FYI.

This story is over 5 years old.

viagem

Nossa Turnê de Prisão de Ventre pela Índia

Vivendo a agonia da constipação intestinal do lado de lá do mundo.

Antes da nossa primeira viagem à Índia, meu marido Anthony e eu fomos constantemente avisados de que não era uma questão de se, mas de quando passaríamos mal por causa da comida.

“Confie em mim”, disse um amigo. “Você vai olhar para a privada e pensar: 'Meu corpo fez isso?'”

Quando chegamos em Nova Deli, nosso guia local repetiu os mesmos avisos.

“Não dá para comer em qualquer lugar. Outros lugares não são limpos”, ele explicou. “Lá eu posso comer e meu estômago fica OK. Mas seu estômago não fica OK.”

Publicidade

E assim, como estudantes nota 10, seguimos as instruções dadas pelos nossos guias de bolso, que enfiamos nas malas junto com álcool em gel para as mãos e lenços umedecidos, remédio para gases, antiácidos e contra diarreia, além de rolos e mais rolos de papel higiênico. Memorizamos as instruções dos guias de bolso. Nada fresco a não ser que você possa cortar e descascar por si mesmo. Água só de garrafa, e mesmo assim era preciso verificar se estavam seladas e não haviam sido adulteradas.

Mas, na verdade, nosso problema acabou sendo não cagar demais, mas sim de menos. A indústria turística indiana se tornou tão eficiente em pastorear os ocidentais pelos pontos turísticos do país, que viajantes branquelos como a gente conseguem passear por tudo sem serem tocados por mais que algumas migalhas de sujeira. O único perigo mortal que meu marido e eu enfrentamos lá foi o risco de morte por prisão de ventre.

Flertei com os desafios gástricos logo na nossa primeira manhã em Deli, quando descemos para o café da manhã no dourado Hotel Imperial. Investimos nos ovos fritos, mingau de aveia e tomates grelhados, evitando todas as frutas e vegetais que não pudéssemos descascar nós mesmos, bem como as jarras de suco espremido na hora oferecidas pelos educados garçons de gravata borboleta. Enquanto assistíamos nossos colegas turistas empilhando belas fatias de melão e suculentas pitaias com suas pequenas sementes pretas em seus pratos e enchendo seus copos com suco de fruta fresco, nos sentimos superiores e invejosos. “Otários!”, pensei, desejando só uma mordida de uma daquelas melancias deliciosamente vermelhas.

Publicidade

“Confie em mim”, o Anthony disse, “essa fruta não vale horas de agonia no banheiro”.

“Disenteria, disenteria”, lembrei a mim mesmo e segui em frente.

Depois de um passeio pela cidade movimentada, durante o qual o nosso motorista teve que fazer todo tipo de manobra para evitar os protestos desencadeados pela tragédia do estupro da estudante que chocou o país, voamos para Catmandu, no Nepal, onde visitamos palácios antigos cheios de caveiras esculpidas em madeira e pagodes com cúpulas de cimento enfeitados com as cores da bandeira budista: vermelho, amarelo, verde, azul e branco. Enquanto andávamos pelas ruas antigas, passamos por várias barraquinhas de metal que vendiam suculentos bolinhos salgados cor de laranja fritos na hora, uma visão que fez nossos estômagos roncarem. Mas qualquer tentação de saborear a comida de rua se dissiparia rapidamente com o cheiro de excremento humano e lixo podre que exalava do rio próximo.

Como o estereótipo clássico de viajantes ocidentais “iluminados” que éramos, pedimos ao nosso guia: “Queremos comer onde você come. Nos leve onde os locais costumam ir”. Em resposta, nosso guia bigodudo sorriu pacientemente e nos levou a um restaurante onde os pratos do menu plastificado estavam descritos em inglês e todos os outros clientes eram branquelos como a gente. Atrás de nós, turistas do Texas. Do nosso lado, um grupo de Nova York.

Suspirando, sentamos e pedimos comidas “seguras”: arroz, carne e vegetais cozidos num mingau.

Publicidade

À noite, nossos estômagos estavam grunhindo, como se estivessem prontos para a ação. Enquanto esperava meu marido terminar de usar o banheiro, pensei que ia explodir, mas quando finalmente entrei e sentei no vaso, tudo o que saiu foi gás. Depois de 20 minutos, nos quais minhas coxas ficaram completamente dormentes, eu desisti. “Nada?”, me perguntou Anthony quando saí. “Eu também não.”

