Estou Obcecada Por Novelas Online Coreanas para Pré-Adolescentes
Captura de tela de "My Love From Another Star" ​

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Estou Obcecada Por Novelas Online Coreanas para Pré-Adolescentes

Graças a uma penca de serviços, estas novelas que vão ao ar na Coreia do Sul estão mais populares do que nunca para gente como eu.

Como a grande maioria das minhas histórias começam, era verão nos subúrbios e eu estava no meu quarto. Os ruídos eram reconfortantes, um som ambiente gostoso: gritaria abafada em coreano, naves espaciais batendo, e o clac-clac característico do teclado do meu MacBook enquanto pesquiso por figuras de linguagem traduzidas. Sou tão americana quanto baseball e a receita de cronuts da minha mãe, e mesmo assim passei a semana inteira assistindo ao drama coreano legendado My Love From Another Star na internet.

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E por mais que eu tenha sentido nunca estar tão sozinha quanto agora, sei que não estou só. Graças a sites de streaming de dramas coreanos como o DramaFever e o Viki, assim como conteúdo disponibilizado via Hulu, Netflix, e iTunes, estas novelas que vão ao ar na Coreia do Sul estão mais populares do que nunca para gente como eu – mulheres na faixa etária de 18 a 24 anos sem qualquer parentesco coreano.

As tramas das novelas coreanas (também chamadas de K-dramas) mais populares em serviços de streaming nos EUA variam loucamente e invariavelmente são loucas, mas estruturam-se tipicamente da seguinte forma: cada capítulo tem cerca de quarenta minutos ou mais, os arcos de cada história geralmente atém-se a temporadas individuais, e o romance central do enredo sempre é casto. O beijo entre o protagonista e a protagonista geralmente só acontece depois de dez capítulos. Não há sexo.

Tomemos por exemplo My Love From Another Star, um programa que foi ao ar originalmente entre dezembro de 2013 e fevereiro de 2014. Ele narra a história de um alienígena da dinastia Joseon que se encontra: a) viajando no tempo e b) envolvido romanticamente com a maior estrela da Seoul da atualidade. A iluminação é suave e os atores, Jun Ji-hyun e Kim Soo-hyun, são gatos. Quando eles finalmente se beijaram no capítulo 8, tive que parar pra recuperar o fôlego mesmo tendo crescido assistindo programas sexualmente explícitos na TV em canais como o Showtime ou HBO na frente dos meus pais.

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O programa me lembra muito Sleepy Hollow, um thriller sobrenatural da Fox que narra a vida de um Ichabod Crane reanimado (do conto de Washington Irving) enquanto ele ajuda/se envolve com uma xerife chamada Abbie Mills durante seu combate a inexplicáveis crimes na Sleepy Hollow dos dias de hoje. É engraçado e encantador no sentido de que "Ichabod não sabe o que é papel-filme, mas fica ótimo com um par de calças da época da Guerra Revolucionária Americana!". O mesmo vale para My Love From Another Star. Estou obcecada.

Precoce com relação a tudo menos cultura importada popular (no caso da Coreia do Sul chama-se Hallyu), só me tornei uma espectadora séria de novelas coreanas este ano. Mas elas tem feito um sucesso perceptível nos EUA há pelo menos cinco anos. Quando os cofundadores do DramaFever Seung Bak e Suk Park notaram o interesse por esse tipo de programa na internet, em 2008, o público consistia em um bando desorganizado espalhado pelo mundo subindo versões piratas destes dramas para a internet e criando as legendas com base em crowdsourcing. Fansites ilegais surgiram, assim como resumos em inglês.

Com a sensação de que um serviço bem feitinho poderia vender nos EUA e com uma convincente apresentação em PowerPoint para provar esse argumento, Bak e Park começaram a ligar para emissoras para tentar conseguir os direitos de exibição de algo. Em meados de 2009, DramaFever, o primeiro e maior serviço de streaming de K-drama, foi ao ar.

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O sucesso do K-drama entre não-coreanos parece contraditório. "Nosso público não chega nem perto do que qualquer um poderia ter imaginado", disse Bak. "As pessoas supunham que os norte-americanos não queriam conteúdo estrangeiro, que ninguém queria ler legendas, nem ficar colado na tela do computador". Mas o DramaFever construiu uma emissora online ao fazer exatamente isso.

40% do público é branco, 30% latino, e os outros 30% são compostos por negros e asiáticos. 70% do total é composto por mulheres. O DramaFever conta com 21 milhões de visualizações únicas por mês em seu site e no conteúdo distribuído via Hulu e Netflix. São tantos espectadores quanto um canal por assinatura pequeno.

Assisto a programas coreanos como My Love From Another Star ou o querido Boys Over Flowers exatamente como assisto séries americanas mais fortes como Pretty Little Liars ou Real Housewives of Atlanta – deitada com o computador em cima da barriga. Mas K-dramas não são nada fáceis de se assistir passivamente. Como tenho que ler as legendas, não fico mandando mensagens, mexendo no Twitter ou dobrando minhas roupas enquanto assisto. A duração dos episódios também desafiante e o ponto ao qual eles apresentam princípios coreanos extremos. Ainda assim, considero as tramas cativantes, mesmo não entendo suas referências culturais.

É AQUELA BOMBA DA SEPARAÇÃO PURITANA DE SEXOS ESPERANDO PARA EXPLODIR.

