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Tecnologia

A Banqueira que Criou uma Alternativa para a Produção Intensiva de Carne

Sonia Faruqi viajou para mais de 60 países e acredita ter achado a cura para nosso vício na agricultura industrial

Fui vegetariana por quatro anos e ainda morro de saudades de carne. Como não concordo com 99% das práticas da indústria carnívora, só como um bife se tiver certeza de que ele vem de uma fazenda que cria e abate seus animais de forma que eu possa dormir tranquila.

Não foi uma decisão fácil. Eu já conhecia a realidade da pecuária intensiva há algum tempo; sou aquela pessoa que assistiu a Comida S.A e comeu frango frito no dia seguinte. Era mais fácil me convencer de que nem toda carne vinha de fábricas como aquelas. "Acho que comprar carne orgânica pode ser uma boa opção", eu pensava. Até que um dia me forcei a pesquisar mais sobre a procedência do que comia e descobri que a maioria da carne a qual eu tinha acesso vinha de fazendas que tratavam os animais de forma deplorável. Decidi parar de financiar esse sistema.

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Mas, puxa, morro de saudade de comer carne. Tenho saudade da época em que eu podia comprar um pacote de peito de frango congelado sem pensar duas vezes. Sinto falta de pedir um bife num restaurante sem ter que perguntar uma série de questões maçantes para, no final, decidir que não compensa. Daí meu interesse pelo recém-lançado Project Animal Farm — um livro que explora a realidade da indústria pecuária e o futuro de nossa produção alimentícia — em especial pela parte em que a autora sugere uma solução viável para esse sistema: um futuro em que a pecuária ética e sustentável será a norma, não a exceção.

Depois de visitar uma fazenda leiteira durante uma viagem mal planejada, Sonia Faruqi largou seu emprego como banqueira de investimentos em Wall Street e passou os dois anos seguintes visitando dezenas de fazendas ao redor do mundo. A missão de Faruqi era descobrir a verdade por trás da indústria agropecuária e tentar encontrar uma alternativa para as nossas práticas atuais, que visam produzir carne pelo menor preço, quase sempre às custas do meio-ambiente e do bem-estar dos animais.

Faruqi documenta todo esse processo no livro Project Animal Farm, com lançamento previsto para o dia 15 de julho. Típica perfeccionista, Faruqi não se contentou em visitar um ou duas fazendas: visitou mais de 60 estabelecimentos em oito países de três continentes. Ela mentia quando necessário (dizendo que queria trabalhar no ramo ou abrir sua própria fazenda, por exemplo) para ganhar acesso à fazendas que criam porcos, galinhas e vacas, e também à alguns abatedouros — cenários que ela descreve nos mínimos detalhes. Em meio à tanta matança, ela conheceu fazendas sustentáveis que reestabeleceram toda sua esperança na indústria.

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Entrei em contato com Faruqi para descobrir sua opinião sobre o impacto da tecnologia na agropecuária e os perigos da resistência à antibióticos. Além disso, queria saber se ela acredita numa cura para nosso vício em pecuária intensiva. Interesse pessoal? Sim, mas comunitário também.

MB: Como alguém que não está envolvida na indústria da carne, você ficou surpresa ao descobrir que alguns selos, como o selo de "produto orgânico", não correspondiam ao tipo de manejo que você esperava?

SF: Fiquei muito surpresa. Não só por causa dos selos; quando eu visitava o site de uma empresa, muitas vezes as fotos e descrições eram completamente diferentes da realidade. Eu era muito ingênua quando comecei minha pesquisa, e aprendi muito no caminho, como por exemplo que as fazendas que usam selos como "animais criados ao ar livre" ou " produto orgânico" são uma farsa. É tudo propaganda.

Você fala um pouco sobre resistência a antíbióticos no seu livro. Na sua opinião, esse seria um dos principais problemas da indústria pecuária?

Esse é um problema bem sério. Os antibióticos são muito utilizados. Falo sobre eles no capítulo sobre a fazenda de porcos de um produtor chamado Charlie, mas as granjas também colocam antibióticos na ração das galinhas. Esse é um problema preocupante e que pode trazer péssimas consequências — em especial quando vemos a quantidade absurda de antibióticos utilizada. Pelo que pude observar, os produtores não querem que o uso de antibióticos seja regulamentado, mesmo sabendo que isso afeta a saúde dos animais e, consequentemente, a própria indústria.

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Você também aponta outro lado negativo da nova indústria agropecuária: a distância entre o fazendeiro e os animais. Afinal, essas novas tecnologias têm algum lado bom?

A tecnologia não é empiricamente ruim, o problema é a forma como ela é utilizada. Vejamos a ordenha automatizada: embora o conceito em si não seja ruim, ele geralmente indica um sistema de produção no qual as vacas são criadas em confinamento, sem contato com seres humanos. No final, não são só os consumidores que estão alheios a esse processo; os próprios fazendeiros estão seguindo o mesmo caminho.

No final do livro você propõe uma alternativa: fazendas de caráter extensivo que criam animais de forma ética e sustentável. Mas será que esse sistema poderia substituir nossas práticas atuais?

Essa é uma alternativa viável, mas para mudar o modo de produção é preciso mudar nossos hábitos alimentares. Fazendas de criação extensiva podem abrigar milhares de animais — algo perto de 10.000 galinhas. Mas não 100.000, muito menos 300.000. Algumas granjas dos EUA abrigam centenas de milhares de galinhas. No lugar dessa escala monstruosa, a pecuária extensiva teria um modelo baseado na humanidade e na sustentabilidade. Os preços seriam maiores, é claro, mas não abusivos. E isso também resultaria no decréscimo do consumo de carne.

Se alguém lesse o seu livro e não se sentisse confortável com a indústria da carne, você recomendaria que ele se tornasse um vegetariano ou que procurasse uma fazenda que cria animais de forma mais ética?

Algumas pessoas não querem virar vegetarianas, mas querem mudar alguma coisa. Qualquer um pode fazer a diferença, mesmo que seja mudando seu critério de compra ou decidindo comer menos carne. Se duas pessoas diminuem seu consumo de carne, é como se uma delas tivesse se tornado vegetariana. Para mim, isso não é uma dicotomia. Qualquer um pode mudar o mundo — e espero que todos mudem.

Muita gente não gosta de falar sobre esse assunto. Você acha que essa mudança é realmente possível?

Um dos desafios é a distância entre produto e consumidor: existem mais galinhas no planeta do que humanos, mas quantas pessoas já viram uma galinha ao vivo? Essa distância faz com que as pessoas não se importem com esses problemas. Mas é como qualquer outra questão ambiental. Hoje a reciclagem é comum, mas nem sempre foi assim. Eu acho que o que importa é o interesse da população, e acho que o interesse está crescendo. Se continuar assim, podemos chegar ao ponto em que essa será uma questão de interesse público.

Tradução: Ananda Pieratti