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Música

O SWR não é um festival de metal

Cerveja, frio e heavy metal.

É incrível como apesar de terem passado dez anos desde que pus os pés pela primeira vez em Barroselas, e apesar de tanto ter mudado na minha vida, a sensação que tenho ao olhar para a placa que assinala a pequena vila minhota e avistar a tenda do recinto lá ao longe mantém-se totalmente inalterada: é alegria pura, estamos finalmente em Barroselas e durante os três dias que se seguem a única decisão difícil é saber se vamos ver aquele concerto ou ficar a beber copos cá fora.

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Todos os anos é a mesma coisa e é por isto que o SWR não é um festival de metal, é muito mais do que isso, é um encontro de amigos que se reúnem algures no meio do nada sob o pretexto de ir ver uns concertos para porem a conversa em dia e celebrar o metal, passado, presente e futuro. Não estamos a falar só de música, estamos a falar também de pessoas e de um estilo de vida — não é por acaso que chamam ao SWR o natal do metaleiro. Por motivos académicos vi-me forçado a faltar ao dia 0, mas chegado à fila das pulseiras e acabado de montar a tenda passa o Ricardo Veiga e diz: “Devias ter cá estado, foi uma festa do caralho.” É sempre. À minha volta grupos de velhos conhecidos reatavam amizades antigas e trocavam bebidas; poderia apostar que grande parte desta gente não se encontrava desde o ano anterior. Já de pulseira no pulso dediquei-me à prática do meu desporto favorito: Extreme Superbocking. Como sabe bem a cerveja em Barroselas, tão bem que as memórias desse dia estão turvas, mas entre os concertos que vi destaco Agalloch, forma bonita de separar a noite do dia, e Killimanjaro, uns putos de Barcelos que tocaram já muito tarde no palco Milhões e cujo rock com laivos de heavy metal clássico foi muitíssimo bem recebido pela multidão ainda acordada — não tenho memória de uma noite em Barroselas em que tanta gente se tenha mantido a pé até tão tarde, e, numa altura em que já se falava em snifar bagaço, aparece lenta e paternalmente uma figura lá no alto que na sua luminosa sapiência indicava que estava na hora de trocar a praça suja do castelo da ginja pelo pano reconfortante da tenda. Não fosse o sol a festa não tinha acabado. Depois de um banho preguiçoso nos balneários das piscinas e após ingeridas umas bolachas e uns sumos para enganar a consciência, estava oficialmente aberto o segundo dia, e fui até ao estádio para assistir a um evento típico: O SWR Brutal Soccer, em que quatro equipas de sete metaleiros disputam nas quatro linhas o prémio de um garrafão de vinho e sete t-shirts do festival. A qualidade do futebol era tão má e cómica como notória a ressaca dos que chutavam a bola, e uma arbitragem extremamente democrática (era o público que decidia as faltas e penáltis) foi a cereja no topo do bolo de um início de tarde engraçado. Passei então do estádio para palco Milhões, onde Hellcharge e o seu no-metal carregado de vícios e sujidade me fizeram trocar o primeiro steel do dia por um fino. Não me lembro do que andei a fazer nas horas que se seguiram, mas dei por mim no mesmo palco (desta vez com uma banda a tocar e umas dez pessoas no palco a curtir) a ver RDB e o seu grindcore escatológico que levou o público ao rubro. Não deixa de ser interessante notar que boa parte do pessoal os preferiu a Onslaught, verdadeiros veteranos metálicos que tocavam no palco principal em simultâneo. Troquei Luctus por um jantar lá atrás em que uma banda mexicana ia andando à porrada e não consegui deixar de ficar algo atordoado quando surgem pelas escadas Bobby Liebling e restantes Pentagram: não é todos os dias que jantas arroz de pato com uma lenda do rock na mesa ao lado. Só não sei é se ele pediu gelatina ou leite-creme de sobremesa. Chamaram-me para ir ver os Belphegor a prepararem as cabeças de porco, mas quando cheguei já só lá estavam mesmo as cabeças. Vi duas músicas do concerto deles e fui lá fora preparar-me para