Como é ser um jovem soropositivo em 2015

FYI.

This story is over 5 years old.

Outros

Como é ser um jovem soropositivo em 2015

Um depoimento sincero para você que ainda acha engraçado fazer piadas sobre AIDS em pleno século XXI.

Foto por Jim Goldberg/Magnum Photos

Recentemente foi o Dia Mundial da AIDS. A VICE explora o estado atual do HIV pelo mundo em nosso documentário Contagem Regressiva na HBO. Se envolva comprando no site red.org.

Anteontem foi o Dia Mundial da AIDS. Isso começou em 1988 com o objetivo de reunir pessoas para lutar contra o HIV, conscientizando e educando ao mesmo tempo. Segundo a Organização Mundial de Saúde, mais de um milhão de pessoas morreram de causas relacionadas ao HIV no ano passado, totalizando 34 milhões de vidas no mundo até agora. A OMS estima que 36,9 milhões de pessoas viviam com HIV no mundo até o final de 2014. A África Subsaariana é a região mais afetada, com aproximadamente 25,8 milhões de pessoas soropositivas no ano passado. A região responde por 70% dos dois milhões de novos casos por ano no mundo.

Publicidade

Fui diagnosticado HIV positivo em 2011. Hoje, tenho 25 anos. Acho que muita gente da minha idade não tem noção das realidades do HIV; então, resolvi compartilhar minha experiência pessoal e meu ponto de vista sobre como é ser um jovem soropositivo em 2015. Aqui vai que você precisa saber:

Piadas de AIDS

Quando descobri que era HIV positivo, em março de 2011, recebi uma enxurrada de panfletos, matérias e vídeos no YouTube estéreis e tristes. Sem leveza, sem sorrisos. Foi difícil não me sentir desanimado. Aí fui até o Twitter, li algumas piadas sobre AIDS e consegui rir um pouco.

Por muito tempo depois do meu diagnóstico – semanas, meses –, meu cérebro ficou atolado no meu status. Eu não conseguia pensar em mais nada. Piadas de AIDS me permitiram sentir alguma coisa além de medo. Pude pensar no meu status, no meu corpo, na minha vida de um jeito que não me fazia sentir horrível. Não tenho AIDS – posso nunca ter AIDS. Mas piadas de AIDS, por mais terríveis e sombrias que sejam, me fizeram encontrar humor no que eu achava que era meu destino. Piadas de AIDS são cruéis e erradas – e, na real, nem deveriam existir. Só que elas me fizeram sentir uma pessoa no ponto mais triste da minha vida.

Sexo

Ser HIV positivo não significa que eu seja celibatário – tenho uma vida sexual saudável. Sou jovem, gay e moro em Nova York. Estou cercado de homens gays que são HIV positivo ou que tomam medicação preventiva (ou PrEP). Como sou sincero sobre meu status, há sempre um precedente para segurança e honestidade antes de tirar as roupas.

Publicidade

Cura

Parece que todo dia sai uma matéria na linha "Cientistas Dizem que a Cura para a AIDS está no Horizonte" ou "Estamos Prestes a Curar a AIDS?" Para mim, essas matérias são mais iscas de clique que qualquer outra coisa. Matérias e notícias proclamando a cura aparecem há uma década. Se eu realmente ficasse empolgado toda vez que visse algo assim, eu me desapontaria o tempo todo. Claro, tenho esperança de que a cura aconteça um dia, embora ache que não vai ser tão cedo. Quando/se uma cura for encontrada, acho que isso vai aparecer na forma de injeção ou de uma série de injeções. Gosto de pensar que, quando isso estiver disponível, vou estar com 40 e poucos anos, que vou ter o dia da última injeção marcado no meu calendário com uma carinha sorridente. Quando/se eu for finalmente curado, vou chorar. Vou comer bolo, beber champanhe e começar a planejar minha viagem para Taiwan, um lugar aonde não posso ir porque sou soropositivo. Ainda assim, vou esperar sentado.

"Lembro que, quando me assumi gay, minha mãe me fez prometer que eu não pegaria HIV. Quando tive de dizer para ela que eu era soropositivo, ela só me abraçou."

