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Entrevista

O primeiro franchise na Lua vai ser do Carlos Oliveira

O ET pode ser muito mais do que um bicho simpático de Hollywood.

Screenshot manhoso que tirei no Skype, durante a entrevista. É especialista numa coisa de que, provavelmente, nunca ouviste falar: astrobiologia. Carlos Oliveira licenciou-se em gestão de empresas, mas tinha a cabeça nas estrelas e por isso meteu-se a estudar astronomia, ficção científica e comunicação científica em Inglaterra. Depois, doutorou-se em Educação Científica com especialização em Astrobiologia, na Universidade do Texas, onde faz investigação. Já recebeu dois prémios da Agência Espacial Europeia e, ainda por cima, é responsável pelo astroPT, uma referência na web lusa sobre astronomia. Falei com ele pelo Skype e aprendi que o ET pode ser muito mais do que um bicho simpático de Hollywood. VICE: Estudou gestão de empresas, mas depois meteu-se num curso de astronomia. Chegou a gerir alguma empresa?
Carlos Oliveira: Não. Teve alguma visão do espaço para decidir tirar outro curso?
Quer a resposta rápida? O meu sonho é gerir um McDonald’s na Lua. Obviamente, comecei por gestão. Depois fui para astronomia para perceber os ofícios necessários para isso. Essa é a resposta treinada.
Quanto à resposta certa… Não sei muito bem quando é que isto começou. Começou na ficção científica. Lembro-me do Flash Gordon, do Battlestar Galactica, do Espaço: 1999, do Alf, do Era Uma Vez… O Espaço. Lembro-me de um episódio —acho que era do Espaço: 1999 —que, se calhar, é a primeira memória do espaço que me deixou a pensar. Eles aterram num planeta qualquer e existe um mar de areia. Precisam de ir buscar uma rocha que está no meio desse mar e nadam no mar de areia. Uma pessoa magoa-se, fica a deitar sangue e quando volta há um bicho que vem de lá de dentro e quer apanhá-la. Lembro-me de ver isto e achar: “Isto é fantástico, é isto que eu quero, é a imaginação, um ser enorme num oceano de areia.” Agora, sei que não é assim tanta imaginação, há tubarões que vão atrás do sangue das pessoas. Mas naquela altura eu era um miúdo. Aos 15 anos, faziam-se aqueles testes psicotécnicos e em matemática eu fazia tudo em metade do tempo. Disseram-me que seria bom  para ir para matemática. Era a área C, de economia, gestão. Também era aquela coisa: ao falar com a família e amigos, quem é que ia para o espaço? Eu tinha era de arranjar qualquer coisa para trabalhar. Depois, fui para a gestão, com esse intuito de fazer dinheiro. Estudou gestão contrariado?
Não foi contrariado, mas os meus amigos da universidade sempre me conheceram por falar de coisas do espaço. Lembro-me de vários deles até levarem recortes de jornais sobre um asteróide ou assim. Quando saí de gestão, fui a várias entrevistas e nunca me interessou nada, mesmo quando podia ter ficado. Nunca quis. Fui dar aulas – nunca tinha pensado em dar aulas. E daí veio um interesse enorme em fazer educação – vi que tinha jeito, que conseguia cativar os alunos e que queria fazer aquilo. Não queria estar a lidar com dinheiro. Andei dois anos a marinar a ideia de ir para astronomia e, entretanto, recebi um convite de Inglaterra. Era um novo curso que, por acaso, tinha cadeiras de ficção científica. Quando olhei para o plano do curso, pensei: isto é mesmo o que eu quero. Ficção científica? Deve ser o melhor curso do mundo.
Era, entretanto já acabou. Era bom demais.
Era um curso que tinha a parte de media, da ficção científica e de astronomia. Depois, fui para os Estados Unidos, que era o que eu queria. É especialista numa coisa que deve ser incrível: astrobiologia. Aposto que sabe que há vida extraterrestre e não nos diz. Eles são mais parecidos com o Alien ou com o Alf?
O que vemos nos filmes é algo com que nos podemos relacionar. Mesmo o Alien, que é um insectóide, está ligado à nossa psique como mau. Já o Alf e o ET são fofinhos, por isso são bons. É tudo sobre nós: nada que se veja na ficção científica sobre extraterrestres é sobre extraterrestres. Quem é o ET? O ET é deixado cá na Terra pelos pais… pelo pai. Entretanto, conhece uns miúdos — a mãe de um miúdo chama-se Maria. O ET tem alguns seguidores, o ET faz milagres – por exemplo, quando põe a bicicleta a voar. O ET cura pessoas, o ET é perseguido pelas autoridades, o ET tem um grande coração, o ET morre, o ET ressuscita, o ET é levado novamente para o pai, mas antes disso diz ao miúdo: “Eu vou estar sempre contigo.” Quem é o ET? É Jesus!
Essas histórias estão tão entranhadas em nós que depois projectámo-las. Quando temos um relato de óvnis em que as pessoas falam de uma luz que vem de um OVNI, automaticamente não é uma nave extraterrestre. Nenhum ET minimamente inteligente vai pôr uma lanterna à frente do raio do OVNI porque no espaço não lhe serve para nada e para perceber o que se passa cá em baixo já nem nós usamos a luz visível – muito menos um ET com inteligência para viajar entre estrelas. Se disserem que é redondo, isso foi um erro de um jornalistaEstá a destruir todas as referências.
