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Por que Tantos Prisioneiros Britânicos Estão Cometendo Suicídio?

Enquanto o número de mortes autoinfligidas nas prisões inglesas e galesas vem aumentando, o Serviço Prisional começou a aplicar sentenças mais rigorosas, cortar orçamentos e aumentar a população carcerária.

A entrada principal da Prisão Wormwood Scrubs. Foto via.

Kevin Scarlett foi encontrado enforcado em sua cela na Prisão Woodhill no dia 22 de maio de 2013. Ele tinha 30 anos e um longo histórico de problemas mentais, tendo sido diagnosticado com esquizofrenia e transtorno bipolar. Ele também se autoflagelava regularmente e tinha feito outras tentativas de tirar a própria vida no passado. Apesar de tudo isso, a equipe da Wooodhill achava que ele oferecia pouco risco de suicídio.

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Scarlett foi uma das 74 mortes autoinfligidas documentadas nas prisões inglesas e galesas no ano passado, o maior número desde 2007. E essa tendência tem continuado, com 32 mortes entre 1º de janeiro e 12 de maio deste ano. No total, mortes em custódia penitenciária bateram um recorde em 2013. Grupos reformistas e sindicatos culpam uma combinação de fatores pela alta: superlotação, moral baixa, cuidados insuficientes para doenças mentais, cortes no orçamento, etc.

Então, logo depois de entrar na Woodhill – uma prisão de categoria A em Milton Kaynes – no dia 14 de janeiro de 2013, Scarlett foi colocado no regime “básico”, o que o mantinha confinado em sua cela 22 horas por dia. Ele não podia falar com familiares, ver TV ou ouvir rádio. Nessa época, era uma prática comum na prisão colocar um aviso na porta da cela dos detentos do regime básico, alertando os outros prisioneiros que haveria punições para quem se comunicasse com eles.

Depois de um inquérito de três dias sobre a morte de Scarlett, o júri criticou Woodhill e recusou um veredito de suicídio acidental. Eles consideraram que os riscos de autoflagelação e suicídio de Scarlett não tinham sido tratados de maneira apropriada pela equipe da prisão, que ele não deveria ter sido deixado sozinho numa cela dupla e que ele deveria ter sido transferido para uma cela mais segura.

Lee Jarman, o meio-irmão de Scarlett, de 33 anos, acompanhou os procedimentos do julgamento na Corte de Milton Keynes do começo ao fim. “Um dos meios que Kevin tinha para lidar com os problemas era conversar com as pessoas, e ele teve isso negado”, disse Jarman. “Achamos que seu suicídio foi um pedido de ajuda.”

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Depois de cometer uma série de ofensas pequenas, Scarlett cometeu o crime que o colocou dentro de Woodhill em dezembro de 2012. Armado com um martelo e um haltere, Scarlett e seu cúmplice, Brendon Gray, 29 anos, saquearam duas lojas em Northamptohshire, conseguindo menos de $10.000 em dinheiro.

Scarlett estava em prisão preventiva quando morreu, e pretendia se declarar culpado da acusação de roubo armado.

Lee Jarman.

“Tentei internar Kevin seis meses antes do crime”, lembra Jarman. “É muito difícil ver uma pessoa que você ama desmoronar. Você pode ir a vários médicos e dizer que eles precisam ajudar essa pessoa, mas se eles não estão dispostos, pode ser impossível. Kevin estava sob cuidado da comunidade há anos, e não estava funcionando.”

Impedido de se comunicar com Scarlett por todo o tempo que ele ficou em Woodhill, Jarman e a família não sabiam das dificuldades dele dentro da prisão. Na verdade, a família só teve consciência de que havia problemas quando um funcionário do governo apareceu na porta da mãe de Scarlett para avisar que o filho dela estava morto.

Enquanto o número de mortes autoinfligidas nas prisões inglesas e galesas vem aumentando, o Serviço Prisional começou a aplicar sentenças mais rigorosas, cortar orçamentos e aumentar a população carcerária.

Eoin McLennan-Murray é o presidente da Associação de Diretores Prisionais e trabalha como diretor da Prisão Coldingley em Surrey. “Não sei se há uma explicação simples para o aumento nas mortes”, ele disse. “Tivemos picos antes, e tivemos quedas. É possível que haja uma correlação entre o aumento de mortes autoinfligidas e uma combinação de coisas que acontecem agora no Serviço Prisional.

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“Tivemos uma redução significativa nos recursos. Temos passado por uma grande reestruturação, tanto de gerenciamento quando de pessoal. Tivemos uma série de prisões fechando e um aumento na população carcerária. A combinação dessas coisas teve um impacto nos funcionários. Eles se sentem menos seguros no emprego; eles precisam trabalhar mais e ser mais adaptáveis; eles têm que assumir novos papéis. Também temos tido problemas com recrutamento, e há um congelamento dos salários por sabe se lá quanto tempo. É um mistura tóxica para a moral.”