Na manhã seguinte, com as barrigas infladas com gases quentes e improdutivos, andamos pelas tortuosas ruas estreitas onde vendedores ambulantes acenavam com ofertas de chá quente e o “melhor” preço. Famintos por fibras, olhávamos desesperados para as pirâmides de frutas que brilhavam com gotas de água suja de torneira; os vendedores borrifam água nelas para deixá-las mais atraentes. Passamos por mulheres de sari equilibrando uma cesta na cabeça com uma mão e atendendo seus celulares com a outra, cadáveres enrolados em tecidos cor de açafrão esperando pela cremação perto do rio e vacas plácidas perambulando pelo meio do trânsito, só parando para fazer montes pastosos e fumegantes de esterco.

Fiquei com inveja das vacas.

Acabamos o dia em Boudhanath, um magnífico pagode budista onde monges em vestes cor de vinho cantavam em uníssono enquanto a fumaça de incenso subia sobre suas cabeças. Devotos rodavam as rodas de oração e se prostravam no chão. Foi uma experiência comovente, tanto sensual quanto espiritualmente, e eu teria gostado de ficar mais por ali para aproveitar isso — mas tinha alguma coisa pulsando no meu estômago, exigindo sair de qualquer jeito.

Publicidade

“Estou pronto para ir”, eu disse ao guia.

Assim que chegamos ao hotel, corri para o banheiro, baixei as calças e esperei. De novo, tudo o que saiu foi gás.

Naquela tarde, tomamos uma atitude. Depois de peidar o caminho todo até a saída do nosso hotel, acenamos e sorrimos para os seguranças da entrada, e então nos aventuramos pela avenida empoeirada em busca de uma farmácia.

Na maioria dos lugares que visitamos no Nepal, as lojas pareciam exatamente iguais. Todas lembravam oficinas mecânicas com as portas enroladas e prateleiras cheias de mercadoria à disposição. Se as mercadorias fossem doces, você estava numa padaria. Se eram livros, cadernos e canetas, você estava numa papelaria.

À beira de uma rotatória de tráfego intenso, encontramos uma vitrine com várias caixas de produtos farmacêuticos. Dois homens estavam atrás do balcão falando com um terceiro homem do outro lado e fumando. Nos aproximamos e sorrimos cheios de expectativa na direção deles.

Meu marido e eu olhamos um para o outro e ele disse: “Olá, estamos procurado remédio para o estômago”. Meu marido esfregou a barriga. “Não estamos nos sentindo muito bem.”

Um dos homens atrás do balcão balançou a cabeça rapidamente e sorriu. “Sim, sim”, ele disse e alcançou numa prateleira alta uma caixa de remédio contra diarreia.

“Não, não”, Anthony disse, incapaz de explicar.

“Ele quer ir ao banheiro, mas não consegue”, eu disse. “Queremos um remédio que ajude a ir ao banheiro.”

Publicidade

“Muito ruim”, Anthony disse. “Muitos dias.”

O homem do nosso lado disse: “Vocês querem um laxante?”

“Isso!”, gritamos.

Ele explicou rapidamente em nepalês o que queríamos. Os outros dois homens riram e um deles fuçou em várias gavetas até achar uma caixa branca. Ao invés de nos vender a caixa toda, ele tirou uma cartela de pílulas da caixa e nos entregou.

“Ducolax”, Anthony leu em voz alta. “Sim, é isso que queremos. Obrigado!”

Depois de pagar o farmacêutico e responder a inevitável pergunta “De onde vocês são?”, voltamos correndo para o nosso quarto de hotel. Anthony pegou um comprimido e depois me deu outro. Fizemos um brinde com as garrafinhas de água — Será que elas estavam seladas? Conferimos o fundo para ver se não tinham sido adulteradas? Estávamos muito cansados para pensar nisso —, então bebemos pela nossa saúde gastrointestinal.

Horas depois, fomos recompensados com cocôs marrons do comprimento dos nossos antebraços.

***

De Catmandu, voamos de volta para a Índia até Varanasi, para navegar pelo Ganges. Nosso guia de bolso avisava que o rio era completamente contaminado com bactérias fecais e que deveríamos evitar contato direto com ele a qualquer custo. Em certo momento, senti gotas de água que saíam dos remos salpicarem a parte de trás da minha mão. Instintivamente, peguei meu álcool gel na bolsa.