Euny Hong é autora de The Birth of Korean Cool: How One Nation Is Conquering the World Through Pop Culture [O Nascimento do Cool Coreano: Como Um País Está Conquistando o Mundo Através da Cultura Pop, sem edição brasileira]. Por mais que ela considere falar com jornalistas a respeito de Psy um "risco ocupacional", a escritora me revelou ter algumas teorias sobre o porquê de garotas americanas estarem se voltando para estes programas.

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"As pessoas que criam a cultura pop [nos EUA] finalmente estão descobrindo tardiamente que há uma necessidade profunda por romances prolongados que por um motivo qualquer não podem ser consumados", disse Hong. "Você sabe, como em Crepúsculo, eles não podem transar porque Pattinson poderia muito bem matar Kristen Stewart. São riscos muito altos."

"Tudo deriva de uma cultura de 1.000 anos de confucionismo e mais 50 anos de cristianismo, então é aquela bomba da separação puritana de sexos esperando para explodir", adicionou Hong. "É algo bastante cultural."

Os riscos são ainda maiores na Coreia por conta da censura rígida da televisão advinda da Lei Anticorrupção que monitora toda a programação.

No papel de entusiasta em produtos para a pele coreanos, este clipe e hallyu em geral, mas ainda sendo uma americana que não fala coreano (com exceção de 똥머리, que significa "penacho"- um penteado popular no Tumblr e na vida real – que minha amiga Sarah me ensinou que na verdade é "cabelo de cocô", na tradução literal), acho estes elementos distintamente coreanos dos K-dramas bregas demais às vezes, mas não "estrangeiros" demais pra mim.

Não há nacionalismo em gostar de assistir pessoas bonitas se olhando e pensando se vão se agarrar ou não. Gosto de histórias sobre filhos pródigos e o lado ruim da fama e das meninas malvadas no refeitório da escola. Gosto de viagens no tempo.

A repressão do sexo e o retorno episódico a uma cultura mais simples e acanhada faz dos K-dramas mais satisfatórios pra mim do que um episódio particularmente atrevido de Girls ou Orange is the New Black? Não necessariamente. Mas entendo porquê Crepúsculo deu certo e espero que você entenda porque passei cinco horas assistindo Titanic na CBS, mesmo que aquela cena de sexo no calhambeque tenha sido cortada.

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Da mesma forma, entendo o brilho da estrela de Keira Knightley em dramas de época e porque tive que reler Jane Austen em todas as aulas de Literatura, Literatura Comparativa e Estudos Femininos que tive na faculdade. Estas histórias são as mesmas, independente de se passarem em um iceberg, em Pemberley ou em um café em Seul.

SE É DE BOAS PRA VOCÊ ASSISTIR SEIS HORAS DE 'ORGULHO E PRECONCEITO' VOCÊ IRÁ SE DAR BEM COM O RITMO DOS DRAMAS COREANOS.

Vivi, blogueira do popular blog de resumos KDrama Fighting! (mote: "Duas garotas louras americanas de dia, viciadas em novelas coreanas à noite") acha que os K-dramas são como os clássicos da BBC.

"Há aquele foco no status social, a barreira emocional e a combinação entre homem rico arrogante e garota pobre agressiva", disse Vivi a mim, por email. "Além disso se é de boas pra você assistir seis horas de 'orgulho e preconceito' você irá se dar bem com o ritmo dos dramas coreanos."

Mas o K-dramas não são tão diferentes de novelas mexicanas, filmes de Bollywood ou o que surge da crescente indústria noveleira filipina, que inclusive fazem parte da programação em serviços de streaming junto de conteúdo coreano.

Os enredos nos K-dramas são universais, e por mais que fiquem distantes do sexo, não deixem espaço para nada LGBT (com exceções!), reforcem clichês de gêneros, me tocam tanto quanto tocariam minha contraparte na Coreia do Sul, ou Mongólia por assim dizer – algo que os serviços de tv por assinatura americanos tem falhado continuamente em perceber.

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Em The Birth of Korean Cool, Hong explicita o "soft power" da força cultural coreana e seu impacto no mundo. Qualquer um pode assistir a esses programas em qualquer lugar – não somente porque enredos mais simples são mais fáceis de se exportar para regiões conservadoras, mas em termos de hardware também: a TV norte-americana é terrestre. Com os smartphones cada vez mais presentes na próxima década, uma garota na Mongólia poderia assistir a um programa coreano com tanta facilidade quanto eu. As emissoras norte-americanas se deram ao luxo – e a arrogância – de evitarem estes programas agora, mas isso não vai durar muito.

"Um enorme calcanhar de Aquiles no marketing norte-americano – e que não era problema até agora, mas prevejo que será nos próximos cinco ou dez anos – é que os norte-americanos não percebem que a maior parte do mundo não é livre como eles", disse Hong. "Há mais pessoas que não podem assistir emissoras norte-americanas do que as que podem."

Eis aí a genialidade dos K-dramas, que não existiam até os anos 90, e sua rápida disseminação pelo mundo. Norte-americanos – eu inclusa, enquanto escrevo este artigo sobre novelas coreanas sem nenhuma imersão na cultura da Coreia – não percebem que logo a mídia internacional exportável superará nossa cultura muitas vezes desesperada e cheia de artifícios.

As adolescentes são as primeiras a entender isso e sempre foi assim: talvez não role sexo, mas com certeza maratonas assistindo a estes programas.

Tradução: Thiago "Índio" Silva