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A Revista que Expõe o Submundo do Crime de Glasgow

Traficantes, pedófilos e corruptos juram o editor de morte todo dia.

Várias capas do The Digger (foto de fundo via).

Ninguém em Glasgow está a salvo do The Digger. Semanalmente nas bancas da maior cidade da Escócia, a revista “informa sobre desempregados e trabalhadores de baixa renda que entram em contato com o sistema judiciário”, visando “destacar indivíduos cujos casos normalmente não são relatados pela mídia mainstream”.

Esse olhar local sobre idas e vindas nefastas pode incluir qualquer um, desde gangues de moleques que largaram a escola para vender maconha de bicicleta até policiais corruptos, vereadores desonestos e a cúpula do submundo do crime de Glasgow. Esse último grupo, como já era de se esperar, não simpatiza muito com James Cruickshank, jornalista que edita a revista fundada por ele em 2004.

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“Colocaram um prêmio pela minha cabeça na forma de uma grande porção de heroína”, ele me contou por telefone. “Uma mulher ficou puta com uma história que fizemos sobre sua família e contratou um monte de caras da pesada, descrevendo como eu era e onde eles podiam me encontrar. Ela disse que quem me pegasse ficaria com a recompensa, mas um dos caras me contou toda a história e aí a polícia se envolveu. As pessoas que odeiam o The Digger geralmente são a escória. Expomos a vida no pântano de Glasgow como ela é, e claro que eles não gostam disso.”

E essa atitude – considerar até o menor criminoso como “escória” – também rendeu a Cruickshank uma reputação entre seus colegas. Falei com o cineasta David Graham Scott – que fotografara para a The Digger em 2007, enquanto fazia um documentário sobre a revista para a BBC Escócia – para saber o que ele achava de seu antigo chefe.

“De certa maneira, devo a ele por ter me ajudado a fazer o documentário”, admite. “Mas ele provavelmente é o cara de coração mais gelado que já conheci. Ele se apresenta como um cara justo por causa das matérias sobre a 'escória' que publica, mas muitas dessas pessoas enfrentam questões de pobreza real, vício e abuso – e parece que ele não dá a mínima”, explica.

“Três ou quatro anos atrás, ele me ligou dizendo querer que meu filme fosse retirado da internet, porque ele estava reconhecível. Alguém estava atrás dele, etc. Eu disse que isso era inútil, já que o documentário estava disponível há anos. Então recebi uma mensagem de texto pesada uma semana depois. Isso não me incomodou porque, no final das contas, eu não queria estar na pele dele. Cruickshank provavelmente anda olhando por cima do ombro o tempo inteiro, a paranoia explodindo sua cabeça.”

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James Cruickshank. Foto cortesia de David Graham Scott.

A revista publica o tipo de história que pode facilmente culminar num processo legal: primeiras páginas com manchetes sobre traficantes de heroína com passados pedófilos, acusações de que a polícia e secretarias da prefeitura encobriram estatísticas de crimes com faca, uma história sobre um líder jovem local tendo um caso com a avó do filho.

Todas essas histórias locais são extremamente populares – até recentemente, a revista afirmava ter uma circulação de mais de 10 mil exemplares –, o que não é uma grande surpresa: as pessoas adoram ler sobre as merdas em que seus vizinhos estão (supostamente) envolvidos. No entanto, mesmo dando lucro, a publicação sofre queda nas vendas. Cruickshank culpa os supermercados. “Digamos que um supermercado abre em algum lugar – isso vai prejudicar as lojinhas de esquina da região. Nenhum supermercado vai vender o The Digger. Eles vendem as mesmas revistas aqui que vendem em Londres. Isso sufoca a criatividade e causa uma reação em cadeia em negócios como o meu.”

Figuras ricas e influentes quase faliram Cruickshank alguns anos atrás, tudo por causa de uma matéria do The Digger que as acusava de serem traficantes de drogas. “Eles não ficaram felizes com a história e me levaram para o tribunal”, conta. “Eles e seus advogados caros acabaram comigo. Não tive como competir.”

Processos são um tema comum nas histórias online sobre o The Digger, o que, acho, já era de se esperar quando você publica alegações de atividades que as pessoas prefeririam manter encobertas. Mas o fato é que nenhum júri considerou a revista culpada de difamação – apesar das repercussões, como um pedido de desculpa na primeira página e os custos de uma batalha judicial, iniciada pelo chefe-executivo de uma associação local de habitação, que acusou o The Digger de levantar alegações “sérias, e ainda assim infundadas”, sobre ele.

