 137 minutos do filme têm gargantas cortadas o suficiente para deixar até MacGruber no chinelo.

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Mas o filme não é só sangue e tripas. O isolamento temporal (e, às vezes, literal) de Logan pode se destacar na estrutura cheia de episódios da franquia, e o road movie de ação de Mangold — que foca no Wolverine e Professor Xavier (Patrick Stewart) enquanto eles tentam ajudar a mutante de 11 anos Laura (Dafne Keen) a achar um porto seguro — também traz referências de outros gêneros clássicos, como faroestes e dramas futuristas distópicos. É um filme que parece um filme — uma sensação que, na paisagem dos filmes de quadrinhos recente, é cada vez mais rara.

Falei com Mangold sobre o problema dos filmes adaptados dos quadrinhos, as alusões políticas de Logan, e capturar ação frenética nas telas.

VICE: Logan é propriedade Marvel, mas diferentemente dos outros filmes recentes da empresa, ele funciona muito bem como um filme solo.
James Mangold: Eu questiono a sabedoria do [universo cinematográfico da Marvel] em geral. Uma coisa que preocupa todo mundo é a criatividade e qualidade desse tipo de filme — e se esse é o caso, então me parece que a primeira ordem do negócio deveria ser imaginar por que eles não são mais interessantes ou emocionantes. De várias maneiras, isso tem muito a ver com liberdade. Fãs — e os sites da internet que servem esses fãs — colocam muita pressão na continuidade, e a ideia de que você tem que poder cortar esses filmes num Berlin Alexanderplatz de nove horas. Não há nada de mal nisso, acho, mas é um contra-filme.

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Quando você se vê na cadeira do capitão num desses filmes, você se sente um pouco como Houdini — você está num sistema restringido, e está tentando imaginar como sair dele. Já tendo feito um desses filmes, me ocorreu que o jeito de sair [desse sistema das franquias] é construir algo que funcione para todo mundo, não só para quem já viu os outros filmes. Você tem que largar o que tiver que largar para fazer que o filme funcione, da mesma maneira que todo artista de quadrinhos nas HQs largou o que seus predecessores fizeram. Acho que os fãs ficariam muito mais felizes com os filmes se vissem os quadrinhos da mesma forma que vemos Shakespeare — convidamos os diretores para usar o material da maneira que quiserem, e depois os julgamos pelos resultados.

Numa cena de Logan, o Professor Xavier e Laura estão assistindo Os Brutos Também Amam na TV do hotel. Claro, há uma grande vibe faroeste no filme, e você já brincou muito com o gênero Western na sua carreira — de Cop Land: A Cidade dos Tiras a Os Indomáveis

Faroeste é cinema puro. Sempre que você se sentir confuso fazendo um filme, acho que essa é a melhor direção para tomar, o norte da sua bússola. Não vejo o Western como exclusivo de outros tipos de filmes. As pessoas chamam Star Wars de ficção científica, mas acho que tem muito mais a ver com faroestes do que com ficção científica. Por que 2001: Uma Odisseia no Espaço e Star Wars deveriam estar na mesma categoria? Faroestes são definidos por armas, poeira e cavalos — tem uma arquitetura, tipo um prédio.

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Uma armadilha de muitos filmes de quadrinhos que tentamos evitar foi depender dos atores numa sala, discutindo num pseudo-desacordo sobre o que está acontecendo como uma maneira de explicar qual será a próxima ação. Quando as pessoas reclamam que falta desenvolvimento de personagens nesses filmes, você tem que se perguntar: "Bom, por que há tantos personagens?" É simples matemática. Você tem 120 minutos, e tem que devotar alguns deles para as sequências de ação — mais da metade, na maioria desses filmes — então você tem dez personagens e 60 minutos sobrando, eles ganham seis minutos para existir no filme inteiro. Isso é menos tempo que Willy Coiote tinha no desenho do Papa-Léguas. Não é surpresa que os personagens sejam rasos.