A Terra tem 4,6 mil milhões de anos. O universo tem 13,7 mil milhões de anos. Os dinossauros estiveram cá durante 170 milhões de anos. Nós estamos há 200 mil. Imagine-se o que uma civilização pode fazer com uma evolução de, em vez de 200 mil, um milhão de anos. É a mesma coisa que viajarmos três mil anos para trás e mostrar-lhes uma televisão. E só estou a falar há três mil. Mas pensemos nas nossas relações com uma formiga, uma formiga que evoluiu connosco no nosso planeta: não há nenhuma formiga que consiga saber o que sou (“este é o Carlos, que é humano”). E eu nunca vou conseguir comunicar com uma formiga. E estou mais próximo de uma formiga do que de extraterrestres que tenham míseros dois mil milhões de anos à minha frente. Ou seja, mesmo que os encontremos, vamo-nos ver lixados para comunicar com eles.
Estou-lhe a falar de vida complexa. Provavelmente, o que vamos encontrar são bactérias. Existem mais bactérias no meu fígado do que humanos em toda a Terra. A própria Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos disse que só temos um exemplo do que é vida [a vida terrestre]. E com um exemplo não podemos extrapolar. Por isso, uma das coisas que a academia disse, num memorando para a NASA, foi que, se calhar, quando encontrarmos vida extraterrestre nem vamos conseguir reconhecê-la. Então, o que estuda um astrobiólogo?
A astrobiologia é o estudo da vida do universo, o seu passado, presente e futuro. A única vida que conhecemos é a da Terra. Estudamos a vida na Terra e tentamos extrapolar lá para fora. Mas há bocado dizia que não se devia fazer isso.
Mas é a única forma. Tenho que começar por algum lado, começo por aquilo que sei. Não é possível fazer detectores de algo que não conheço. Os astrobiólogos têm uma bolsa de apostas sobre onde há vida?
No nosso quintal, no nosso sistema solar, é … Marte?
Tantos rovers têm dito que não que eu apostaria noutro lado. Aposto em Europa. Uma das hipóteses para o início da vida na Terra é perto das chaminés negras no fundo dos oceanos. Estão sob uma enorme pressão, delas sai enxofre, não há luz solar. Não precisam de luz solar, mas há vida. [Essas formas de vida] respiram enxofre, o que matar-nos-ia. Há vida em todo o lado na Terra – até três quilómetros dentro de pedra. Europa é uma lua de Júpiter e é uma bola de água com uma fina camada de gelo por cima. Uma das coisas que se pensa é que poderá haver chaminés negras no fundo desse oceano e, havendo essas chaminés negras, é provável que a vida possa ter-se desenvolvido. Mas não serão os extraterrestres da Guerra dos Mundos, será vida simples. Quando é que vamos descobrir isso?
Não depende dos cientistas, se dependesse já estávamos lá. A minha universidade em Austin faz testes com submarinos que se pensa enviar para lá. Tudo isto é possível no curto prazo, não há é dinheiro. Outra lua com possibilidades de vida mais exótica é Titã, a maior de Saturno. É a única lua do Sistema Solar que está envolta em nuvens. Uma sonda descobriu que é um mundo muito parecido com a Terra primitiva. É basicamente uma lua de hidrocarbonetos, que permitem desenvolver vida. E vida complexa? Civilizações?
É muito provável que exista vida simples em qualquer lado. Vida humanóide não vai encontrar, vida inteligente depende. O que é a inteligência? Os golfinhos são inteligentes? Nós somos inteligentes? A inteligência é essencial? Mas eles visitam-nos, como tanta gente garante?
Não sei se nos visitam ou se nos vigiam. O que eu sei é que essa ideia vem de um geocentrismo psicológico: somos tão interessantes que eles até nos visitam! Imaginemos que eles estão um milhão de anos mais à frente, o que é pouquíssimo no universo, e vamos supor que são inteligentes: não vão usar telégrafo, internet, braços, voz. Isso só nos vai provar que não somos inteligentes. Nós somos as formigas, eles são os humanos. Por mais que queiram comunicar connosco, nós somos tão burros que nunca vamos conseguir. Não encontrar vida extraterrestre deixa-o frustrado?
Pelo contrário, torna tudo mais interessante. Eu não quero algo em que o meu objectivo de estudo esteja ali e depois acaba. Podemos estar mais três mil anos à procura de extraterrestres e nem saber caracterizá-los. É como na descoberta do famoso bosão de Higgs. Encontrou-se aquilo que se andava à procura. E isso em ciência é o mais frustrante. Encontrou-se o que a teoria dizia – abre-se uma garrafa de champanhe e acabou. E universos paralelos? Existem ou são só material de paleio para engates nas faculdades de ciências?
Diria que, para já, é melhor compreender o nosso universo. Tudo o que conhecemos e o que desconhecemos são quatro por cento do universo – é a matéria normal. Matéria escura é cerca de 25 por cento do universo, não sabemos muito bem o que é. Setenta e um por cento do universo é uma coisa chamada energia escura da qual só sabemos que é o que faz expandir o universo e que não é escura nem energia. E aqueles quatro por cento são do universo observável. E Deus, onde fica no meio disto tudo?
Os elementos de que sou constituído foram feitos em estrelas e quando as estrelas explodem numa supernova são expandidos por todo o universo. Já fizeram parte de planetas, de nebulosas, de luas e neste momento são eu. Eu já estive nesses lugares todos. Isso é abraçar o universo na sua espiritualidade mais abrangente. Mais: quando eu morrer, estes meus elementos vão ser espalhados pelo universo. Isto é muito mais abrangente e inclusivo do que o que uma religião nos pode dar. Esta é a parte mais fantástica da astronomia: nós somos o universo.