o que vinha aí: Urfaust. Adoro Urfaust, devo a essa banda ter sido apanhado pela primeira vez pelos meus pais numa bebedeira, quando decidi ir ouvir a cassete do Geist Ist Teufel para cima de um molho de lenha. Era um concerto para o qual tinha gigantes expectativas, que milagrosamente não saíram defraudadas. Não sei quanto tempo tocaram, mas foi uma grandiosa viagem que só pecou por ser curta. Acabado o concerto e ainda em trance ouvem-se os primeiros acordes da orquestra de escuteiros de Barroselas e as suas covers de clássicos do metal, foi uma chapada de volta para o festival e assim que acabam de tocar a Angel Witch, sobem ao palco os lendários Pentagram para uma demonstração ao vivo de que velhos são os trapos, mas que nada bate velhos trapos no que toca a dar um bom espectáculo, carregado de clássicos que só a idade permite. Como sempre, no SWR, são as bandas de grindcore que mais fazem a festa, e Jig-Ai não desapontaram, cumprindo à risca todas as leis da diversão. Após mais uma sessão de superbocking acabei num carro a ver Dementia 13 ao longe enquanto um DJ-psiquiatra alternava o som das colunas entre Leonel Nunes (porque não tem talo o nabo?) e noise alemão. A temperatura tinha descido em relação ao dia anterior, o que fez com que o resto da noite fosse passada na companhia de amigos e um par de colegas arqueólogos no SWR Café. O terceiro dia começou como o segundo: banho, bolachas, sumo e um regresso ao estádio, desta feita para um derby regional vindo directamente do inferno: ADBarroselas vs Darquense (uma equipa de Darque curiosamente equipada de branco). O público foi incansável no apoio aos da casa mas ainda assim o ADB acabou por perder por uma bola. Alguns elementos do público excessivamente entusiasmados não resistiram à chamada do hooliganismo, despedindo-se dos jogadores do Darquense com bisgas, insultos e houve até quem chamasse cristão ao árbitro. O corpo começava-se a ressentir de duas noites mal dormidas, por isso o resto da tarde foi dedicada ao vegetanço. Jantei, vi um belo concerto de Primigenium e chegava a hora de Manilla Road, a outra banda nascida nos anos 70 a tocar em Barroselas. Como é habitual no heavy metal o concerto foi animado, mas o resto do line-up não faz jus a Mark Shelton, guitarrista e verdadeiro frontman da banda, que provavelmente engatou o vocalista num bar de motoqueiros. Seguiram-se Black Bombaim, que provaram merecer todo o hype que geram por essa Europa fora com um dos melhores concertos do festival, e por fim chega a hora dos cabeças de cartaz do dia: Possessed. Eu não sou grande fã, a ideia que tinha deles é que eram uma banda que lançou o álbum certo na altura certa e pouco mérito lhes dava, mas após ver Jeff Becerra na sua cadeira de rodas ao som de música diabólica dei por mim com o meu braço direito erguido e com os dedos extremos em pé, aquilo sim foi um concerto de metal, e se houvesse um só que pudesse representar todo o festival, sem dúvida que o de Possessed seria a escolha óbvia. Seguiram-se SCD no palco 2 para mais uma sessão de Grindcore e festarola e Mata Ratos, que fecharam o tasco da melhor forma: debitando hino atrás de hino do punk português. Voltei para o SWR café, o café quentinho, e entre copos e parabéns ao pessoal da organização, que puderam finalmente desfrutar do próprio festival, não pude deixar de notar que o público de Barroselas está cada vez mais velho, e matutei sobre o que será do SWR, este adolescente de dezasseis anos, quando fizer vinte ou vinte e cinco. Os steels abundavam, quem ia dormir oferecia os seus aos que queriam ficar mais um bocado, até que a dada altura Carlos Nightman abandona o grupo dos que negavam o fim do festival à força com a frase “isto não é resistir, isto é insistir”. A(in)ssistimos ao concerto da máquina de drenar urinóis sob o sol da manhã e percorremos desoladamente o percurso até à tenda, percurso esse que media também a distância que nos separava do desfecho definitivo de mais um SWR. Este ano vai deixar saudades. Fotografia por Helena Granjo