Clipperton Project, os oceanos como laboratório

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Clipperton Project, os oceanos como laboratório

Este pessoal está a recrutar marujos com preocupações ambientais.

O Clipperton Project é o nome de um dos projectos mais ambiciosos que passaram pela última edição do

Festival Walk & Talk, nos Açores. Contexto: em 2011, Jon Bonfiglio (produtor e escritor) teve a ideia de levar uma tripulação de 16 elementos (biólogos, médicos, escultores, cineastas), de diferentes países (EUA, México, Inglaterra) até à ilha de Clipperton, um atol desabitado no Pacífico. A ideia inicial baseava-se em criar uma consciência crítica sobre o aquecimento global, bem como soluções alternativas ao problema. Isto, claro, além de explorar os seis quilómetros quadrados da ilha, repletos de plástico, explosivos americanos não-detonados do pós-segunda guerra e animais em decomposição. Dois anos depois, o projecto desmultiplicou-se por diversos barcos e diversas expedições. Um desses barcos é o Rusalka of the Seas, capitaneado por Marc Rosenfeld, que esteve nos Açores durante uma semana. Acompanhado pelo ranger das cordas do Rusalka, fui ouvindo as várias histórias de quem já anda no mar há largos anos e que tornam o projecto Clipperton ainda mais interessante. Há dois anos que o Marc vive no barco, juntamente com os dois filhos e a mulher. Normalmente partilha-o para projectos ou curtas estadias. Como não há forma de compreendermos o que significa andar semanas de barco pelo Atlântico se não entendermos as dificuldades da aventura, acabei por ouvir uma descrição geral de tudo aquilo que implica deixar as cidades para trás. Em dois anos de Rusalka há montes de experiências para contar, desde a entreajuda com os pescadores em cidades bonitas como Martinica até às Ilhas Caimão, onde durante oito horas, sem comida nem bebida, foram revistados e tratados como narco-traficantes. A partir do momento em que se parte, o barco torna-se numa verdadeira ilha para os seus tripulantes, no meio de um enorme deserto azul — curiosamente, é este o tema explorado por um dos tripulantes actuais do Rusalka, Stephen Hurrel. Passar semanas num barco é estar sem escapatória, dentro de uma ilha flutuante, no meio de um imenso deserto azul. O barco navega 24 horas sobre 24 horas e todos os elementos têm de ajudar — usam um sistema de turnos de três horas ao leme, sempre acompanhados, variados e intervalados por seis horas de descanso. Segundo Marc, no mar, o dia começa às sete da manhã com os miúdos a acordarem toda a tripulação. Na verdade, “perde-se a noção das horas” , mas acaba por ser útil que os miúdos o façam porque “há sempre coisas para fazer”, quanto mais não seja, limpar o barco e tirar o sal, “o pior inimigo”, diz-me o capitão. Os primeiros quatro dias são os mais complicados. Ao contrário do que se possa pensar, a facilidade de alguns elementos em enjoar, a dificuldade de habituação à comida, etc, fazem com que os primeiros dias sejam realmente os mais difíceis. Para muitos dos elementos, viver num barco é uma forma de não pertencer ao sistema instalado. Tanto no Rusalka como no Clipperton, quando chegam a um determinado porto, a ideia é pertencer ao habitat local. Para os locais, “chegar de barco é diferente de chegar de táxi ou avião”. Na opinião da tripulação, isso faz com que haja mais parecenças com os pescadores locais e isso abre portas para uma interacção maior. Todos eles se esforçam por contactar o mais que podem com as cidades que vizitam, porque, de facto, precisam da cidade para sobreviver, precisam de gás, de comida, de um médico, e por aí fora. Se se fartarem desse sistema, tentam outro. Quando pergunto ao Marc pelos filhos e pela mulher, ele garante-me que todos gostariam de viver no barco. É como ser-se um caracol: com a casa sempre às costas. Volta e meia, confessa-me, os filhos já lhe perguntam por que é que as outras pessoas têm a casa sempre no mesmo sítio. Segundo Marcela Verela, uma das integrantes do Clipperton, a expedição que passou pelo Açores tem como objectivo mostrar o projecto ao mundo, através das múltiplas expedições e dos variados projectos (cursos de formação a decorrer no México e na Austrália) e recrutar artistas ou cientistas que queiram ter uma intervenção ambiental. A paragem nos Açores também serviu para procurar novos integrantes para as expedições. Infelizmente, não houve candidatos e o grupo voltou para o mar sem novos elementos. Se, por acaso, estiveres a ler isto e tens um projecto em mente, recebe a dica do capitão Marc: “Se vens para uma viagem de barco e deixas a tua mulher ou a tua namorada de fora, é como se nunca estivesses a viajar. Quando viajas, é importante cortar com tudo. Tens de entender que não podes deixar nada para atrás. Tens de levar tudo. E a namorada ou vem, ou fica com outro. A casa ou vem, ou fica arrendada.”

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