Depois fomos para Khajuraho, para ver os entalhes eróticos nos templos hindus que datam de centenas de anos atrás. Dessa vez, quando pedimos para comer num restaurante local, nosso guia nos levou para um restaurante completamente vazio. Comemos nossa papa de vegetais em silêncio, até que um grupo de colombianos que reconhecemos da viagem de avião entre Catmandu e Varanasi entrou. Eles se sentaram, levantaram de novo e foram embora.

Publicidade

Enquanto isso, éramos de novo pessoas constipadas. A cada manhã, tarde e noite, nos trancávamos em qualquer banheiro limpo que pudéssemos encontrar, sentávamos na privada e expelíamos sinfonias de flatulência — nada mais. Nas refeições, eu descascava as laranjas loucamente como aqueles macacos raivosos que atacam a comida dada pelos turistas nas ruas de lá. Eu chupava os vegetais cozidos no mingau e evitava arroz, banana, qualquer coisa que pudesse prender o intestino. Tudo inútil. Eu podia tomar outro laxante, mas queria que saísse naturalmente. Foi aí que percebi como era ridículo que, justo na Índia, entre todos os lugares, era onde eu estava tendo problemas para encontrar comidas que me fizessem cagar.

Finalmente, no trem para Agra, para ver o Taj Mahal, decidi experimentar um suco.

Estávamos no Shatabdi Express, um trem que nos havia sido recomendado como um do melhores da Índia, mas que na verdade estava mais para a estrada de ferro de Long Island do que para o Expresso do Oriente. Depois que o trem chegou com duas horas de atraso, nos acomodaram nos assentos azuis sujos e um comissário exausto de aparência mal humorada nos serviu o jantar numa bandeja. Nossa refeição incluía um pãozinho incrustado de frutas cristalizadas embrulhado em plástico, um saco de palitos de batata seca, um copo plástico contendo migalhas de algo chamado “Bolo Soan” e uma caixa de suco de manga, que eu tomei.

Publicidade

“O suco!”, meu marido gritou horrorizado.

“É embalado”, eu disse. “Tenho certeza que é seguro.”

“Não vou me arriscar”, ele disse, estremecendo enquanto soltava um pequeno peido. Já não tínhamos qualquer vergonha de peidar em público. “Você vai se arrepender.”

Mas no dia seguinte eu não estava arrependido. Só com prisão de ventre mesmo. Caminhando através dos gramados bem cuidados do Taj Mahal, eu mantinha um olho no glorioso domo branco e outro procurando por um canto deserto onde pudesse peidar.

***

Acabamos nossa viagem na cidade branca de Udaipur, que nosso guia local descreveu como a Veneza da Índia. Nesse ponto, eu já tinha expandido minhas experimentações com o suco para melões, cebolas cruas e até pepinos. Sem sorte nenhuma. Finalmente, pedi ao Anthony para me dar um daqueles comprimidos verdes mágicos.

No dia seguinte, no entanto, o remédio não mostrou nenhum efeito aparente na minha digestão. Depois de um dia visitando um templo onde fomos aspergidos várias vezes com água sagrada, porém contaminada do Ganges, e o palácio da cidade, e depois de ingerir meu enésimo almoço de espinafre e queijo, eu era puro gás.

Quando voltamos para o hotel, descobri o motivo. Por engano, o Anthony tinha me dado um de seus comprimidos contra diarreia, que eram da mesma cor e tamanho dos laxantes que tínhamos trazido de Catmandu.

Naquela noite tomei o remédio certo e, no dia seguinte, voamos de volta para Deli para nossas 24 horas finais na Índia.

Publicidade

No meio do almoço, dei um olhar familiar para o Anthony.

“Te vejo mais tarde”, ele disse.

Mas minha aventura gástrica não acabou no banheiro do restaurante. Ela continuou durante toda aquela tarde e no dia seguinte. Enquanto voávamos sobre o oceano, eu cagava meu caminho de volta para a normalidade gastrointestinal.

Mais sobre a Índia: 

O Estupro em Nova Délhi: Milhares Protestam pela Segurança das Mulheres na Índia

ASSISTA - Prostitutas de Deus

Irmãs da Misericórdia e o Templo do Amor