Vida Amorosa

No ano passado, tudo mudou na minha vida amorosa graças ao PrEP, uma medicação diária que pessoas soronegativas podem tomar para evitar a transmissão de HIV. Antes do PrEP, eu nunca pensaria em dar meu número para alguém na rua, conhecer uma pessoa numa festa ou arrumar um encontro pelo Tinder. Antes, eu só saía com pessoas com o mesmo status de HIV que o meu. Entretanto, agora, com o PrEP, muito mais caras estão abertos a sair com alguém soropositivo e minha vida amorosa decolou. Meu mar tem cinco vezes mais peixes que antes.

Publicidade

Educação

Você só percebe que as pessoas não sabem nada sobre HIV até se tornar soropositivo e ter de aprender tudo sozinho. A sociedade parou de prestar atenção nisso em 1991. Pelo que posso dizer, a maioria da população desconhece completamente as realidades modernas do HIV. A maioria ainda é ignorante e tem medo – as pessoas não fazem ideia aonde chegamos. Felizmente, existe a internet.

Família

Lembro que, quando me assumi gay, minha mãe me fez prometer que eu não pegaria HIV. Quando tive de contar a ela que eu era soropositivo, ela só me abraçou. Da minha família, só meus pais sabem meu status, e eles têm me dado muito apoio e sido maravilhosos. Amo vocês, mãe e pai.

Viagem

países onde não posso entrar por ser soropositivo. Essa é a lei nesses lugares. Mas também não estou morrendo de vontade de ir a Singapura.

Saúde

Antes de descobrir meu status, eu tinha 100% de confiança em médicos, enfermeiras e profissionais de saúde no geral. Foi só quando um médico me fez sentir um lixo que percebi que um estetoscópio dá na mesmo que uma batina de padre – algo que deve inspirar confiança, mas que não garante nada. Agora, tenho um médico gay que é casado com um homem soropositivo. É impactante se consultar com um médico que diz seu status sem tirar o sorriso do rosto, ter enfermeiras que te tocam sem vacilar, estar num espaço onde você não vai ser julgado ou tratado como um espécime. Ter acesso a um serviço de saúde bom é extremamente importante. (Se você precisa de ajuda, o GLMA é uma ótima fonte.)

Publicidade

Seguro

Eu não sabia como seguro é importante até descobrir que eu era soropositivo. Seguradoras são o Satanás encarnado, porém também são a única razão para eu poder bancar um tratamento de US$ 3 mil por mês. Pelo menos Satanás está do meu lado.

Cadeia

Aqui vai uma situação hipotética: digamos que conheça alguém, sintamos uma atração mútua e eu conte que sou soropositivo. A pessoa entende, não vê problema nisso, e continuamos saindo. A pessoa desenvolve sentimentos por mim, porém eu não correspondo e termino a relação. Mas… e se a pessoa for vingativa? Ela pode procurar a polícia, dizer que nunca contei que era soropositivo, que fiz sexo sem proteção com ela e coloquei sua vida em perigo. Sem nenhuma evidência física, posso ser preso, julgado –

e vai ser a palavra dele contra a minha. Vamos imaginar que o juiz do meu caso não saiba nada sobre HIV, que ele tem preconceitos baseados em estigmas e estereótipos. Enquanto isso, sou publicamente difamado, minha família, amigos e chefes ficam sabendo do meu status – e me arrisco a perder tudo. Por isso, Charlie Sheen teve de revelar que era soropositivo na TV: ele estava sendo chantageado por pessoas que ameaçavam usar leis que criminalizam o HIV contra ele. Essas leis dizem que, se você faz sexo com alguém sem contar que é soropositivo, a pessoa pode te processar e você pode ir preso. Leis que criminalizam o HIV buscam "proteger" o público, porém acabam fazendo as pessoas soronegativas evitarem testes e pessoas soropositivas evitarem revelar seu status.

Publicidade

E, ainda no tópico cadeia, HIV continua uma questão séria. Detentos em prisões estaduais e federais são afetados desproporcionalmente por HIV, assim como outros problemas de saúde, e há 20 mil detentos com HIV/AIDS no EUA – cerca de um em cada cem detentos é afetado.