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Tam McPhee.

Tam McPhee, um jovem de 26 anos de North Ayrshire, é outra pessoa que não está muito feliz com as matérias do The Digger. “Fui acusado, juntamente com dois outros garotos, de assalto à mão armada a um táxi”, ele me contou. “Os nomes deles não foram mencionados [na história do Digger], só o meu, junto com as minhas informações pessoais. Fui inocentado de todas as acusações, mas os filhos da puta esqueceram de mencionar isso. Fiquei furioso, claro, mas não sabia nem por onde começar para exigir uma retratação deles, então deixei isso pra lá.”

Mesmo que Tam não tenha levado seu caso adiante, a Press Complaints Commission da Escócia já teve que lidar com o The Digger antes. Em 2010, a revista foi obrigada a publicar uma correção depois de ter dito que uma suicida havia sido casada com um pedófilo condenado, quando a informação sobre o suicídio não era verdadeira, assim como a acusação de pedofilia. No mesmo ano, uma ex-parlamentar do Partido dos Trabalhadores fez uma reclamação sobre dois artigos em que ela aparecia ligada aos Lyons, uma família do crime de Glasgow.

Claro, há muitas histórias que não levam a processos judiciais, e é aí – na cobertura do tipo de coisa que acabaria apodrecendo num arquivo qualquer –que se encontra o nicho dessa publicação. Independentemente de seus motivos, Cruickshank publica as notícias que outros não ousariam, e temos que respeitá-lo por isso. Se todas essas notícias fornecem realmente algum serviço ao público é debatível, mas pelos £ 1,25 (R$ 5) que os leitores pagam, pode-se deduzir que de fato há gente muito interessada nessas matérias.

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Sem romantizar excessivamente a habilidade de imprimir palavras em árvores processadas, é encorajador saber que os leitores do The Digger encontram tempo para equilibrar atualizações de sete segundos e listas de dez mais com algo que é preciso pagar e passar algum tempo folheando. Isso também mostra a habilidade de Cruickshank de saber o que seus leitores querem ler.

Eu estava ansioso para saber como o editor do The Digger chegou até aqui, mas ele foi cauteloso quando perguntei sobre seu passado. Também é difícil encontrar informações sobre ele na internet. Em 2003, Cruickshank foi chutado do Sindicato Nacional dos Jornalistas (NUJ, em inglês) depois de publicar uma acusação supostamente difamatória sobre eles; dois anos depois, banido das salas de imprensa da polícia e da prefeitura de Glasgow, tudo culpa de uma foto de uma garotinha de 8 anos usando um colete à prova de balas no jardim de casa publicada na revista (na época, ele disse: “Estou indo contra o establishment e eles não gostam disso. Eles estão tentando me destruir”). Mas detalhes pessoais são quase impossíveis de se encontrar.

David Graham Scott.

David me disse que Cruickshank viveu nos EUA antes de fundar o The Diggere lembrava vagamente que ele fazia algum serviço “relacionado a jornalismo” lá, mas não recordava de muito mais. Notei que o editor tem um sotaque distinto do nordeste da Escócia e rastreei seu primo Willie, um homem de 61 anos da pequena cidade de Forfar. “Não tenho muito o que te contar sobre ele para dizer a verdade”, ele admitiu. “Os pais dele já morreram e eu só o vi uma ou duas vezes nos últimos dez anos. Eu sei que ele morou no exterior por um tempo, mas fora isso não sei de muita coisa.”

Liguei para James de novo para saber se ele estava disposto a responder mais algumas perguntas – tanto sobre seu passado como sobre as acusações que ouvi no contato com as pessoas mencionadas pelo The Digger –, mas essa foi a última vez que conversamos. Ele parecia convencido de que eu estava participando de algum tipo de armação, se recusou a responder qualquer pegunta e quis saber o que eu planejava escrever. Não é de se surpreender que Cruickshank seja paranoico, claro – ele vende histórias que frequentemente o colocam de frente com advogados irritantes e criminosos enfurecidos.

Apesar de tudo que ouvi, eu diria que, eticamente, o The Digger não é pior que qualquer um dos jornais nacionais mais vendidos. Enquanto algumas das histórias podem mesmo ser contestadas legalmente, pelo menos elas procuram expôr aqueles que cometeram crimes reais, e não hackear os telefones de adolescentes assassinadas. Cruickshank, sem dúvidas, não é o cara mais simpático do mundo, mas não se tem muito tempo para amenidades quando se está no comando da revista semanal mais famosa sobre crime do Reino Unido.

Tradução: Marina Schnoor