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The Creators Project

A artista de Gaza que passou 20 meses numa solidão auto-imposta

O projecto fotográfico de Nidaa Badwan, "100 Days of Solitude" é uma história de sobrevivência física e mental.

"100 Days of Solitude; Code: 21", Nidaa Badwan, 2015. Todas as imagens courtesia da artista e da Galeria Postmasters

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma The Creators Project.

À luz de autênticas histórias de terror da actualidade, de que são exemplos os casos mediáticos do suicídio de Kalief Browder, depois de sair de um período de solitária na prisão, ou da tentativa de suicídio de Chelsea Manning em circunstâncias semelhantes, parece quase absurdo pensar-se que alguém se preste por iniciativa própria a um longo período de isolamento. No entanto, foi precisamente isso que a artista de Gaza, Palestina, Nidaa Badwan, fez durante 20 meses, entre finais de 2013 e 2015.

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Recentemente exposto na Galeria Postmasters, o trabalho de Badwan, intitulado 100 Days of Solitude, numa referência à obra de Gabriel García Márquez, Cem Anos de Solidão, é o resultado (ainda assim condensado, face ao tempo real da experiência) dessa reclusão auto-imposta.

"100 Days of Solitude; Code: 7", Nidaa Badwan, 2014

No entanto, a solidão deliberada da artista não tem a ver, propriamente, com o que se passa nas prisões. É, antes, um grito de protesto em relação ao que se passa em Gaza, terra onde continua a viver. O conflito israelo-palestino e em particular a questão de Gaza, deixou o mundo fora do seu quarto num estado caótico, numa zona de guerra repleta de pobreza e violência extrema.

O seu espaço, ao mesmo tempo, continua a ser um "santuário" afastado dos horrores do exterior, muitas vezes de difícil compreensão para quem não conhece a realidade no terreno. "É complicado encontrar palavras para o descrever. Só se consegue perceber quando se vive mesmo uma experiência destas", diz Badwan ao The Creators Project.

"100 Days of Solitude; Code: 8", Nidaa Badwan, 2014

Para a artista, o ponto de ruptura aconteceu quando, em 2013, foi atacada por oficiais do Hamas, por não se vestir de acordo com as regras do Islão e por, salienta, "não compreenderem a sua arte".

A pancada que apanhou provocou em Badwan uma mudança traumática, que resultou num período inicial de dois meses de reclusão, onde se limitava a tomar comprimidos, quase não conseguia comer e por pouco não cometeu suicídio. No entanto, depois, a sua máquina fotográfica transformou-se não só na sua ferramenta artística, como na sua própria terapia, guiando-a pela tormenta psicológica e pelas adversidades que a rodeavam.

"100 Days of Solitude Installation View", Nidaa Badwan, 2016

Ao longo do período de isolamento de 20 meses, a artista produziu uma série de auto-retratos, nos quais personificou vários papéis. Numa das imagens, Badwan é uma simples cozinheira debruçada sobre um fogão a gás, noutra uma pintora a trabalhar, noutra ainda aparece num quarto escuro a "espancar" furiosamente uma máquina de escrever. Tal como acontece com a descoberta da utópica e surrealista cidade de Macondo na obra de Márquez, Badwan cria um mundo muito próprio e uma narrativa pessoal, a partir de um espaço que está muito longe de ser o ideal. 100 Days of Solitude torna-se, assim, numa história de sobrevivência física e mental.

"100 Days of Solitude; Code: 6", Nidaa Badwan, 2014

Podes saber mais sobre o trabalho de Nidaa Badwan aqui.