VICE na HBO: Assista ao trailer de Contagem Regressiva:


Filhos

Ainda posso ter filhos mesmo sendo soropositivo. Isso pode custar um pouco mais caro, mas é perfeitamente possível. Mulheres vivendo com o HIV podem reduzir muito o risco de passar o vírus para seu bebê tomando uma combinação de medicamentos (a chamada terapia antirretroviral), e indivíduos ou casais dos EUA tentando adotar não podem ser legalmente discriminados por ter HIV.

Laboratórios

Meu sangue é coletado uma vez a cada seis meses. Os enfermeiros do laboratório são legais e colam quadrinhos de vampiros nas paredes para que eu não precise ficar vendo o sangue sendo tirado. Pode ser meio chato, embora seja bom saber que sua saúde está sendo monitorada.

Medicação

Tenho uma revista gay de 1983 enquadrada no meu quarto. Na contracapa, há uma propaganda de um multivitamínico chamado "Vita-men". O slogan da propaganda? "Lute!". A AIDS estava perto do pico em 1983, e a única defesa em que as pessoas conseguiam pensar era uma vitamina vendida pelo correio.

Toda manhã, tomo um comprimido lilás gigante chamado Triumeq, um remédio poderoso consistindo de três drogas anti-HIV. Esse único comprimido me mantém vivo indefinidamente. O remédio evita que o vírus se multiplique e ajuda meu corpo a matar quase todas as cópias dele no meu sangue, o que me mantém saudável. Minha expectativa de vida é próxima da expectativa de uma pessoa soronegativa enquanto eu tomar essa medicação. Se eu fosse religioso, eu ergueria um santuário para o Triumeq. Para mim, isso é um feito incrível de engenharia humana, quase na mesma linha da viagem à Lua ou da internet. Ainda assim, me preocupo com a forma como essa droga poderosa está afetando meu corpo, como isso vai me afetar com os anos. Vou ficar com bochechas covadas e a barriga inchada por causa da lipodistrofia, um efeito colateral que tem sido associado a alguns remédios para HIV? Meus rins vão parar? Vou precisar de outro rim em 20 anos? Imagino que Elon Musk vai descobrir um jeito de fazer impressões 3D de órgãos humanos no futuro, e eu não vou ter mais problemas. Essa é minha única esperança, já que não posso receber um órgão por transplante devido ao meu status. Ainda assim, seja lá o que acontecer, tenho sorte de poder tomar essa medicação, já que esses tratamentos salvadores são drasticamentemenos acessíveis em lugares como a África e a Ásia. Portanto, não posso reclamar.

Publicidade

Foto cortesia do autor.

"Nunca sei se as pessoas vão me julgar em silêncio, ter pena de mim, ter medo ou me rejeitar de cara. Se conto a alguém sobre meu status, é porque acredito que essa pessoa seja razoável, consciente e alguém em que possa confiar."

ONGs

Pessoas incríveis trabalhando duro porque acreditam que podem fazer um mundo melhor para pessoas como eu. É emocionante. Há várias organizações de HIV/AIDS cheias de pessoas bem-intencionadas: GMHC, Callen Lorde Community Health Center e a Lambda Legal, apenas para mencionar algumas. Quando descobri meu status, fui abordado por uma ONG local que me ajudou a marcar consultas médicas, me ofereceu ajuda psicológica gratuitamente e me ensinou muito sobre HIV. O mesmo grupo também patrocina educação sexual, distribuição de camisinhas e testes gratuitos na minha cidade. Quando eles fazem uma caminhada pela AIDS ou uma iniciativa para levantar fundos, eu faço uma doação. Essas pessoas são santas.

PEP e PrEP (profilaxia pós-exposição e profilaxia pré-exposição)

PEP

Pouca gente sabe, mas existe um plano B para o HIV. Se você fizer sexo sem proteção e suspeitar que possa ter sido exposto, você pode procurar a emergência de um hospital e receber uma série de medicamentos que vão evitar que você pegue HIV. Não é certeza absoluta, porém isso pode mudar o jogo. Se eu conhecesse o PEP quando era mais jovem, eu poderia ser soronegativo hoje.

PrEP

Para quem não sabe, PrEP (ou Truvada) é um medicamento diário que pessoas soronegativas podem tomar para evitar contrair o HIV. Quando tomado corretamente, isso age como um imunizador. Se fizer sexo sem camisinha, você devia falar com seu médico sobre tomar PrEP.