A Associação de Funcionários Prisionais concorda que o aumento das mortes autoinfligidas é sintomático de problemas mais amplos. “O Serviço Prisional está em crise”, me disse um porta-voz da AFP. “A única maneira de lidar com isso é ter raízes e ramos alcançando todos esses problemas. Uma morte autoinfligida é uma tragédia. Devido aos cortes no orçamento e redução do número de funcionários, esses casos aumentaram.”

No momento, 85.228 pessoas estão em prisões da Inglaterra e País de Gales, mais de 9 mil detentos acima da estimativa do próprio Serviço Prisional de quantas pessoas podem ser mantidas com segurança. E esse número deve aumentar, pois prisões já lotadas se preparam para receber mais 440 detentos em agosto.

Em resposta a essas notícias, o Inspetor Chefe de Prisões Nick Hardwick disse ao Today Program, da BBC Radio 4, que estava “muito preocupado” e depois admitiu que o sistema não está lidando bem com esse aumento. O Secretário de Justiça Chris Grayling respondeu aos comentários de Hardwick afirmando que encontrar espaço para os novos prisioneiros significava apenas que “alguns detentos vão ter que dividir suas celas nas próximas semanas”.

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Deborah Coles.

Para Deborah Coles, codiretora da organização pela reforma prisional INQUEST, a discussão entre Hardwick e Grayling foi “vergonhosa”.

“O serviço de inspeção prisional é o guardião da prisão”, ela me disse. “Estabeleceu-se isso porque a importância de se ter inspeções independentes foi reconhecida. Sinto o cheiro de complacência e arrogância quando um inspetor chefe alerta sobre o risco significativo para detentos e funcionários, e o Ministério da Justiça simplesmente descarta o comentário. Há uma completa desconexão entre o que está acontecendo nas prisões e o governo, e isso é uma receita para o desastre. Grayling está em negação sobre os problemas sérios que os Serviço Prisional está enfrentando.”

Além dessa atmosfera de cortes e superlotação, a política do governo nos anos recentes vem tomando uma atitude mais punitiva quando se trata do Serviço Prisional. Mudanças no esquema de Incentivos e Privilégios Ganhos (IEP), anunciadas pelo governo em 2013, significou que os prisioneiros não recebem mais privilégios somente por bom comportamento; agora, eles precisam trabalhar mais horas e se mostrar envolvidos em “atividades com um propósito”.

Livros e outros itens básicos não podem mais ser recebidos pelos prisioneiros, e outros objetos agora devem ser adquiridos com os, muitas vezes parcos, fundos do próprio detento.

O Comitê de Reforma Prisional alertou que essas mudanças equivalem a “punições sem propósito”, dizendo que o número de prisioneiros que entra em contato com seus serviços de aconselhamento triplicou desde que a política foi anunciada. O Conselho Ministerial sobre Mortes sob Custódia investiga atualmente o impacto dessas mudanças.

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Enquanto a vida nas prisões se torna mais difícil, os serviços de saúde mental estão sob pressão crítica e esforços para mudar o modo como prisioneiros com doenças mentais são tratados não resultaram em avanços; a avaliação de lorde Keith Bradley – que recomendou uma abordagem radicalmente nova na forma como o sistema de justiça trata seus prisioneiros com dificuldades de aprendizado e doenças mentais – foi bem-vinda, em princípio, pelo governo do Partido dos Trabalhadores quando publicada em 2009, mas nunca colocada em prática.

Em janeiro do ano passado, uma inspeção nacional descobriu que nenhum progresso fora feito sobre a recomendação chave do relatório –  “facilitar o mais cedo possível o desvio de acusados com doenças mentais do sistema criminal” com uma equipe psiquiátrica nas delegacias de polícia.

Deborah Coles afirma que a “situação atual só pode piorar”.

“Isso é sintomático de um governo cujas políticas criminais aumentaram a população carcerária, e que vai continuar fazendo isso”, ela disse. “Com a austeridade e cortes nas linhas de frente dos serviços de saúde mental, temos um aumento do número de pessoas sugadas pelo sistema criminal, que – francamente, em muitas situações – não faz nada além de armazenar pessoas. Você tem homens, mulheres e crianças extremamente vulneráveis dentro de prisões sob regimes limitados e austeros, com o risco sempre presente de suicídio e autoflagelação.”

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Kevin Scarlett.

Ao ouvir as notícias sobre a morte do filho, a mãe de Kevin Scarlett, Patricia, ficou devastada. Depois do inquérito, ela disse ter sentido que todo o processo fez seu filho parecer um “indivíduo sem rosto, representado como mais uma pessoa difícil que não podia ser ajudada”.

