Treze anos após sua morte, Sabotage está mais ativo do que nunca. No último mês, saiu o segundo álbum póstumo do rapper e, nesta semana, foi divulgada a música "Neural", uma parceria com o grupo RZO, em que uma inteligência artificial criou frases com base nos padrões do que o músico disse em vida.
Parece sobrenatural, mas não é. Para a criação do som, os técnicos da empresa brasileira Kunumi criaram uma rede neural que foi alimentada com os textos e letras de músicas escritas pelo Maestro do Canão. Assim, lendo as estrofes, a máquina aprendeu os padrões linguísticos do Sabota. "Este sistema que utilizamos, o Deep Learning, aprende os padrões apresentados a ele, no caso, o jeito como o Sabotage escrevia", resume Juliano Viana, o CTO da Kunumi.
O recurso é bem conhecido: integra todos os assistentes digitais controlados por voz – Siri, Cortana e Google Now, entre outros. Estes apps são melhorados para se tornar mais precisos com base na interação com os usuários. Conforme falamos com eles, vamos alimentando uma base de dados cada vez mais rica em variações de vozes e sotaques dentro de um idioma.
"O humilde virou rei, levada de Pelé, fatality"
No caso de 'Neural', porém, o problema computacional foi pouco diferente. "Nesses aplicativos tipo Siri a máquina tem que entender o que está sendo dito e a partir disso gerar um significado. No nosso caso tivemos que, primeiro, aprender como o Sabotage versava e a partir disso conseguir novas rimas", explicou Viana.
Com a máquina devidamente configurada e rodando, familiares e amigos do artista foram chamados para validar as sentenças que a inteligência artificial sugeria. O processo de seleção durou quatro horas ininterruptas. As melhores classificadas serviram de base para trabalho final.
"Foi muito louco, uma puta responsabilidade", comentou o DJ Cia, integrante do RZO que participou dos dois álbuns do Sabotage e foi responsável pela batida da faixa. "Parei todos os outros projetos e fiquei três dias imerso na produção dessa música, praticamente não dormi por duas noites."
Cia explicou que, enquanto as frases eram classificadas pelo grupo, em uma sala separada Helião, também do RZO, recebia as sentenças com a maior pontuação e começava a organizar o que viria a se tornar a letra da "Neural". "Foi uma experiência louca porque saia coisa muito a ver com o Sabotage, vários finais de frase muito parecidos com o que ele formulava", comentou o DJ. "É louco porque esse tipo de tecnologia é usada pra guerra e aqui a gente usou pra fazer um negócio legal, pra ajudar o ser humano a fazer um negócio legal."
O resultado desta parceria homem e máquina pode ser visto aqui. Abaixo, você pode pirar nas letras geradas pela rede neural:
[Verso 1]
O som não tem final
Em coma escuro, o dom de Deus
No submundo contra o capataz
Cachorro pobre, querem valor descabelado tendo a fome morde
Ninguém escutou, os tiro alto
Madrugada o estopim foi tipo assim no ódio
Eu vim do pó, não volto só
Na esquina do universo o verso é melhor
Fiel função, Brooklin, Canão
Favela, jão, é frustração rap a milhão
Cultura invade, não é comum, Sabotage
Maracutaia o jogo é sujo tem que ser na luz
Ladrão esquece, click cleck bum
No foco eu fico, um fino eu faço eu fumo
Não quero a chave, só o segredo o som correndo o mundo
Você é capaz de amar os lokis
Injustiça vem pros livros que não soa forte
Simbora, jovem, ouve esse rap
Hoje a vida é só cobiça os corre da internet
[Verso 2]
O humilde virou rei, levada de Pelé, fatality
Respeito agora é lei, Sabote confiscou vaidade
O enxame é grande, eu sei
Então de frente não tem pra covarde
Sem debate, não confunda com humildade
Jamais hesite quanto a ser feliz
Mano, o chapéu nunca superou seu próprio eu não quis
Nada te impede de sonhar grande
Resgatar alguém do pó, dou sempre o meu melhor
Do centro RZO, e nosso exército cada vez maior
Na pista voa, 'tamo com os melhor
Ninguém tem dó do do maló só dou verdin sem pó
É Leste Oeste, Zona Sul, ZO
O futuro vem eu sento à mesa com os meus filhos
Entoamos hinos, os cara retornaram agora o trem está nos trilhos
O mundo é dos cruéis, meu amor, não perca o brilho
Não é clichê, é sacrifício, o rap é compromisso
No Canão o céu é cinza sem estrelas
Um cigarro, um café, o que ele quer? Papel, caneta
O poeta no rolê a fé lhe diz trocar a jaqueta
Brooklin sul, não esqueça, é muita treta