Logan se passa num futuro próximo, mas só vemos vislumbres do que podemos chamar de algo "futurista".
Tem o lado prático e o lado estético disso. O lago prático é que estávamos fazendo um filme de censura 18 anos, então Hugh e eu tivemos que aceitar menos dinheiro para seguir com o projeto. E ao mesmo tempo, foi uma concessão fácil de fazer para a liberdade que tivemos, então eu não podia construiu todo um mundo novo selvagem. Mas também tinha o lado estético — eu não queria fazer um filme de efeitos especiais do começo até o fim, no qual os atores atuam na frente de paredes verdes. Além disso, estou vivo há um bom tempo, e o mundo não mudou tanto assim. Os iPhones são iguais aos de dez anos atrás, e os carros são só ligeiramente diferentes. Todo mundo faz essas previsões sobre o que vai acontecer daqui dez anos — não sei sobre o mundo nesse ponto, mas acho que não andamos tão rápido como as pessoas preveem.

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No cinema em geral, a visão do futuro parece bem menos grandiosa do que há 20 ou 30 anos.
Um desses filmes que sempre vêm à cabeça falando disso é Blade Runner. Aquela visão do futuro não era só grandiosa, criativa e sombria, mas também muito influente em designs e acabou acontecendo na vida real.

Mas esse não era meu objetivo [para Logan]. Meu objetivo era ser não-épico. Quando apresentei esse filme para a FOX, eu disse que queria fazer um Pequena Miss Sunshine muito sangrento — o conceito todo, para mim, era correr o máximo possível contra o que está acontecendo no momento. A principal influência cinematográfica para quase todos os filmes de quadrinhos nos últimos anos é Triunfo da Vontade — uma visão épica, sombria e fascista do futuro, que gosto de ver como espetáculo, mas não parecia [uma abordagem] certa para esse filme. Isso sempre parece grande demais — como se o filme estivesse se vendendo como o astro, em vez de deixar os personagens estrelarem.

Tem uma cena na qual um monte de crianças mutantes correm para cruzar a fronteira entre EUA e Canadá, uma imagem que parece muito atual, especialmente considerando o tanto que o filme foi gravado no México.
[O roteirista] Scott Frank e eu terminamos o primeiro rascunho desse filme durante o auge da campanha presidencial e do Brexit, então tudo isso estava na nossa cabeça. Faroestes não são realmente sobre 1885, porque esse momento nunca existiu de verdade — esses foras da lei, animais selvagens, mocinhos, fazendeiros, locomotivas e roubos de trem. É um lindo sonho febril da chegada da Era Industrial versus o final da era anterior — da mesma maneira que os filmes de samurai são um lindo sonho cinematográfico da história japonesa. Os filmes de faroeste e de samurais de maior sucesso são poderosas alegorias sobre o tempo e lugar onde foram feitos, não o tempo e o lugar onde se passam.

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Em Os Indomáveis, [o personagem de Christian Bale] perde uma perna na Guerra Civil, mesmo nunca tendo se voluntariado — ele foi recrutado da Guarda Nacional de Massachusetts. Aquele filme foi feito no auge do conflito no Oriente Médio. Sempre tento fazer filmes sobre o mundo em que estamos. Os primeiros filmes [da franquia] X-Men refletem sobre questões como intolerância e o outro — momentos raciais, sexuais e até históricos de genocídio. Era isso que tornava aqueles filmes interessantes, e eu não queria perder isso.

Você tem uma carreira muito produtiva e variada como cineasta. No documentário do ano passado sobre Brian De Palma, De Palma, ele mencionava que não tinha muito tempo para focar em críticas negativas porque estava sempre pensando no próximo projeto.
Eu amo fazer filmes. Estou mais feliz quando estou trabalhando, e mais confuso e perdido quando não estou. O que o Brian disse é a chave para não se perder nas críticas. Não tem nada de errado em ouvir as críticas, mas você tem que seguir adiante e continuar criando, porque, às vezes, a coisa mais bela sobre filmes é que eles não são apreciados no momento em que saem. As partes mais estranhas nos filmes às vezes são as mais inovadoras — e com o tempo acabam sendo abraçadas.

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Tradução: Marina Schnoor

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