Desde então, ela se mudou para longe da casa da família em Milton Keynes. Jarman disse a ela que apareceria na mídia para discutir o caso, mas ela prefere ficar fora do holofotes. “Há muitas memórias aqui para ela”, ele explicou. “Boas ou ruins, são memórias demais.”

Desde a morte do meio-irmão, Jarman vem trabalhando com a INQUEST para chamar atenção para o caso da falta de ajuda em casos de doença mental nas prisões. No momento, ele está passando pelo tratamento de um câncer na bexiga, e o caso de Scarlett se tornou sua vida.

Ele é uma pessoa alta, magra, e com uma personalidade calorosa. Quando discute o caso, ele se torna apaixonado, mas não emocional. Depois de contar a história da morte do meio-irmão tantas vezes, ele parece ter ganho certa distância do ocorrido.

“Essa questão me deu um foco. Apesar de o inquérito ter muitas falhas”, ele explicou. “As prisões não são pensadas para pacientes com problemas mentais sérios. Os guardas não são treinados para lidar com doenças mentais; eles são treinados para manter os presos a salvo. Não culpamos os guardas da prisão – eles estão numa posição difícil. Eles estão com poucos funcionários, não têm recursos e não recebem treinamento relevante.

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“No final das contas, é o governo que define o orçamento, e é o governo o responsável por gerenciar esses serviços. Claro, essas pessoas fizeram coisas erradas e merecem punição, mas o Serviço Prisional e o governo têm a obrigação de cuidar dessas pessoas enquanto elas cumprem suas sentenças. Os prisioneiros deviam receber o mesmo tratamento que eu e você, mas a verdade é que eles não recebem.”

Ao concluir o inquérito sobre a morte de Scarlett, o juiz Tom Osborne disse que escreveria ao sistema de saúde da Inglaterra e ao Serviço Nacional de Gestão de Infratores alertando que a Prisão Woodhill não foi capaz de avaliar corretamente o caso de Kevin.

Centro de visitantes da Prisão Woodhill. Foto via.

David Hunter morreu em Woodhill no dia 26 de maio de 2013, quatro dias depois de Scarlett. A prisão teve mais duas mortes autoinfligidas antes que o ano terminasse. Só a prisão Wormwood Scrubs, que tem uma população muito maior, registrou mais mortes autoinfligidas em 2013.

Um relatório publicado em maio, que mostra os resultados de uma inspeção não anunciada em Woodhill, pinta um retrato sombrio da vida dentro da prisão. Os inspetores descobriram que casos de ataques e incidentes de autoflagelação eram o dobro dos de outras prisões locais. O relacionamento entre funcionários e prisioneiros teria enfraquecido e os inspetores descobriram um alto uso da força na prisão. A resposta da prisão para as cinco mortes autoinfligidas desde a última inspeção em janeiro de 2012 foi “faltou rigor”.

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Respondendo sobre as descobertas do inspetor, Michael Spurr – chefe-executivo do Serviço Nacional de Gestão de Infratores do Ministério da Justiça – afirmou: “O governador e sua equipe estão trabalhando para reduzir os incidentes de violência e melhorar a reabilitação – eles vão usar as recomendações desse relatório para acelerar o trabalho”.

Em resposta às descobertas feitas nessa investigação, um porta-voz do Sistema Prisional disse: “Estamos comprometidos em reduzir o número de mortes em custódia e estamos investigando cuidadosamente o aumento de mortes autoinfligidas. Estamos nos esforçando para aprender com cada morte e vamos fornecer mais recursos e apoio para melhorar a segurança dos prisioneiros.

“Esse trabalho inclui uma revisão da forma como os casos de risco de suicídio e autoflagelamento são abordados em instituições juvenis para menores de 18 anos, e uma revisão independente sobre mortes autoinfligidas entre pessoas de 18 a 24 anos. Essas revisões vão ajudar a identificar pontos de aprendizado, que podem ser aplicados em grupos de todas as idades.”

Depois da morte de Scarlett, Jarman está menos otimista sobre qualquer uma dessas mudanças. “Doenças mentais e prisões sempre foram questões tabus neste país. Coloque essas duas coisas juntas e será muito difícil achar uma solução”, ele disse.

McLennan-Murray foi franco a respeito do estado atual do Serviço Prisional em sua opinião, e, vindo de alguém na posição dele, isso é um presságio preocupante do que está por vir.

“Atingimos um ponto crítico”, ele alerta. “A mudança não virá da legislação – isso pode nem mesmo ter sido planejado – mas será a última palha que quebra as costas do camelo, a faísca que causa a explosão. As coisas que mantêm uma prisão estável, que mantêm a cooperação entre prisioneiros e funcionários estão sendo minadas. Estamos rumando para uma instabilidade ainda maior.”

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Tradução: Marina Schnoor