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Entrevista

A psicologia explica por que você não consegue parar de olhar seu celular

Um novo livro de uma jornalista norte-americana examina as ansiedades que levam à compulsão, das compras obsessivas na internet à acumulação.

Esta matéria foi originalmente publicada no Broadly .

Compulsões tomam muitas formas. Algumas pessoas sentem que precisam documentar cada balada no Instagram — um desejo compulsivo, claro, mas não especialmente problemático. Outros, como as pessoas que povoam o livro de Sharon Begley Can't Just Stop: A Investigation of Compulsions, têm compulsões que jogam uma chave inglesa nas engrenagens do cotidiano, tornando o simples ato de jogar fora um recibo do caixa 24 horas algo como perder uma lembrança da infância.

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Begley, que trabalha como jornalista de ciência do site Stat, retrata de maneira empática uma variedade de pessoas compulsivas em seu livro, incluindo gente que não consegue parar de jogar Candy Crush, escrever diários, guardar caixa vazias, comprar roupas supérfluas e arrancar o próprio cabelo. Em alguns casos, a terapia oferecida para quem sofre dessas compulsões debilitantes pode ser cruel, como misofóbicos — aquele que tem um medo patológico de sujeira — obrigados a tocar privadas de banheiros públicos como parte de terapia de exposição, ou um acumulador instruído a jogar fora tudo que não seja ligado ao seu passado.

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Há maneiras menos dolorosas de largar comportamentos compulsivos, mas isso envolve calar uma voz interna muito sedutora — um "intruso", como Begley coloca, que diz ao compulsivo que ele precisa evitar pisar em rachaduras na calçada ou algo horrível irá acontecer com um ente querido. "Essas pessoas precisam reconhecer que há um problema com a construção de seus cérebros, e que ele está contando uma mentira a elas", me disse Begley.

Compulsões, segundo alguns arqueólogos comportamentais, já foram consideradas um problema causado pelo diabo, mas hoje sabemos que elas geralmente nascem de um senso ambíguo de temor — uma sensação abundante hoje em dia. Begley argumenta que não devemos nos apressar em classificar como patologia tudo que fazemos em resposta a esse sentimento. (A menos, claro, que isso esteja destruindo nossa vida.)

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Conversei com Begley sobre como as compulsões parecem dentro do nosso cérebro, por que sempre ficamos viciados em joguinhos idiotas do celular, e o que acontece com essa compulsão do novo presidente norte-americano em tuitar.

Imagem cortesia da Simon and Schuster.

VICE: Como a compulsão funciona dentro do nosso cérebro, e como isso é diferente de um vício?
Sharon Begley: Lendo registros sobre os químicos de prazer do cérebro, eles tendem a vir de pesquisas realizadas cinquenta anos atrás, nas quais ratos que tinham seus circuitos de dopamina ativados continuavam apertando um botão para ativar a região de dopamina – tanto que paravam de comer, dormir e fazer tudo mais que precisavam para viver. Então as pessoas disseram: "Ah, dopamina é prazer. Eles estão viciados em prazer!" Mas o que emergiu nos últimos anos é que o circuito de dopamina na verdade prediz quanto você gosta de algo e quanto prazer isso vai te dar. Depois ele calcula quanto da realidade correspondeu à previsão ou não. A ideia surgindo agora é que quando a realidade não corresponde à expectativa, sentimos uma queda na dopamina. Essa é uma sensação ruim, então continuamos fazendo algo na tentativa de que a realidade atenda às expectativas. Isso, para mim, se encaixa em compulsão porque as coisas que estamos fazendo não são assim tão prazerosas. Em vez disso, é o combustível dopamina, prazer e o circuito de recompensa que nos fazem sentir mal.

Você escreve que é isso que acontece com os videogames, certo? Você fica vidrado num jogo não por causa da adrenalina de destruir as casas dos porquinhos em Angry Birds, mas pela sua antecipação de como ela será destruída?
Exato. Para muita gente, isso não é tão legal quanto você espera. Então você pensa "OK, vou tentar destruir outra casa dos porcos, porque isso vai finalmente fazer eu sentir melhor". E como isso não corresponde às suas expectativas, nos sentimos impulsionados e obrigado a continuar tentando, como se um dia desses fosse ser incrível. Se nunca é, então você está essencialmente preso num loop de dopamina.