Publicidade

Na VICE: 'O fim da AIDS? A revolução do Truvada':


Teste

Fazer um teste de HIV leva apenas 20 minutos. Não tem desculpa para não achar tempo para fazer o teste. O GMLA também é uma ótima ajuda nisso.

Sem Vergonha

O HIV causa mais dano antes mesmo de você ser infectado. A maior dor que você sente em ser soropositivo vem quando você é diagnosticado: é como levar um soco no estômago de toda a vergonha e o estigma social que cercam o vírus. Só consegui me sentir saudável e são quando finalmente percebi que a maior parte do meu sofrimento vinha da minha preocupação com o que os outros iam pensar e em como eu iria funcionar num mundo de pessoas soronegativas.

Contando

Dito isso, meu status como soropositivo é uma questão particular. Não porque tenha vergonha – é só mais fácil e mais seguro. Nunca sei as atitudes, as crenças políticas ou o nível de educação que uma pessoa tem sobre HIV. Nunca sei se as pessoas vão me julgar em silêncio, ter pena de mim, ter medo ou me rejeitar de cara. Se conto a alguém sobre meu status, é porque acredito que essa pessoa seja razoável, consciente e alguém em que possa confiar. As poucas vezes que contei isso a alguém, geralmente sou a primeira pessoa soropositiva que elas conhecem. Na maioria das vezes, sou recebido com respeito, porém já inspirei lágrimas e longos interrogatórios. E OK – fico feliz em poder expandir a visão das pessoas. Mas também não quero que minha vida vire uma novela.

Publicidade

Carga Viral Indetectável

O termo carga viral se refere ao número de cópias do vírus HIV no seu sangue. Quanto maior o número, mais cópias do vírus no seu sistema, pior a sua saúde e mais provável você morrer disso. Com a medicação, seu corpo mata as cópias do vírus até o ponto em que isso se torne indetectável pelos testes modernos. Quando isso acontece, seu corpo não tem de lutar tanto contra o HIV, o que o deixa livre para cuidar de outras coisas, como uma gripe ou um resfriado. Além disso, quando você está com uma carga indetectável, é muito difícil transmitir o vírus.

Quem passou isso para mim? E eu tenho raiva dele?

Felizmente, eu sei quando e como fui infectado. Fiz sexo sem camisinha. Eu estava com alguém com quem eu ia e voltava há dois anos. Eu me sentia muito confortável com ele, e, quando chegou a hora de colocar a camisinha, nós pulamos esse passo. Na época, ele não fazia ideia de que era soropositivo. É geralmente assim que acontece. A maioria das transmissões de HIV ocorre através de pessoas que não sabem que têm HIV.

E, não, não tenho raiva dele. Não consigo ter raiva de alguém por algo que, no final das contas, era minha responsabilidade. Eu sou o responsável por me proteger do HIV. Eu escolhi fazer sexo sem proteção, não fui forçado. Não posso ter pensamentos negativos contra ele. Isso só perpetuaria a mentalidade falsa de predador/vítima em torno do HIV, essa ideia de que a culpa é sempre do soropositivo.

Me explicar

Apenas uma em cada cinco pessoas heterossexuais diz ter usado camisinha da última vez que fez sexo. Pílula do dia seguinte é vendida em farmácias. Além de bebês de proveta, todas as pessoas da Terra nasceram de sexo sem proteção. Eu fiz sexo sem proteção, assim como a maioria das pessoas sexualmente ativas em algum ponto da vida. Só que, se você for infectado com HIV, algumas pessoas vão te fazer acreditar que você é sujo, mau, insidioso, idiota e que merece morrer. São as mesmas pessoas que acham que quem tem HIV deveria ser segregado e evitado pelo resto da humanidade. Eu já superei essa coisa de ser demonizado e estigmatizado. Detesto ter de me explicar, ter de justificar por querer ser tratado como uma pessoa em vez de um estudo de caso ou um monstro.

Zero

O número de novas infecções vindas de um teste recente com usuários de PrEP. Sério: se você faz sexo, se informe sobre PrEP e PEP.

Tradução: Marina Schnoor.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.