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E você diz que a indústria dos videogames tem sentimentos ambivalentes sobre ter esse poder quase divino sobre a dopamina das pessoas.
É, eles chamam isso de crack digital. Há todo um debate na comunidade de tecnologia sobre quais são as obrigações éticas deles; eles se sentem mal por deixar as pessoas presas nesse loop. Um jogo pode ser apenas prazeroso e não ter esse efeito pernicioso, se aproveitando do trabalho do cérebro?

"Seria tão ruim assim se eu não lesse aquela mensagem de texto agora?"

Como podemos ser menos compulsivos do que a tecnologia quer que sejamos?
Se você reconhece a fonte da ansiedade que está te fazendo agir assim, você pode perguntar a si mesmo: 'seria tão ruim assim se eu não lesse aquela mensagem de texto agora?' Seria tão ruim assim se eu lesse todas as mensagens e e-mails daqui uma hora, duas horas, ou no final do dia?

Numa terapia de exposição e resposta (que não gostamos, mas vou usar a analogia mesmo assim), o terapeuta pode dizer: "Simplesmente toque essa porta ou maçaneta [que você tem medo de tocar]". Com a desintoxicação digital, vá dormir uma noite sem levar o celular para a cama. Depois tente não ligá-lo logo de manhã. Se convença de que você pode ficar longe dele por um tempo, e depois mais tempo, e aí talvez um jantar inteiro com a família ou amigos.

De todas as pessoas de quem você fez o perfil para o livro, qual a história que mais te marcou?
A história de uma acumuladora realmente me afetou. Ela tinha cinco filhos, mas tinha perdido outros sete em abortos espontâneos, e o marido abusava dela. (Hoje ela é viúva.) Ela procurava em revistas cortinas bonitas ou gazebos para construir, e eles nunca tiveram dinheiro para comprar nada disso. O único presente que o marido dela comprava para ela eram caixas de papelão. Então ela guardou as caixas. Se você guarda todas as caixas dos produtos que compra, você pode acabar com caixas enchendo sua sala, sua garagem, seu porão e o sótão. Mas isso era tudo que ela tinha dele. De maneira similar, ela nunca teve chance de deixar sua casa bonita ou fazer uma viagem de férias, então guardava todos os recortes de jornais e revistas que ela lia sobre isso — ela nunca teve coisas reais, apenas seus sonhos. Ela me disse que tinha se apegado aos pedaços de papel, e agora tudo que ela tinha era papel, então ela não conseguia se livrar deles.

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Esse é um sentimento que muitos de nós temos — não tão extremo como no caso dela, mas todos temos coisas do passado que se forem jogadas fora vão partir nosso coração. As pessoas que acumulam coisas têm exatamente essas emoções, mas as emoções deles estão ligadas a muito mais coisas. Eles não são diferentes de nós em tipo; apenas em nível.

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Alguma pesquisa sobre compulsão já chegou perto de descobrir como podemos tratar essas pessoas?
Essa é uma daquelas coisas onde o dinheiro fala mais alto. A menos que isso esteja no Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais [DSM em inglês], os planos de saúde não pagam pelo tratamento. Então [segundo eles], não existe compulsão por compras ou transtorno de uso abusivo de internet — só existe TOC, acumuladores e alguns outros. A esperança é que a pesquisa sobre esses transtornos se traduza para compulsões menores ou que não foram reconhecidas ainda. Uma forma de terapia cognitiva pode ajudar, e isso nos dá esperança de que algo parecido funcione para pessoas lutando com compulsões menos sérias, se elas querem ajuda. Mas se sua compulsão não está te afetando de maneira negativa, talvez isso só te torne uma pessoa mais interessante.

O perfil no Twitter de Donald Trump tem sido tema de uma cobertura intensa, e muitas vezes irritante, da mídia, mas preciso perguntar: você acha que o presidente tuíta compulsivamente para resolver algum tipo de ansiedade?
Pelo que podemos ver, ele não parece debilitado. No entanto, falei com vários psicólogos e psiquiatras sobre os tuítes dele, e uma das coisas que quase todo mundo mencionou é que ele parece ter muita dificuldade em aceitar o que um psicólogo definiu como sentimento de "menos que". Ele não consegue aceitar a possibilidade de não ser o cara mais esperto da sala — o maior, mais poderosos, o superlativo de tudo. Quando ele se sente inferior por qualquer razão que seja — talvez porque alguém comparou as multidões de sua posse e da Marcha das Mulheres — isso parece desencadear alguma ansiedade nele, e isso pode acabar o obrigando a tuitar. Ele pode estar aliviando sua ansiedade 140 caracteres de cada vez.

Tradução: Marina Schnoor

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